PAPER 153: Projeto de País (EU SOU BRASIL!!!)
Tema: “INDÚSTRIA”
“Qualquer burro pode derrubar um celeiro, mas só um carpinteiro pode reconstruí-lo”.
Jean-Paul Sartre (1905-1980) filósofo francês
Todas as mídias ocupam-se rotineira e permanentemente de temas sensacionalistas. O que se pretende abordar é a denominada “desindustrialização precoce”, ou talvez, “a queda sem ter atingido o apogeu.” É compreensível que, em se tratando de empreendimentos empresariais, também a mídia precisa de vendas. Vendas são boia salva-vidas de qualquer empreendimento, no caso a mídia também.
No entanto, pode haver outra direção calcada em objetivo de interesse nacional, desvinculada de agendas particulares dos governos e específicas dos empresários, sem ser preciso “reinventar a roda”, operando com rigor doutrinário as instituições existentes; o que dispensa, por exemplo Lei de Responsabilidade Fiscal, Arcabouço Fiscal, e outros.
Foco não tem sido, historicamente – com raras e honrosas exceções – o ponto forte da alta administração do País, que precisa de sistema produtivo competitivo e potente, pois são os impostos que suportam as finanças públicas. Impostos são oriundos de iniciativa empreendedora, que por sua vez precisa de um mercado consumidor com forte poder aquisitivo, além de recursos humanos habilitados em know-how e desempenho (tecnologias), crédito adequado, em um ambiente de economia sólida decorrente de estabilidade política e institucional, e que se disponha a correr riscos. Tratar o todo é preciso; medidas pontuais e parciais são ineficazes, improdutivas e muitas vezes impróprias.
O País precisa de um Plano Econômico Estratégico, que estruture ações para a competição na geopolítica. Infelizmente, no rastro da pós-pandemia, o governo não soube valer-se das oportunidades que México, Índia, Vietnã e Indonésia souberam aproveitar . De fato, não percebidas pela diplomacia brasileira, que deve responder pelas oportunidades e pelos interesses comerciais nacionais do Brasil. Não bastam boas relações internacionais; o Brasil tem obrigações prioritárias visando a eliminação da POBREZA material da população e o seu desenvolvimento cultural, político e econômico, em síntese precisa construir seu mercado interno potente.
A atuação da mídia tem sido focar no que é desastroso (no vício), não no progresso (na virtude), quando deveria ser grande aliada do governo em atuação mobilizadora, objetiva e eficaz, dos fatores construtivos, em outros termos “deixar a arquibancada e vir para o jogo”. Deveria ser isenta de interesses nas avaliações, comprometida com o desenvolvimento do País, pois as próprias Entidades de representação dos industriais acabam sendo influenciadas por ela, a incorrer no mesmo foco equivocado (no vício que é nocivo e não na virtude que é construtivo).
A propósito, o Estadão de 26/07/2023 p.B1 e B2, publicou, respectivamente, “Indústria usa máquina velha, diz CNI” e “Confederação (CNI) diz que máquina antiga reduz produtividade e aumenta custos”. Qual o propósito da mídia e da Entidade que deveria exercer a representação dos industriais? Tais espaços no jornal, dedicados à divulgação da pesquisa da CNI, constituem desperdício de tempo e energia, pois deveriam trazer soluções em resposta ao problema detectado, objetivando remoção de suas causas, ao invés de contentar-se em denunciar apenas.
“Nesse novo cenário que se desenha para os próximos anos, o Brasil, porém, não é visto como um dos principais beneficiados, mas, ainda assim, terá oportunidades. O País tem a seu favor uma base industrial e uma economia de escala, mas problemas já conhecidos, como alta carga tributária e deficiências em infraestrutura, impedem um ganho maior.” (Estadão 31/07/2023 p.B1, sob o título “Índia e México surgem como potências”).
