Artigos

O clima e a tragédia dos bens comuns

Por Fernando Reinach, O Estado de S. Paulo, 06/07/2024

A tragédia dos bens comuns (Tragedy of the Commons) foi formulada pelo escritor e economista William Forster Lloyd em 1833. Ele observou o que acontecia nos “Commons” que existem na Inglaterra desde a época medieval. O senhor das terras separava uma área de pasto, geralmente próxima da aldeia onde viviam os seus servos, para que eles pudessem criar os próprios carneiros. Essas áreas eram chamadas de commons, pois eram de uso comum, e cabia aos servos administrar o seu uso.

O que Williams Foster Lloyd observou é que nessas áreas comuns praticamente não existia mais pasto. As pessoas não conseguiam organizar o uso de modo a preservar a grama. Algumas delas colocavam o máximo de carneiros possível para ter um lucro rápido e, com grande parte das outras pessoas imitando esse comportamento, logo o pasto acabava, e os carneiros ficavam sem comida. O que ele concluiu é que os seres humanos, quando têm acesso livre a um recurso natural limitado, não conseguem explorar esse recurso de forma organizada. Foi isso que denominou de “Tragedy of the Commons”.

O fenômeno foi observado em dezenas de casos em que uma população tem acesso livre e ilimitado a um bem natural. Entre os casos estudados está a pesca de lagostas no Maine e a de baleias nos oceanos internacionais, a retirada de água e despejo de detritos em rios, o uso de águas subterrâneas, e assim por diante. Para evitar essa tragédia, a solução é retirar das pessoas o direito de utilizar livremente esse bem comum. E isso é feito pela regulamentação por alguma autoridade. São as cotas de pesca de lagosta impostas pelo governo do Maine, as licenças para perfurar poços e retirar água dos aquíferos e as leis que regulam o despejo de esgoto e retirada de água dos rios. O problema fica mais grave quanto mais difícil for chegar a um acordo sobre a forma de regular o uso do recurso natural. Foi relativamente fácil regular a pesca de lagostas no Maine, é mais difícil regular o uso de um rio que atravessa vários países. E todos sabemos a dificuldade de regular a pesca de baleias e outros peixes em águas internacionais.

A atmosfera é o maior recurso natural de que dispomos. Ela envolve todo o planeta e todos os seres vivos retiram e depositam gases na atmosfera. Por causa das correntes de ar, os gases da atmosfera são misturados constantemente: o que um animal solta na América do Sul vai ser captado por um outro na Austrália ou no Japão. A maneira como um indivíduo ou uma nação modifica a atmosfera influencia todo o planeta. Todos nós, indivíduos, empresas ou nações, temos acesso livre e irrestrito. Apesar de alguns países terem algumas regras sobre o que podemos lançar na atmosfera, o fato é que não existe um órgão com poderes para regulamentar seu uso. É um enorme “common” e o que estamos vivendo com o aquecimento global causado pelas emissões de gás carbônico é um exemplo radical da tragédia descrita por Foster Lloyd. Cada pessoa com seu carro a gasolina, cada empresa que emite gás carbônico, e cada país com indústrias poluidoras está colocando seus carneiros para pastar no “common”, tentando tirar vantagem o mais rápido possível, claramente incapazes de conter seu comportamento. E, se o outro faz, por que eu vou deixar de fazer?

Lloyd e outros pensadores que estudaram a “Tragedy of the Commons” concluíram que o problema se origina em duas características inerentes ao ser humano: uma tendência que nos leva a buscar vantagens individuais sacrificando a coletividade; e uma dificuldade de sacrificar o presente em prol de um futuro melhor. O tamanho do “common” onde se desenrola a tragédia (atmosfera) e o número dos servos que compartilha o direito de usar esse recurso natural limitado (toda a humanidade), associado à inexistência de um órgão com poderes de regular seu uso (a ONU sendo o único candidato), torna o desafio de evitar que o pasto acabe extremamente difícil. Criamos metas de emissão que não têm sido cumpridas e o mercado de créditos de carbono avança lentamente. Veremos se a humanidade vai ter sucesso em evitar que o pasto acabe antes de morrermos de calor ou sufocados. Acho difícil.

ARTIGO1213

Print Friendly, PDF & Email

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *