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O fim da pandemia

O que fazer para não passar por um genocídio? Isolamento até a queda de casos e mortes

Gonzalo Vecina*, O Estado de S.Paulo – 20 de maio de 2020

A covid-19 se alimenta de três fatos: concentração demográfica, mobilidade social e falta de acesso a serviços básicos como água tratada, alimentação e serviços de saúde. Esses são os componentes intrínsecos da dieta da pandemia. Existe um quarto componente que é extrínseco: a incompetência dos governantes. Sim, pois a ação pública consegue reduzir os impactos da epidemia – reduzir a mobilidade social, preparar os serviços de saúde, divulgar os comportamentos esperados da população, dar exemplos de condutas adequadas, testar os suspeitos e os contatos, financiar ações voltadas para o desenvolvimento de medicamentos e vacinas, preparar a rede hospitalar etc.

Mas como acabar com uma epidemia? Basicamente há três maneiras:

1) O vírus deixa de circular. É a estratégia de Wuhan. Um lockdown violento, ninguém se move por 14 dias e quem estava infectado ou morre ou se cura e o vírus diminui sua circulação. A partir daí se estabelece uma política de testagem agressiva e se controla quem sai e entra de forma muito rigorosa.

2) Se cria uma vacina eficaz e segura.

3) Se alcança a imunidade de rebanho. Aqui significa conseguir que ao menos cerca de 70% da população tenha a doença. No Brasil, algo como 147 milhões de pessoas. Com essa massa de pessoas imunizadas – tiveram a doença e morreram ou a derrotaram e, portanto, estão imunes por algum tempo – se estima que o vírus para durante algum tempo de circular. Com novos nascimentos e a entrada de migrantes a situação tende a se reverter.

No caso do Brasil as saídas 1 e 2 não fazem parte do cenário de curto prazo. Só resta a saída 3. Mas para que 147 milhões de pessoas tenham a doença, temos de levar em conta que 15% serão internados em hospitais e 5% em UTIs. No total serão 29,4 milhões de pessoas. O SUS interna algo como 20 milhões/ano. O impacto de mais uma vez e meia as internações de um ano seria insuportável para o sistema de saúde. E ainda existem as mortes – levando em conta uma das taxas de letalidade mais baixas citadas nos estudos que é de 0,36%, teremos cerca de 529 mil mortes! A questão é em quanto tempo: um ano, dois? Depende de nossa capacidade de impor o isolamento social, do contrário iremos discutir a falência dos cemitérios.

De qualquer forma, começam a aparecer as primeiras estimativas de número de pessoas imunes na sociedade e, por mais atrevidas que sejam, não passam de 5%. Ou seja cerca de 11 milhões de brasileiros estão imunes.

O que fazer até a vacina chegar sem passar por um genocídio? Isolamento social até ocorrer queda consistente do número de casos e mortes por duas semanas e daí relaxa aos poucos e, se o número voltar a aumentar, deixar as regras mais duras de novo até chegar a vacina, pois não creio que vamos chegar à imunidade de rebanho.

Paralelamente a isso, fortalecer a capacidade de gestão dos leitos do SUS estaduais e municipais organizados em um fila única e incorporando leitos privados contratados e ou requisitados. Fortalecer e pôr para funcionar a atenção primária à saúde para atender os casos que estão no início por meio de estratégias inovadoras baseadas em telemedicina e na presença dos agentes comunitários de saúde adequadamente protegidos por EPIs e realizando testagem em larga escala.

Exige-se aprimoramento de nossos sistemas de acompanhamento epidemiológico. Muita difusão de informação sobre medidas de higiene, sobre o comportamento social – uso de máscaras e distanciamento – e principalmente, criar adequadas políticas de proteção social de pobres e marginalizados.

* É médico sanitarista

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