Já afirmamos anteriormente neste espaço, que o maior atraso do País é não estar fazendo o que deve ser feito agora; que os empresários, juntamente com o governo, estão esperando que lhes “caiam no colo” as soluções para o fortalecimento e a dinamização da Indústria !? A situação atual coincide com a visão de Oswaldo Aranha (1947): “O Brasil, se quiser sobreviver, não poderá cruzar os braços, indolente e resignado, esperando dos céus aquilo que não sabe criar em suas próprias terras.” A Indústria estagnada significa industriais e governos acomodados, sem ambição, sem comprometimento com a Nação.
O governo e os industriais pretendem convencer a sociedade de que não há solução para a Indústria brasileira? Esqueceram-se de que o diversificado parque industrial brasileiro atualmente instalado é resultado, principalmente, de investimentos realizados por gerações de brasileiros ao longo do século XX, e que é inaceitável vê-lo sucateado por inércia e/ou inépcia dos atuais dirigentes públicos e privados?
E para que, então, tantas faculdades de Engenharia instaladas no País, se não há e, provavelmente, não haverá ocupação para tais profissionais na atual perspectiva? E também para os de outras profissões como economia, administração, bem como nas ciências humanas e no Direito? (o Brasil tem 69 universidades públicas federais e, no total, 250 entre públicas e privadas).
A aplicação desse recurso para a educação superior, no Brasil, deixou de ser investimento e passou a ser custeio, visto que o dispêndio não gera retorno – o País pode se dar o luxo de tal desperdício? Há um ditado: “dinheiro não aguenta desaforo.”
É moda enaltecer o Agronegócio. Todos devem aplaudir, porém não se poderá esquecer que a atual realidade do Agronegócio resulta de investimentos iniciados há 60 anos, por iniciativa de governo e empreendedores privados, em que houve sacrifícios, investimentos e visão. Assim como, não deve ser ignorado que o financiamento para o Plano Safra (Agronegócio) 2023/2024 terá R$ 436 bi (Estadão 28/07/2023 p.D4). Qual é o fomento industrial em Reais para mesmo período? E querem apenas “dedurar” a desindustrialização precoce!
O Estadão de 22/07/2023 p.B4 divulgou: “Recuperação judicial tem alta de 52% no 1º semestre no País” , noticiando que as sete maiores empresas endividadas somam débitos de mais de R$ 100 bi, num total de 593 empresas, e com 546 falências, sendo serviços (220), indústria (172) e comércio (150); micro e pequenas empresas (303), médias empresas (129) e grandes empresas (114). Estamos perdendo combatentes que estão na “linha de frente” do Desenvolvimento Econômico!
Os líderes do País estão atentos para tal situação? O que pretendem fazer?
Apenas divulgar tais informações, sem um plano de ação, com propósito claro para a sociedade, e correspondente empenho de competências públicas e privadas, serve apenas para piorar ainda mais a situação.
Em 31/10/2016, em plena crise econômica decorrente de crise política, o Conselho Brasil-Nação se pronunciou pelo MANIFESTO 3 – sob o título “Exaltação ao bom senso para superar a crise”, apresentando sugestões de providências, sendo que a maioria delas independia de decisões do Congresso Nacional. Não houve providências dos executivos dos entes federativos que significassem êxito no combate à crise econômica; foram eliminados do mercado milhares de empresas e empresários que não se formam “da noite para o dia”, e, em consequência, milhões de empregos, além de queda de arrecadação de impostos, com queda do PIB no percentual estimado de 8% , em 2015 e 2016.
Problema não resolvido, “empurrado para debaixo do tapete”, só aumenta.
