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País só muda se tiver um plano estratégico

Semelhante ao desenvolvido rotineiramente pelas empresas privadas para definir os meios de alcançar os objetivos finais

Fábio Nogueira – O Estado de S. Paulo – 24/03/1993

Nas últimas décadas temos tido o infortúnio de contar com dirigentes limitados em sua capacidade de definir um Norte para o País e estabelecer as bases para que tal Norte possa ser atingido. Figueiredo, Sarney, Collor e, agora, Itamar são todos figuras preocupadas com o imediatismo, a popularidade, o benefício político ou são, pura e simplesmente, pouco competentes.

Já desde o primeiro choque do petróleo era possível duvizar alguns indicadores de que o modelo econômico em vigor estava com os dias contados. Vinte anos se passaram e ainda não dispomos de um novo modelo para colocar no lugar do antigo.

Pior, talvez, do que insistir em um modelo inadequado é não ter modelo algum. O Brasil é um país de industrialização atrasada que não pode se dar ao luxo de reduzir o Estado às funções preconizadas pela teoria clássica. Logo, há a necessidade de, no mínimo, uma orientação do governo na vida econômica do País.

O modelo “mercado fechado permitindo a industrialização via substituição de importações” tirou efetivamente o Brasil do atraso total e construiu um parque industrial razoável. Os defeitos a ele associados porém são bem conhecidos: empresários avessos a risco e competição, concentração de renda, governo intervencionista, regulamentador, paternalista e de natureza ditatorial e uma falsa sensação de que o País está quase lá no Primeiro Mundo.

O modelo, entretanto, esgotou-se. O que tivemos para substituí-lo? Nada. Nenhum presidente jamais teve uma visão de futuro e se propôs a estruturar uma estratégia coerente e consistente para fazer o País retomar a rota do desenvolvimento. Mesmo Collor, cujo discurso insistia em palavras de ordem como “modernidade”, não avançou mais do que tímidas medidas isoladas, como o início da privatização e a abertura do País às importações. Porque únicas e não integradas a uma estratégia global, estas medidas surtiram efeitos limitados quando não foram, francamente, prejudiciais à saúde da economia.

Largado ao Deus dará o País não consegue encontrar seu caminho e ficamos todos – empresários, políticos, trabalhadores de demais membros da sociedade – a dar braçadas em alto-mar, cada um em busca de sua própria salvação.

O Brasil precisa de um “Plano Estratégico”, em essência semelhante àquele que empresas privadas fazem rotineiramente. Um plano que determine os objetivos finais a serem atingidos e os meios que serão empregados para tal. Um plano que mostre a todos os que aqui vivem o caminho que será percorrido para que aquele elemento inconsciente chamado patriotismo exerça positivamente a sua influência nas decisões individuais da mesma forma como nas empresas se busca fazer com que os empregados “vistam a camisa”. Um plano acima de governos, governantes e legisladores e seus interesses mesquinhos. Um plano para o País e não para as pessoas.

Um plano estratégico para o Brasil precisaria partir de uma base sólida de conhecimentos sobre nossos pontos fortes e fracos bem como os pontos fortes e fraca da concorrência – conceitualmente os demais países em semelhante estágio de desenvolvimento. Esta base de conhecimentos existe. Qualquer um de nós sabe da incrível fragilidade dos nossos sistemas de ensino e saúde bem como dos parcos investimentos em tecnologia, áreas que devem ser urgentemente reforçadas. Também notórias são nossas riquezas minerais, oceânicas e agrícolas e a virtuosa capacidade do brasileiro em improvisar, apenas para citar alguns exemplos do que temos de positivo. E quem não está a par dos avanços dos países do Oriente e de outros não tão distantes como o Chile e o México?

O passo seguinte é o de entender o “ambiente” em que estamos imersos e suas tendências: mercados significativamente mais abertos, trocas comerciais crescentes entre nações, integração regional, fluxos de tecnologia e capital cada vez mais intensos, etc. Temos de procurar respostas para algumas questões fundamentais: quem somos nós no mundo hoje? Que espaço podemos realisticamente almejar? O que está acessível (capitais, mercados, tecnologia)?

Chegamos, então, a um ponto crucial: a negociação e definição pela sociedade dos objetivos a serem alcançados e em que período de tempo. Um bom horizonte seria o de uma geração: 20 anos. É preciso definir objetivos econômicos, sociais e tecnológicos factíveis para que o plano tenha credibilidade e aceitação. De nada adianta propostas mirabolantes ou extremamente ambiciosas porque as pessoas não são inocentes, em particular aquelas que tem dinheiro investido em algum negócio.

É preciso, sobretudo, ser consciente de que o Brasil não pode produzir de tudo, a falácia da auto-suficiência. Temos de abrir mão de certas indústrias em que não podemos competir com quem já chegou lá e concentrar todo o esforço naquelas em que não estamos tão atrás e naquelas em que temos potencial.

A etapa seguinte é igualmente crucial, pois implica definir as estratégias nacionais, ou seja, a forma como caminharemos para abandonar a situação atual  e atingir os objetivos pretendidos. Iremos aqui determinar o papel do Estado, seu grau de interferência direta e indireta na vida nacional, a divisão dos investimentos públicos entre a área social e a produtiva, a forma de financiar estes investimentos, a inserção do País na economia mundial, papel da iniciativa privada (tanto brasileira quanto internacional), etc.

Também neste momento de devem ser analisados os pré-requisitos necessários ao atingimento do sucesso. É evidente que está discussão envolve o sistema educacional e os investimentos em tecnologia.

Vem, por fim, a implantação, a transmutação do relatório em realidade. É quando a sociedade irá se reorganizar e reorganizar o Estado, criando formas efetivas de controle da ação dos órgãos legislativos e, principalmente, executivos.

Tal “plano estratégico” é simples de descrever, porém difícil de realizar. Sua elaboração exige um governo com credibilidade, que saiba propor idéias e coordenar o debate com a sociedade e o Congresso. Exige, sobretudo, espírito público dos legisladores e planificadores, uma grandeza moral – vale a pena ressaltar – realmente escassa no País.

Não vejo outra forma de tirar o Brasil do atoleiro se não através de um grande esforço nacional integrado. Medidas de natureza estrutural só fazem sentido se visando facilitar o atingimento de um dado objetivo. Privatizar por privatizar, abrir o mercado às importações porque é “moderno”, redefinir a organização do estado e sua presença na atividade produtiva com base em teorias, etc. São todas decisões órfãs se não balizadas por um ponto de chegada bem claro. É como atirar no escuro. As chances de ser acertar são mínimas, mas a possibilidade de se fazer um belo estrago é grande.

O País hoje está mesmo discutindo os caminhos mas não trata dos objetivos. Nada mais estéril. E, enquanto perdemos nosso tempo criticando o futuro preço do Fusca, Taiwan chega a US$ 20 mil de renda per capita.

Fábio Nogueira é consultor sênior, bacharel e mestre em Economia pela USP, com mestrado em Ciências de Administração nos EUA.

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