PAPER 145: Projeto de País (EU SOU BRASIL!!!)
Tema: Federalismo descentralizado.
“Descentralização é colocar o governo mais perto do povo.”
André Franco Montoro, foi governador do Estado de São Paulo
Em setembro/2000 realizou-se em Brasília uma conferência internacional promovida pela Secretaria Geral da Presidência da República do Brasil e pelo Fórum das Federações do Canadá, sobre o tema FEDERALISMO COOPERATIVO, GLOBALIZAÇÃO E DEMOCRACIA.
O tema da Federação e do Federalismo sempre esteve em pauta nas atividades do Conselho Brasil-Nação. Transcrevemos a seguir trechos de pronunciamento no ato de encerramento da conferência, pelo vice-presidente da República do Brasil, Marco Maciel, já falecido. Ele foi, sem dúvida o político de nosso tempo que mais e melhor tratou desse tema por seus escritos, acompanhado da contribuição do Prof. Dr. Dalmo de Abreu Dallari, em especial seu livro “O Estado Federal, além de muitos juristas constitucionalistas que também ofereceram suas contribuições, em particular os congregados pelo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional. A íntegra do pronunciamento está disponível no “site” www.conselhobrasilnacao.org.
“Desejo elogiar a iniciativa do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, através da Secretaria Geral da Presidência da República, dirigida pelo Ministro Aloysio Nunes Ferreira, com apoio da Assessoria de Relações Federativas do Ministério das Relações Exteriores e do Fórum of Federations do Canadá, de promover este Encontro destinado a examinar uma das questões mais relevantes do quadro institucional brasileiro que é, sem lugar a dúvida, a forma de Estado que praticamos – o Federalismo.” (…)
(…) “Creio que este tema, a partir deste Encontro, terá desdobramentos… …para que possamos, no momento em que comemoramos 500 anos do descobrimento, ter um sistema político que assegure regras claras compatíveis com a nação que estamos construindo. É importante que essas regras deem ao País a desejada estabilidade institucional para que possamos ter elevados níveis de governabilidade e, no plano externo, uma presença mais significativa no novo mundo que se inicia com o século XXI.” (…)
(…) “Sendo assim, a meu ver, o que nos resta, para que sejamos, não a nação do futuro, mas uma nação que possamos, por ocasião dos 500 anos, celebrar como uma nação que ao final consegue realizar aquilo que sonharam nossos predecessores, o que nos falta, talvez, seja resolver, na minha opinião, a questão institucional brasileira. Este é, a meu ver, o grande desafio do país nestes novos tempos. Pois o grande debate que nos diz respeito de forma muito direta é a questão da governabilidade, a qual passa, obviamente, pelo aperfeiçoamento institucional brasileiro.
É lógico que aí surgem algumas questões agudas. A primeira delas, certamente, é como sairmos de uma democracia que eu chamaria de procedimentos para uma democracia de decisão? Isto é, como criarmos condições para que asseguremos efetividade do sistema político, que deve estar em sincronia com os sentimentos da sociedade? E aí, a primeira questão que se põe, dentro deste debate institucional, como realmente não poderia deixar de ser, é a questão do sistema político strictu sensu, isto é, o subsistema eleitoral e o subsistema partidário – subsistemas que precisam guardar coesão e compatibilidade.
Um grande pensador disse, certa feita, que um sistema político deve se caracterizar pela coesão e covariação. Isto é, na medida em que o sistema varia, é necessário que as duas peças do sistema variem. Então, se nós queremos ter no país, como desejamos, governabilidade, precisamos constituir partidos políticos vertebrados.
Há algum tempo, Tocqueville disse que os partidos políticos eram um mal necessário para o governo nas sociedades livres. Quer dizer, nós não podemos pensar uma sociedade democrática que não seja uma sociedade caracterizada pelo Estado partidário.
Então, voltando a esta questão, eu diria que para vertebrarmos os partidos políticos, precisamos fazer uma mudança no sistema eleitoral brasileiro, que tem muito a ver com a questão da representação e, de modo particular, ainda mais, com o modelo que nós adotamos para prover as cadeiras nas casas legislativas. Porque o sistema que praticamos, que é o chamado sistema proporcional por legendas abertas, é um sistema que nós, de alguma forma transplantamos da Itália, na década de 30 – se assim posso dizer, do século passado – e que a Itália já não pratica mais e que não conduz à formação de verdadeiros partidos políticos, porque vincula o eleitor ao candidato e não ao partido; quando a relação democrática correta, na minha opinião, é vincular o eleitor ao partido e este ao candidato.
Isto faz com que, consequentemente, o sistema partidário brasileiro padeça de uma debilidade congênita e, consequentemente, isso crie condições que dificultam aquilo que hoje nós chamaríamos de “governabilidade”, ou seja, a capacidade que tem um sistema político de fazer com que o resultado das urnas, de alguma forma, se converta em ação de governo; em outras palavras, fazer com que haja, como acontece nas chamadas democracias maduras, uma desejada consistência entre causa e efeito.” (…)
(…) “E, neste sentido, eu vou mais além: na minha opinião, isso também tem muito a ver com a forma de Estado que temos em nosso país. Daí a questão federativa, porque… …certamente, esse foi um tema recorrente, mas é bom lembrar que nós, durante todo o Império, fomos um Estado unitário com forte nível de centralização, em um país de dimensões quase continentais, que era caracterizado por uma forte centralização a nível político e administrativo.” (…)
(…) “Então, quando veio a Proclamação da República, nós éramos um Estado unitário, e aí se fez, até por influência do modelo norte-americano – pois até então nós éramos Estados Unidos do Brasil –, a primeira Constituição Republicana, que, aliás, era uma Constituição muito boa, concisa, com apenas 91 artigos, em contraposição a esta nossa, extremamente analítica e detalhista. Mas, de qualquer forma, na primeira Constituição republicana nós nos convertemos em República Federativa. Quer dizer, no Brasil não havia uma prática federativa que, por exemplo, caracterizou os Estados Unidos, mas que, ao mesmo tempo, nós poderíamos aplicar à Alemanha ou à Suíça.
Então, o que acontece até que nós nascemos, nos tornamos, federação por uma mera emanação legal. Não havia uma consciência da descentralização e não havia, portanto, um nível de autonomia das províncias que, naturalmente pudesse caracterizar o país como um Estado composto, como Estado Federal.
É lógico que alguns defensores da continuidade da monarquia – nesse sentido, eu posso citar, por exemplo, um conterrâneo meu: Joaquim Nabuco – entendiam que era o momento de se pensar nessa descentralização. Daí por que ele defendia, inclusive, uma monarquia federalista, se assim posso dizer. Mas nascemos, portanto, federação, por uma mera cópia do modelo norte-americano – república federativa presidencialista. E importamos do modelo norte-americano outras instituições que, de alguma forma, se incorporaram ao constitucionalismo brasileiro. E, para falar em uma outra instituição pública, no caso, nós poderíamos citar o sistema bicameral, já que este sistema que nós adotamos hoje é o modelo norte-americano, diferentemente do que praticávamos no Império, quando os senadores eram vitalícios ou recrutados por outros processos.
Então, a questão federativa, a meu ver – eu não vou me alongar neste tema porque este é um tema já cantado em prosa e verso –, não pode ser deixada de lado, de modo que eu fico muito satisfeito que isso esteja sendo resgatado aqui, nesta conferência, no momento em que nós discutimos o aperfeiçoamento institucional do país.
Gostaria de avançar nesse desenho de reformas institucionais, no sentido de que penso que, dele, nós não podemos excluir uma outra questão muito relevante, que é a própria República, ou seja, que nós discutamos as instituições republicanas de modo mais geral.
É bom lembrar que, desde a primeira Carta de 1891, e nas Cartas sucessivas, sempre se admitiu que a federação e a república eram instituições irreformáveis. Os textos constitucionais diziam, mais ou menos, “que não serão admitidas emendas tendentes a abolir a federação e a república”. É lógico que há a exceção da Carta de 37, que chegou, inclusive, a negar a federação e a queimar as bandeiras dos estados. E é lógico que a Constituição de 1988, também, por uma outra razão que podemos ver mais tarde, não considerou a república uma instituição irreformável, porque admitiu fazer um plebiscito – que aconteceu cinco anos depois – para discutir a forma de governo – se república ou monarquia – e o sistema de governo – se presidencialismo ou parlamentarismo.
