O papel da escola
Essa é a primeira batalha que a criança deve enfrentar sozinha, sem ajuda dos pais
Rosely Sayão, O Estado de S.Paulo – 15 de dezembro de 2019 | 03h00
A escola tem passado por maus momentos. Nunca antes a instituição escolar brasileira foi tão atacada. Temos o Escola sem Partido, movimento político que acredita que o número de professores que busca atrair alunos a determinadas correntes ideológicas é enorme. Eles existem, mas não são tantos assim. Já o contingente de professores e alunos que sofrerá grandes consequências – fora os que já sofreram – resultantes dos princípios desse movimento será muito maior em pouco tempo. Se já não for.
Temos um bordão que foi, e ainda é, socialmente difundido por muitas pessoas e repetido por diversas escolas de que a sua função é a de instruir porque cabe à família educar. Quem repete esse conceito se esquece que, em família, os mais novos ocupam o papel social de filho, mas que, fora da família, exercem outras funções. Além disso, instruir e educar são dois conceitos inseparáveis: ao usar um deles, se aplica, necessariamente, o outro.
Temos também a educação domiciliar, que tem crescido. Pais de milhares de crianças decidiram deixar seus filhos fora da escola para ensinar os conteúdos escolares em casa. Deixam também os filhos longe do encontro com a diversidade de todos os tipos, é claro.
Como se não bastasse, pelo jeito agora teremos também um canal de atendimento, a ser criado pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, segundo notícias que li, para que professores denunciem – denunciem! – pais que não acompanham a vida escolar dos filhos. Agora, sim: a sociedade, em guerra declarada à escola, quer colocar pais contra professores e vice-versa. Em vez disso, seria importante entendermos melhor as funções da escola para defendê-la!
Quando uma criança nasce, a família se torna responsável por acompanhar seu desenvolvimento e ensinar o básico para que aprenda a conviver com os outros. Falar, ouvir, comunicar-se, fazer refeições, vestir-se adequadamente, colaborar. Esse é o processo que se chama socialização primária e coloca a criança no processo civilizatório.
Ocorre que, em casa, todas as famílias têm as próprias regras e modos de viver e isso é possível porque a família vive na intimidade do espaço privado. E mais: toda a influência familiar que os pais podem passar aos filhos se deve à afetividade. O mundo fora de casa é bem diferente: tem suas próprias regras, gente de todo tipo, tem também ambientes hostis – algumas famílias também têm hostilidade com as crianças –, e demanda conhecimentos específicos para ser compreendido. Para isso serve a escola: colaborar para que os alunos compreendam melhor o mundo – e possam viver melhor – à luz do conhecimento sistematizado, para que eles aprendam a conviver com os diferentes de forma respeitosa. É a chamada socialização secundária.
A escola é a instituição que faz a passagem da família para o mundo. Não é fácil. Os mais novos tentam reproduzir na escola o que aprenderam em casa ou lá fazer o que não podem em casa. Por isso, a escola precisa ser cuidada, protegida. Professores e pais precisam ser parceiros sem misturar papéis. Chamamos de parceria boa quando os pais atendem às demandas que a escola encaminha a eles. Isso não é parceria. Quem frequenta a escola sabe que é comum ouvir a respeito de “pais ausentes” sobre os que não comparecem às reuniões por ela convocadas, sem ouvir a disponibilidade deles, ou de pais que não fazem a lição de casa com os filhos.
Pois saiba que pai ausente em reunião escolar pode ser muito presente na vida dos filhos, e presente às reuniões pode não apresentar interesse verdadeiro pelo filho. A criança, ao crescer, enfrentará inúmeras dificuldades na vida, portanto deve ser estimulada a enfrentar suas próprias batalhas. E a escola é a primeira que ela deve enfrentar sozinha, sem a ajuda dos pais. Isso é o tal preparo para o futuro, para a vida.
*É PSICÓLOGA
ARTIGO210