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Mundo vê melhor os EUA que os americanos

A perda de confiança entre cidadãos na vitalidade, na força e na virtude de seu próprio país é preocupante

Por Washington Post, Fareed Zakaria, O Estado de S. Paulo, 29/06/2024

Ao longo dos dois meses recentes, eu viajei pelos Estados Unidos e a partes da Europa falando com frequência sobre o meu novo livro, Era das revoluções, que descreve como estamos atravessando um período de perturbações profundas – na sociedade, na política, na economia e nas relações internacionais. Fiquei com a sensação de que as pessoas, mesmo as ricas e escolarizadas, estão apreensivas com essas perturbações e temem que elas possam nos levar a tempos mais obscuros. Muitas das perguntas que ouvi nas palestras sobre o meu livro foram do tipo, “Existe algum motivo para termos esperança atualmente?” Então eu pensava em tentar responder explicando por que, apesar de todos os perigos, eu sigo otimista.

Na Europa, muitos temem que uma vitória de Donald Trump possa levá-los a um mundo novo e perigoso. Acreditam que os EUA poderá dar as costas à Europa, desmantelando a arquitetura de segurança do continente. Segundo me disse um estadista europeu, “nós, no Ocidente, temos vivido em um mundo estável, pacífico e aberto sem dar o devido valor. Mas agora estamos diante de todos esses desafios, externos e internos, e tudo pode ruir”.

Sim, pode. Os desafios externos, por si só, são imensos. Nós estamos testemunhando a Rússia, a China, o Irã e agora a Coreia do Norte formar um eixo em oposição tanto ao poder quanto aos valores do Ocidente.

E mesmo assim o retorno da competição entre grandes potências surte um efeito interessante. Valores e práticas ocidentais têm sido com frequência tratados como ideais a serem criticados por suas falhas e hipocrisias. Cada vez mais, porém, devem ser julgados em relação às alternativas. Em vez de um mundo dominado pelo poder e pelas ideias do Ocidente, você preferiria um domínio russo ou chinês?

Numa nova pesquisa encomendada pelo Instituto Ipsos e pela King’s College London (para coincidir com minha fala na Fulbright Distinguished Lecture, em Oxford), a mudança no humor global fica evidente. Entrevistando cerca de 24 mil pessoas em 31 países, o estudo constatou que as pessoas estão pensando mais seriamente e criticamente a respeito do crescente poder e influência das grandes potências autocráticas. Os entrevistados consideraram Rússia, China e Irã três dos quatro países que usam sua influência principalmente para o mal, o que evidenciou um desgaste na visão sobre esses três países desde a última vez que a pesquisa tinha sido conduzida, em 2019. Ao longo dos cinco anos recentes, o índice de entrevistados que percebem a Rússia usando sua influência para o mal aumentou 22 pontos porcentuais; em relação à China, o aumento foi de 10 pontos; e em relação ao Irã, de 5 pontos. (O outro país na lista dos quatro é Israel – uma circunstância triste, que deveria servir de alerta aos israelenses.)

Essa pesquisa é amplamente consistente com outra sondagem global, realizada pelo Pew Research Center, em 2023, que perguntou a pessoas em 24 países se elas consideravam mais favoravelmente China ou EUA. Em média 59% dos entrevistados tinham visão positiva em relação aos EUA, contra apenas 28% preferindo a China.

A ascensão da China e o retorno da Rússia inquietaram as relações internacionais. Mas também recordaram o mundo a respeito de escolha entre dois conjuntos de valores — ocidentais-liberais ou autocráticos-iliberais. É possível ver a diferença nas disputas em andamento na Europa e na Ásia, sobre Ucrânia e Taiwan. Em ambos os casos, o Ocidente tenta permitir às pessoas (na Ucrânia e em Taiwan) escolher livremente como desejam viver. Rússia e China, em contraste, agem para extinguir essa liberdade. Uma diferença impressionante, e pessoas de todo o mundo podem percebê-la.

Na pesquisa Ipsos/KCL, pessoas na maioria dos países disseram considerar a influência dos EUA na arena internacional mais favoravelmente do que em 2019 — com uma exceção notável: os próprios americanos. A perda de confiança entre cidadãos dos EUA na vitalidade, na força e na virtude de seu próprio país é profundamente preocupante.

Se olharmos para os fatos, os EUA são hoje mais poderosos em muitas medidas em relação ao que foram por anos. Mas não é isso o que muitos americanos sentem. Nas palestras, muita gente se disse preocupada com a profunda polarização e as divisões dentro do país. Muitos perguntaram se é possível sair dessa, alcançar algum tipo de concessão mútua, algum arranjo que mova o país adiante.

Até aqui, eu sigo otimista. Nós estamos vivenciando um turbilhão de mudanças. Nos EUA, os problemas são constantemente propagados e sublinhados. Nós lavamos nossa roupa suja à vista de todos. A narrativa sobre nossos fracassos convulsiona o nosso sistema político. Teremos de trabalhar para encontrar soluções. Mas certamente isso é melhor do que reprimi-los, coagir pessoas a estar em conformidade e apresentar ao mundo uma fachada de unidade em estilo norte-coreano. Essas pesquisas sugerem que pessoas de todo o planeta sabem dizer o que é real e o que é fake. E diante de uma escolha, a maioria prefere o Ocidente e seus valores, apesar de todas as suas imperfeições.

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