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“O que é o ‘sticker shock’ climático”

Enfrentar mudanças climáticas custa US$ 2,4 trilhões por ano. De onde tirar o dinheiro?

O caso do dinheiro necessário para mitigar os efeitos do aquecimento global ilustra o terrível problema que resulta da disparidade entre quem terá de pagar a conta e quem gastará os recursos

Por Moisés Naim, Tradução Augusto Calil, O Estado de S. Paulo, 13/11/2023

US$ 2,4 trilhões . É rápido de dizer. Um dois, um quatro, seguidos por onze zeros. É o astronômico valor em dólares necessário para enfrentar as mudanças climáticas. E não apenas em um só pagamento: é o valor que teria que ser gasto ano após ano para evitar os piores efeitos das alterações que provocamos na atmosfera. Ninguém sabe ao certo quem ou como tal valor estará disponível. Mas é melhor encontrarmos a solução.

Na América Latina, por exemplo, os impactos das mudanças climáticas serão sentidos ao mesmo tempo que a precariedade econômica se acentua. Cidades costeiras como Guayaquil, no Equador, ou Barranquilla, na Colômbia, são muito vulneráveis à elevação do nível do mar e à proliferação de tempestades cada vez mais intensas. Guayaquil já sofre frequentemente com inundações que obrigam milhares de pessoas a abandonarem suas casas. Barranquilla poderá perder até 65% da sua área urbanizada.

A região andina sofrerá o recuo acelerado das geleiras, o que reduziria a disponibilidade de água. A Bolívia, por exemplo, poderá perder toda a sua superfície glacial nas próximas décadas. O Chaco, no Paraguai e na Argentina, sofrerá secas que afetarão a produção agrícola e pecuária. O México enfrenta o duplo impacto de mais secas no norte e maiores inundações no sul. Veracruz já sofreu uma das piores inundações em 2020, com mais de 800.000 pessoas afetadas. Um forte furacão devastou recentemente Acapulco.

A América Latina precisa urgentemente de acesso a mais financiamento climático para proteger os seus habitantes. Fácil de dizer e difícil de alcançar. As quantias exigidas são assustadoras.

Os americanos têm uma expressão para descrever a sensação de vertigem causada por tais cifras: choque do preço (“sticker shock”). Cunhada inicialmente para descrever as reações dos compradores de automóveis ao ver os preços nas janelas dos veículos na concessionária. O choque do preço capta o impacto que sentimos ao descobrir que não há como pagar um gasto imprescindível.

O caso do dinheiro necessário para mitigar os efeitos do aquecimento global ilustra o terrível problema que resulta da disparidade entre quem terá de pagar a conta e quem gastará os recursos.

As despesas necessárias para mitigar os choques climáticos devem ser destinadas à proteção dos países do Sul com dinheiro proveniente dos países do Norte – que também devem dedicar fundos para fortalecer as suas próprias defesas contra os efeitos das mudanças climáticas.

Obviamente, este é um desafio politicamente explosivo. Até agora, os países mais ricos tiveram sérias dificuldades em angariar US$ 100 bilhões para financiar os investimentos necessários nos países menos desenvolvidos (apenas 4% do montante necessário). É evidente que as instituições que temos hoje para amortecer os efeitos das alterações climáticas são muito insuficientes.

A Conferência das Partes (COP) da ONU só atua quando o consenso é alcançado. Isto soa bem, mas, na prática, não é conveniente. Esta decisão unânime permite que qualquer país, grande ou pequeno, vete qualquer iniciativa.

É um mecanismo fundamentalmente inadequado para o desafio enfrentado. Mas as consequências da inação seriam demasiado terríveis para sequer começarmos a contemplá-las. As fronteiras dos países desenvolvidos já sentem a pressão dos migrantes climáticos que fogem de condições inabitáveis nos seus próprios países.

É um fenômeno já incontrolável, que tende a agravar-se. As atuais dores de cabeça da migração são uma mera antevisão do que está por vir se os desafios climáticos não forem enfrentados à escala necessária. Os modelos científicos para os próximos cinquenta anos já prevêem o tipo de calamidades que ameaçam deixar grandes áreas do mundo tropical efetivamente inabitáveis. Milhões morreriam, mas milhões mais fugiriam, desestabilizando os países que os receberem.

O absurdo número de 2,4 trihões começa agora a assumir outro aspecto. Temos certeza de que é mesmo inatingível? É menos da metade dos seis trilhões de dólares que o mundo gasta anualmente em educação, nem sequer um terço dos nove trilhões que gastamos em serviços de saúde.

Na verdade, é aproximadamente equivalente aos 2,2 trilhões de dólares que o mundo gastou em defesa no ano passado. São números muito grandes, sem dúvida, mas são também o tipo de números que a humanidade já demonstrou ser capaz de mobilizar para financiar suas principais prioridades.

Nos próximos anos, o mundo terá de reagir à nova realidade de que a mitigação e a adaptação às mudanças climáticas são tão indispensáveis como a defesa, a educação e os cuidados com a saúde. Assim que compreendermos plenamente que estes são investimentos para os quais não temos alternativa, superaremos o choque do preço e começaremos o trabalho árduo de angariar o financiamento de que a humanidade necessita para se adaptar ao que está por vir.

ARTIGO988

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