PAPER 147: Projeto de País (EU SOU BRASIL!!!)
Tema: “Crises fazem grandes líderes, construtores de suas nações… Mas não no Brasil.”
“A inteligência superior de Paulo Brossard costumava dizer que nem políticos nem partidos são feitos com improvisação.”
Sebastião Ventura P. P. Júnior, advogado e professor da UFRGS (Estadão, 29/09/2022, p.A6)
Um dos temas recorrentes discutidos em nossos PAPERs, tem sido os partidos políticos no Brasil, pelo simples fato de que a eleição para o exercício de mandato em cargos públicos eletivos depende dos partidos. Não adianta reclamar e criticar a qualidade dos políticos eleitos nas últimas seis décadas no Brasil (não é pouco!), visto que isso decorre da inexistência de partidos políticos fortes, consistentes e organizados de forma programática; os partidos são, para o bem ou para o mal, as mais importantes das instituições num país que se propõe ser democrático. Até mesmo a qualidade da Constituição de um país decorre da estatura dos políticos dos partidos.
Uma preocupação ainda mais relevante é quando cidadãos bem preparados, mesmo não exercendo cargos públicos, opinam no sentido de que uma nova Constituição poderá ser pior do que a atual; da mesma forma é inaceitável o que dizem políticos expressivos, a respeito da qualidade do Congresso Nacional: “aguarde, o próximo Congresso deverá ser pior!”, ao invés de tomar alguma providência.
Nossa postura histórica a respeito da atual Constituição não critica seu conteúdo no que se refere à garantia dos direitos fundamentais e do estrito respeito às leis e ao cumprimento dos deveres e obrigações do cidadão brasileiro, mas constata que desde outubro de 1988 foi afastado da pauta nacional o Desenvolvimento Econômico do País.
Com efeito, os constituintes de 1988 buscaram atender e socorrer os menos favorecidos, que são multidões de pobres desamparados, o que traduz uma louvável atenção sob o ponto de vista social; não atentaram, contudo, de criar dispositivos constitucionais com o objetivo de produzir bens, serviços, riqueza, renda, de gerar empregos e aumentar a arrecadação tributária, de criar um mercado consumidor interno forte, de que carece a Indústria brasileira e é causa de seu declínio. Aumentar o PIB nacional, é que irá proporcionar realmente o desenvolvimento econômico com decorrente reflexo na condição social da população brasileira.
Algo precisa ser feito urgentemente, a começar pelo aperfeiçoamento do arcabouço constitucional de nossa Carta Magna, documento do qual tudo depende para o funcionamento de todas as instituições (públicas e privadas), para o convívio social, para a melhoria do desempenho dos Poderes da República, principalmente do Judiciário, da gestão da coisa pública, para aumentar a produção de riquezas e o nível de emprego quantitativo e qualitativo da condição laboral, em geral.
O texto a seguir é da autoria do professor universitário Dr. Francisco Ferraz, ex-reitor da UFRGS, que contribui também para a CONCLUSÃO deste PAPER.
“Enquanto dormia Gulliver foi amarrado…
Crises fazem grandes líderes, construtores de suas nações… Mas não no Brasil
“Depois do naufrágio, Gulliver com muito esforço consegue chegar à praia. Atira-se ao chão e adormece profundamente.
Ao acordar não consegue se mover. Estava amarrado ao chão dos pés à cabeça, inclusive pelos cabelos”
‘Viagens de Gulliver’, Jonathan Swift, 1726
Mais recentemente, quando penso no Brasil vejo a imagem de Gulliver amarrado ao chão. Somos neste 2018 um Gulliver atado. Enquanto dormíamos o tempo passou e com ele, as oportunidades. Embora gigante, não conseguimos nos livrar das amarras com que os habitantes de Liliput – homenzinhos de uns 15 cm de altura – nos prenderam.
Por que não conseguimos nos livrar das amarras? Porque nós mesmos, na inconsequência de quem acha que sempre haverá tempo, nos entregamos a uma política sem grandeza que nos levou à paralisia. Amarrados a uma crise de natureza social, política, econômica e cultural, desativamos as defesas com que podíamos vencer a crise.
Crises são desafios que devem convocar o melhor que temos para enfrentá-las. São oportunidades que fazem surgir líderes com lucidez, coragem, persistência e visão. Infelizmente, precisamos buscar esses líderes na História e em outras nações. São indivíduos que, como Lincoln, Gandhi, Churchill, De Gaulle, Roosevelt, estiveram à altura do momento em que lideravam seus povos. Crises fazem grandes líderes, alguns até mesmo construtores de suas nações… Mas não no Brasil.
Não podemos usar a crise como alavanca para o avanço por que não podemos contar com nossas instituições políticas: os três Poderes estão amarrados como Gulliver.
Senadores e deputados, o Executivo e seus ministérios perderam as condições para resolver a crise. Preocupam-se com os processos em que estão envolvidos e na reeleição. Protelam decidir matérias de gravidade como a Previdência. Não bastasse, o STF, pelos conflitos pessoais e políticos que abriga, se autobloqueia.
Como superar uma crise dessa gravidade se vivemos uma batalha surda em que grande parte dos valores indispensáveis à convivência social e a uma cultura política democrática são desprezados e contestados, dividindo a Nação em blocos antagônicos?
Nossa política foi penetrada por práticas e princípios que se opõem abertamente aos valores centrais de qualquer democracia. Nossa política deixou em segundo plano a discussão sobre políticas públicas para discutir a própria organização da sociedade. Abriram-se então as comportas para que todos os valores que regulam a vida social entrassem em questionamento: família, religião propriedade, crime, liberdade de imprensa, mercado, competição, democracia representativa, livre-iniciativa, educação, liberdade de imprensa, responsabilidade individual, mérito.
Pratica-se aberta e ostensivamente uma política em que as ideologias penetram todas as esferas da vida como uma nova ética; em que as relações pessoais e familiares são inferiores em importância às relações fundadas na ideologia; em que todo aliado é virtuoso e bem-intencionado e todo adversário é mal-intencionado e criminoso; em que se nega a existência de princípios absolutos na moral e na religião; em que se confunde educação e doutrinamento; e na qual o objetivo buscado legitima qualquer ato que contribua para atingi-lo.
Não são poucos os que argumentam que toda disciplina é odiosa; toda autoridade legal é ilegítima; que a liberdade verdadeira só existe quando há igualdade absoluta; que a responsabilidade é um conceito perigoso porque provoca desigualdades e individualiza situações que deveriam ser coletivas; que toda diferença social é uma exploração; que o mérito é um critério pernicioso por provocar a discriminação e a desigualdade; que todo delinquente é vítima; que a verdade e todas as demais virtudes são relativas.
Já se diz entre nós que obedecer e fazer obedecer à lei e punir criminosos faz mal à economia do País; que, dependendo de quem é acusado, a culpa é absolvida pela intenção; em que “se eu fiz, mas tu também fizeste” estamos iguais, nenhum pode acusar o outro e eu estou inocentado.
Já se pratica uma política em que a lei vigente poderá ser respeitada sempre que for politicamente conveniente, caso contrário ela deverá ser assediada e contestada continuadamente para desgastá-la e derrogá-la na prática. Neste contexto, a qualidade da discussão política cai dramaticamente: o grito equipara-se ao argumento, a coerência é substituída pela desfaçatez, a ousadia afasta a prudência; a mentira se impõe como verdade; a publicidade se encarrega da persuasão.
Esta listagem nem se tornou ainda universal em nossa cultura política, nem esgota as linhas de conflito nessa batalha política pelos corações e mentes dos brasileiros. Vivemos, se me é permitida a ousadia de afirmar, uma “situação constituinte”, por via da qual normas são derrogadas e caem em desuso pelas manifestações de rua e pela ousadia dos atrevidos, perante as quais os Poderes se submetem pelo silêncio.
Esta listagem, embora reduzida, dá uma ideia do quanto nós avançamos na destruição dos fundamentos de uma sociedade democrática, próspera e civilizada. Ela nos alerta para o quanto já foi perdido e será necessário recuperar.
O fato é que muitas de nossas escolhas foram erradas e, quando não erradas, fracas; nossas decisões sempre evitam o custo político das ações; nossa percepção do tempo é singular: vivemos um presente fugaz, mas sem sacrifícios; para trás está o território das heranças malditas e para a frente, o futuro que certamente será glorioso, ainda que nada façamos para realizá-lo. No tempo presente nossa convicção mais profunda é de que o Estado sempre terá recursos para bancar a despesa pública; a tarefa do governo, então, é distribuir, não estimular a produção, e quando faltar aumenta-se a despesa e se compensa tirando a gordura dos que têm mais.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 16 de maio de 2018, por *Francisco Ferraz.
*PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA E EX-REITOR DA UFRGS, É CRIADOR E DIRETOR DO SITE WWW.MUNDODAPOLITICA.COM.BR”
CONCLUSÃO
O conteúdo do artigo do Professor Francisco Ferraz de 16/05/2018, que continua válido, desafia a mente lúcida dos brasileiros esclarecidos, preocupados com o futuro do País, porque revela a existência de uma estranha ética, mas tem suas causas, que domina o cenário político nacional.
Prevalece no meio político o entendimento de que a conquista do objetivo (o poder), justifica o uso de qualquer meio, por mais imoral, condenável, ilegal, fraudulento e desonesto que seja (os fins justificam os meios).
O autor desnuda corajosamente a falta de princípios morais salutares que vem corrompendo a saúde da nação brasileira, consagrando a idéia de que a responsabilidade é um conceito perigoso porque provoca desigualdade, que toda diferença social representa uma exploração do homem pelo homem, que um trabalho bem feito não deve ser valorizado porque provoca a discriminação, que todo delinquente é uma vítima da sociedade e que punir os criminosos faz mal à economia do país !
O Brasil precisa de uma geração de políticos capazes e competentes, filiados a partidos dignos do nome, “para encaminhar o Brasil para condições mínimas e básicas de sobrevivência civilizada como país livre, independente, soberano, democrático e desenvolvido”; que vise nova estrutura institucional de uma República realmente federativa, com melhor distribuição das competências e responsabilidades e que comtemple adequados recursos tributários para os entes federativos nacionais, União, Estados e Municípios, fortalecendo os Municípios onde acontece a formação do cidadão, nos moldes preconizados em nosso anteprojeto de Constituição apresentado em 1993 ao Congresso Nacional (ver PAPER 35 de 15/01/2019 e PAPER 40 de 11/03/2019).
A democracia fundada no Estado de Direito e na cidadania não é uma estação de chegada, mas uma maneira de viajar, visando ao desenvolvimento econômico, político, cultural e social para tornar o Brasil a melhor nação do mundo para se viver bem.