O mencionado manifesto propôs apenas uma decisão que dependia de decisão do Congresso Nacional: NOVO PACTO FEDERATIVO, por entender que é o foco a ser atacado para combater o desequilíbrio das finanças públicas, causa fundamental das crises. Constata-se um século de crises desde 1930 (ver PAPER 22 “Custo das crises e seu significado” de 20/07/2018 , que apresenta o custo para governo, sistema produtivo e sociedade no período desde 2014). A justificativa de Novo Pacto Federativo, seguido de Reforma Administrativa e depois Reforma Tributária está exaustivamente apresentada no PAPER 152 de 24/07/2023, com respaldo de estudiosas autoridades no tema.
Transcrevemos trechos do PAPER 22:
(…) “Esta é uma crise longa, mais longa do que as que estávamos acostumados a enfrentar. Longa e profunda, atingindo, em um círculo vicioso, todo o sistema produtivo interno. Frente à grande insegurança causada pelos fatores que citamos acima, as empresas dependentes de um magro mercado interno foram reduzindo sua produção dada a queda de vendas e gerando desemprego e, logicamente, queda de arrecadação tributária. Em função disso, o mercado foi se restringindo ainda mais resultando em inadimplência de contratos, ações judiciais de cobranças e protestos, gerando ambiente de “caça” de empreendedor contra empreendedor, os quais sendo acossados por credores viram a crise aguçar-se ainda mais. Consta que faliram mais de 5 milhões de pequenas e médias empresas e que mais de 4 mil empresas de médio e grande porte, que podem suportar os custos dos processos, estão em recuperação judicial[2]. Outras 5,5 milhões estão inadimplentes (Serasa – Estadão 28/06/2018 pg. B4). É o sacrifício, se não a eliminação da “galinha dos ovos de ouro”.
Diante desse cenário que já dura 4 anos qual foi a ação dos governos para quebrar o círculo vicioso? Quais foram as soluções propostas pelos governos para manter suas arrecadações de impostos proveniente do sistema produtivo atingido pela recessão? O que fizeram os sindicatos patronais e de trabalhadores e as entidades de classe? As parcas ações tomadas não trouxeram – e nem poderiam trazer – qualquer solução ao sistema produtivo. Enfrentando uma situação de fraudes contábeis procedidas pelas empresas Enron e Worldcom no ano de 2001, o governo americano estancou o processo por meio de algumas rápidas prisões de executivos e aprovou pelo Congresso uma legislação severa, a lei Sarbanes-Oxley de 2002 para ser obedecida pelas auditorias. Em 2008 o governo americano endividou-se ainda mais e estabeleceu juros zero, para amparar o seu sistema produtivo e evitar uma possível catástrofe a nível mundial. O tratamento foi eficaz e rápido. Nossa crise desde 2014 não teve ainda tratamento objetivo para sua superação.” (…)
A crise continua a mesma, com seus efeitos, e nada foi realizado desde 2014, para atenuá-la e/ou superá-la , de modo a evitar os danos para a sociedade, que elege e sustenta os detentores do poder.
Onde estão os consultores, as empresas de consultoria brasileiras, não os estrangeiros que são concorrentes, para a elaboração do Plano Econômico Estratégico, em ação conjunta com governos e empreendedores industriais? É a forma eficaz para superar a crise que se perpetua. Resulta que a inércia, a omissão, a inapetência, decidem, ao invés de decisões vindas dos dirigentes.
Para tanto é preciso ter em conta a entrevista, da qual a seguir transcreve-se a pergunta e respectiva resposta, da economista Mariana Mazzucato, professora da University College London, no Estadão de 07/05/2023 p.B2, sob o título “Os governos ficaram viciados em consultorias”:
(…) “Por que escrever sobre as consultorias?
