O equilíbrio da Federação
*Marco Maciel – O Estado de S. Paulo – 16/01/1993
A campanha do plebiscito e o processo de revisão constitucional não podem, na minha opinião, deixar de examinar a questão federativa, pois, como se sabe, a Federação em nosso país é, por nascimento, irmã xifópaga da República. Ora, é notório que um dos males do modelo federativo adotado pela Constituição republicana de 1891 e seguido pelas seis que lhe sucederam nos últimos cem anos foi o de estabelecer um sistema institucional para a União e praticamente obrigar a sua reprodução, tanto no nível estadual, quanto no nível municipal. Em outras palavras, Estados e municípios tem de ser obrigatoriamente, por força de todas as nossas Constituições, miniaturas do modelo organizativo da União. Isto vale tanto para a organização político-institucional quanto para a organização tributária. Estados e municípios têm todos a mesma organização política e a mesa estrutura tributária. É uma federalização ao contrário, verticalizada, de cima para baixo, que deixa aos Estados e municípios o único direito de reproduzirem, nas respectivas esferas, os mesmos erros e aberrações a que se acostumou a União. Em nosso caso, adotamos o presidencialismo do modelo americano, mas não o seu federalismo. Por isso, a República e a Federação brasileiras, que nasceram juntas, terminaram refletindo, em cada uma delas, os erros da outra. A possibilidade da revisão constitucional de 93 é a oportunidade para repensarmos esse modelo que os constituintes de 88 não examinaram, criando mais uma das muitas oportunidades históricas perdidas no decurso do século republicano que completamos em 1991. Não advogo o puro e simples transplante do modelo federativo americano, que, embora seja de 1787, remonta, na realidade, à independência das 13 colônias em 1776 e tem, portanto, um profundo fundamento histórico. A União, nos Estados Unidos, era um tênue laço entre ex-colônias que prezavam, acima de tudo, a sua independência. A tal ponto que nenhum dos Estados queria sediar o governo federal, tendo sido necessário comprar o território da capital, Washington, DC. Nossas razões históricas foram outras, pois ao ser proclamada a República, em 1891, vínhamos de 65 anos de Estado unitário, que a Coroa utilizou como forma de garantir a unidade nacional e preservar os laços comuns, como o fundado receito de que se repetisse na América portuguesa o que ocorrera na América espanhola, com a independência das ex-colônias. Não podemos esquecer, no entanto, que os 300 anos de sistema colonial se fundaram, sobretudo, num centralismo apenas nominal, como, de forma indiscutível, mostrou o maior de todos os historiadores brasileiros, Capistrano de Abreu, em seus Capítulos de História Colonial. O mal da Federação brasileira é que, adotando um federalismo apenas nominal, com a reprodução nos Estados e municípios, do modelo organizativo da União e com uma inconsistente discriminação de rendas, terminou perpetuando um modelo perverso, que gerou os atuais desequilíbrios regionais. O resultado tem sido, como se vem observando, um colonialismo interno que, de 1891 anos nossos dias, só fez agravar-se. Repensar o modelo federativo, tanto em termos políticos como em termos institucionais (inclusive tributários), é a única opção que temos par acabar com a dramática e perversa assimetria de nosso federalismo, que criou, dentro de nossas próprias fronteiras, zonas de marginalização e exclusão, sem a superação das quais jamais teremos desenvolvimento harmônico e equilibrado, essencial para a superação de nosso desenvolvimento.
*Senador (PFL-PE)
ARTIGO51