Mas, a meu ver, nós não podemos, do conjunto das reformas políticas, deixar de colocar a questão republicana. E, até repetindo uma frase que era muito comum se ouvir no começo do século, no sentido de que é necessário que se faça um esforço para “republicanizar a república”. Quer dizer, tentar restaurar valores republicanos que, de alguma forma, nos vieram há cerca de 2000 anos – da Grécia e, sobretudo, de Roma. Nesse sentido, nós poderíamos, por exemplo, lembrar aquele conceito expresso em Cícero – mas em tantos outros também – relativo a res publica por oposição a res privada. Quer dizer, trata-se de restaurar valores republicanos, os quais considero importantes na quadra em que nós vivemos.” (…)
(…) “…Mesmo porque essas questões passam em meridianos distintos das questões econômicas e sociais e são extremamente importantes para que nós possamos melhorar o nosso nível de desempenho das instituições públicas e também são muito importantes para que nós possamos melhorar – por que não ressaltar isso? – o desempenho da economia e a questão social brasileira.
Enfim, é um esforço em definir regras – novas regras, regras caracterizadas pela estabilidade. E isso também terá, a meu ver – posso estar equivocado –, uma boa percepção externa, porque essa questão da governabilidade é, naturalmente, muito observada em todo o mundo. Por fim, penso que está na hora de definirmos, adequadamente essas regras do jogo.” (…)
Cabe acrescentar ao brilhante texto acima outros escritos de Marco Maciel divulgados pelo Estadão e disponíveis no “site” www.conselhobrasilnacao.org: “Revisão e Pacto Federativo” em 21/11/1993 e “O equilíbrio da Federação” em 16/01/1993.
Nesse sentido assim se expressou o Prof. Dr. Dalmo de Abreu Dallari, já falecido, que foi professor na Faculdade de Direito a USP, em seu livro “O Estado Federal”, p.66:
“A organização federativa do Estado é incompatível com a ditadura. Isso tem ficado muito evidente através da História, não havendo exemplo de convivência de ambas. Onde havia federalismo e se instalou uma ditadura ocorreu a concentração do poder político. E mesmo que mantida formalmente a federação, a realidade passou a ser um Estado Unitário, com governo centralizado. São exemplos disso a Alemanha com a ascensão de Hitler, o Brasil com a ditadura Vargas e na Argentina de Perón. Federalismo e ditadura são incompatíveis.
A partir desse dado, quase todos os teóricos que trataram do federalismo concluíram que ele é garantia de democracia. Entre os mais modernos teóricos do Estado Federal há inúmeros defensores dessa conclusão, procurando demonstrar que existe uma correlação necessária entre federalismo e democracia, chegando à conclusão de que basta adotar a forma federativa de organização do Estado para que se estabeleça a garantia de que a sociedade será democrática. Essa é uma questão de grande relevância, sendo importante conhecer a linha de argumentação em que se apoia tal conclusão, para se poder avaliar o real alcance político do federalismo.”
As propostas em andamento no Congresso Nacional, PEC 45 e PEC 110, são perda de tempo de pessoas (congressistas) de custo elevado para o Brasil e elevada probabilidade de decisão política equivocada. De fato, já temos atualmente uma estrutura administrativa e política altamente centralizada, em que dos recursos tributários 54% destinam-se à União, 29% aos 26 Estados e ao Distrito Federal e 17% destinam-se aos 5.570 municípios, que determina o atual desequilíbrio da Federação, evidenciado no texto de Marco Maciel citado acima.
A aprovação de tais propostas resultará em mais centralização, talvez total centralização, com a unificação dos tributos dos entes federativos subnacionais na União, ou seja, 100% dos tributos, em prejuízo da democracia, da iniciativa participativa dos dirigentes dos Entes Federativos subnacionais, do apoio a empreendedores em seus territórios para geração de receitas tributárias, do desenvolvimento da cidadania, e de outros erros, como a maior disfunção dos Entes Federativos que compõem a Federação brasileira.
É oportuno observar a origem do chamado sistema de voto proporcional, ainda em vigência no Brasil , apresentado no texto acima, transplantado da Itália na década de 1930, e não mais em prática lá. O sistema praticado nos países de democracia desenvolvida é o do voto distrital puro conjugado com o instituto do “recall”. O texto do então vice-presidente da República estabelece as bases nas quais deve-se edificar a Democracia brasileira, para a promoção do Desenvolvimento Econômico e Social, e muito tem a ver com a estrutura de Estado Federal, o Federalismo descentralizado.
