O mercado de trabalho não será como antes
Na atual conjuntura, convém não esperar demais do mercado de trabalho
Antes mesmo da divulgação dos números mais recentes da Pnad Contínua (veja gráfico) ocorrida na sexta-feira passada, o presidente Bolsonaro comemorou, com razão, a criação de postos de trabalho no trimestre móvel terminado em novembro.
Como há boas indicações de que a economia esteja engatando a segunda marcha, dá para esperar, também, que mais empregos sejam criados. Mas, na atual conjuntura, convém não esperar demais do mercado de trabalho.
Os principais motivos que recomendam cautela já foram apontados nesta Coluna em edições passadas. Mas, sem medo da repetição, é bom aceitar a intuição do escritor Nelson Rodrigues quando dizia que uma verdade dita apenas uma vez continua inédita.
E aqui vão quatro razões para não economizar cuidados quando se trata do futuro do emprego:
(1) O mundo – e não só o Brasil – passa por uma grande transformação no mercado de trabalho. A grande incorporação ao sistema de produção e distribuição de robôs, da tecnologia da informação e de um sem-número de aplicativos vem reduzindo substancialmente a necessidade de emprego de mão de obra. O comércio, graças à disseminação das compras online, e a rede bancária, que passou a trabalhar intensivamente com cartões, aplicativos, internet, caixas eletrônicos e plataformas globais de pagamentos, vão dispensando não só lojas e agências, mas, sobretudo, pessoal. Novos instrumentos ou, simplesmente, nova arrumação das linhas de montagem na indústria estão produzindo impacto também no sistema produtivo. À medida que a indústria incorporar o grande potencial oferecido pela tecnologia 4.0, pela internet 5G e pelos impressionantes recursos proporcionados pela impressora em três dimensões, mais e mais mão de obra será dispensada.
(2) Como o sistema produtivo deverá operar com menos empregos, novas soluções terão de ser encontradas para garantir a subsistência das pessoas e mercado consumidor para as empresas. Não basta afirmar que será inevitável aumentar para todos o tempo de ociosidade. Será preciso encontrar mecanismos novos de distribuição do produto e da renda. Uma das propostas é a criação da renda mínima bancada pelo Tesouro. Mas, nesse caso, será preciso prover receitas proporcionais também para o setor público, que hoje, com eventuais exceções, vem capengando em todo o mundo.
(3) O largo uso das traquitanas eletrônicas não é apenas ceifador de empregos. Também abre portas para novas atividades profissionais e outras oportunidades de negócio. Está empurrando cada vez mais gente para o trabalho autônomo (ou por conta própria). Não falta quem veja nisso apenas precarização do trabalho ou “uberização” da mão de obra. E, no entanto, a atividade por conta própria bem-sucedida é velha aspiração de qualquer trabalhador, porque é realizada sem patrão, sem horários rígidos de trabalho e, muitas vezes, no próprio domicílio. Desse ponto de vista, as grandes transformações do mercado de trabalho devem ser vistas como fato modernizador e não como lumpenização da mão de obra, como principalmente as esquerdas vêm enxergando por aqui.
(4) É claro, essa revolução do mercado de trabalho produz consequências ruins para as quais é preciso prover soluções. Ela enfraquece os sindicatos, cria ainda mais dificuldades para o financiamento das aposentadorias e exige tanto do setor público como do setor privado grande investimento no treinamento e capacitação do trabalhador para torná-lo apto para as novas exigências do mercado.
Grande esforço terá de ser feito para reconstruir o sistema de proteção ao trabalhador que vier a ser alijado desse novo mercado ou que enfrentar problemas de adaptação. Mais ainda, esse sistema, como ficou dito, terá de ser montado num ambiente global de forte deterioração das finanças públicas.
Para o bem e para o mal, nada no mercado de trabalho será como antes.
Fonte: O Estado de S.Paulo | Celso Ming | 28 de dezembro de 2019 | 19h00
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