CONCLUSÃO
Os conceitos apresentados nos trechos dos textos do ex-vice presidente Marco Maciel e do prof. Dallari buscam maior produtividade das ações políticas, para o Desenvolvimento Econômico e para o progresso social no regime democrático, e Estado de Direito. A democracia requer, para bom desempenho da cidadania, formação do cidadão (conhecimento teórico e prática democrática), pois é fazendo democracia que se aprende democracia. É a maior escola de política.
(…) “..ter um sistema político que assegure regras claras compatíveis com a nação que estamos construindo. É importante que essas regras deem ao País a desejada estabilidade institucional para que possamos ter elevados níveis de governabilidade e, no plano externo, uma presença mais significativa no novo mundo que se inicia com o século XXI.” (…)
O Brasil, no estágio em que se encontra, de população grande, território continental, desigualdades regionais de riquezas naturais e sociológicas, que se pretende democrático, deve aperfeiçoar e completar a Estrutura de Estado Federal ou Federalismo, para maior garantia de que, na democracia e no Estado de Direito, ações políticas resultantes das urnas e do conjunto dos Entes Federativos que integram o Pacto Federativo cheguem ao cidadão com eficácia e eficiência. Visto que o cidadão, integrante de instituições públicas e privadas ou individualmente, deve ser o agente promotor e, ao mesmo tempo, beneficiário do Desenvolvimento Econômico.
A boa administração do País não pode prescindir de uma adequada e oportuna Reforma do Judiciário, visando a maior segurança e eficácia da aplicação das regras institucionais, estabelecidas, mormente no ambiente digital em vigência, dado o rigor com que as ferramentas processam os procedimentos e as decisões.
O progresso material destinado ao bem-estar social, em regime democrático, deve provir de formulações e práticas coletivas, que o Federalismo possibilita, cercadas de inteligentes e sensatas definições doutrinárias das competências constitucionais, para melhor caracterizar os entes federativos que compõem o Pacto Federativo; a partir deste, que expressa a estrutura administrativa do País, é que se estabelecem os recursos tributários. Portanto, não faz sentido Reforma Tributária sem a precedência da Reforma Administrativa com novo Pacto Federativo, que defina o Federalismo descentralizado.
Uma Reforma Administrativa restrita tão somente à mera regulamentação ou revisão (RH) do regime de trabalho dos servidores públicos, não elimina o impedimento atual da estruturação de um País economicamente sólido, socialmente justo e politicamente organizado. Até porque é melhor e mais eficiente que cada ente federativo se desincumba dessas decisões.
O Brasil precisa de uma Reforma Administrativa mais completa, que determine nova regulamentação institucional dos poderes e obrigações de cada um dos entes federativos, com a descentralização das competências e responsabilidades federativas, inclusive quanto à melhor e mais justa distribuição das receitas tributárias e atribuições governamentais, que contemplem a diversidade de recursos naturais e produtivos (agronegócio, indústria e serviços) e a condição sociológica atual.
Conseguido novo modelo de federalismo descentralizado, estará finalmente aplicada a lição de André Franco Montoro, ex-governador do Estado de São Paulo, qual seja, “colocar o governo mais perto do povo”.
A democracia fundada no Estado de Direito e na cidadania não é uma estação de chegada, mas uma maneira de viajar, visando ao desenvolvimento econômico, político, cultural e social para tornar o Brasil a melhor nação do mundo para se viver bem.
Personalidades autoras de artigos e citações neste documento:
. Adolf Hitler, político, líder do partido nazista, ditador da Alemanha
. Alexis de Tocqueville, pensador político, historiador e escritor francês
. Aloysio Nunes Ferreira, advogado, político, ex-vice-governador de São Paulo, ex-ministro da Justiça e das Relações Exteriores
. André Franco Montoro, jurista , político, ex-governador de São Paulo
. Dalmo de Abreu Dallari, professor universitário, jurista, ex-diretor da Faculdade de Direito da USP
. Fernando Henrique Cardoso, professor, sociólogo, cientista político, escritor, político, ex-presidente do Brasil
. Getúlio Vargas, advogado, político, ex-presidente do Brasil
. Joaquim Nabuco, político, diplomata, historiador, jurista, jornalista
. Juan Domingo Peron, militar, político, ex-presidente da Argentina
. Marco Antônio de Oliveira Maciel, professor, advogado, político, ex-ministro da Educação e da Casa Civil, ex-vice-presidente do Brasil
. Marco Túlio Cicero, advogado, político, escritor, filósofo da Roma Antiga