Venho estudando o Estado há anos e percebendo que ele está enfraquecendo. Um dos motivos para isso é a atuação das consultorias. Não estou falando de consultores individuais. Meu foco é a indústria de consultoria, as grandes empresas. Elas não têm interesse em fortalecer governos. Elas precisam de contratos. O modelo de negócios é ir de um contrato para outro. Os governos não perceberam que isso os prejudicava e fazia com que acabassem não investindo em seu pessoal. Eles ficaram viciados em consultorias. Em parte, isso aconteceu por causa do risco. Os governos têm medo de errar. Eles pararam de investir em pessoal e agora precisam da ajuda de terceiros, mas, se esses terceiros não têm interesse em fortalecer o governo, temos um problema. Estou falando da necessidade de investir no serviço público, na capacidade administrativa. Assim como as empresas sabem que precisam investir na capacitação de funcionários, o mesmo deveria acontecer nos governos. Como temos essa falsa visão de que o governo não cria valor, de que é apenas um regulador ou um reparador de falhas do mercado, não haveria justificativa para investir.” (…)
Assim, também, requer atenção para o que pode estar vindo à frente; em particular a autodenominada Reforma Tributária (PEC45), em face da matéria jornalística do Estadão de 28/072023, sob o título “Para Lira, reforma administrativa está pronta para votação”, em que o presidente da Câmara dos Deputados afirma : “Vamos tentar de reforma administrativa, ela está pronta” e “Quando falo de reforma administrativa, é porque, de todas as reformas estruturantes, é a única que falta”. É uma fala de que ninguém está sabendo do que se trata!
Chama a atenção, no Estadão de 27/07/2023 p.A4, artigo do ex-senador José Serra, estudioso das questões de Estado do Brasil, bem como de temas econômicos, sob o título “A sombra da estagnação”, no qual analisa extensamente a situação econômica atual do País, para ao final surpreender, concluindo com o que tem sido foco essencial no Conselho Brasil-Nação desde sua fundação em 1990 – a Reforma do Estado. A seguir transcrita a conclusão:
(…) “É verdade que temos de resolver o problema dos juros, mas para inserirmos de forma positiva nossa economia nas transformações mundiais precisamos reinventar o Estado brasileiro, aos poucos, mas de forma confiante e determinada.”
Sem um Plano Econômico Estratégico a proposta do ex-senador é ainda mais inviável.
CONCLUSÃO
Nos estudos e seminários do Conselho Brasil-Nação é privilegiado o papel da Indústria de transformação e também de outros ramos, num necessário e imprescindível Plano Econômico Estratégico (PAPER 152). Para tanto, mercado é decisivo; com mercado interno magro, é mandatório que seja dada maior porte para a nossa exportação, a fim de possibilitar acesso aos mercados de poder aquisitivo, ampliando o mercado para a indústria brasileira. Esse é o sentido claro da necessária Reforma do Estado, que reduza seu custo, sem prejuízo de seus fins, e do fortalecimento da nossa Indústria para Elevar o Patamar do PIB. Temos muito mercado comprador para nossa Indústria, falta, no entretanto, vendedores – o principal deles é o Ministério do Comércio Exterior e Diplomacia proposto pelo Conselho Brasil-Nação (1 dos 4 ministérios da nova estrutura do Estado).
As decisões que têm sido aprovadas, pelo Congresso Nacional, requerem acompanhamento e vigilância rigorosos pela sociedade, dados os temas e suas consequências, não integrantes de um Plano Estratégico com visão global de País. Isto por que, dado o fato da alta centralização política, e por conseguinte da administrativa e de finanças públicas na União, com tendências a se agravar a ponto de ameaçar a democracia e existência da Federação, afetam ainda mais a precária cidadania. Este é o fator, que tem sido enfatizado como sendo a principal causa do maior atraso do País, pois em virtude do medíocre nível de lideranças, esse problema representado pela alta centralização política, administrativa e financeira não está sendo tratado, e que deveria ser feito agora. Sem a participação ativa e protagonista da sociedade, governos ficam caros, ineficazes e ineficientes, provocando enfraquecimento da Nação.
A acomodação das pessoas em cargos de poder assusta, visto o aumento do fosso que separa o Brasil dos países com os quais deveria estar competindo. Causa importante desta condição é o governo federal, quase que totalmente voltado para dentro, legar a segundo plano os grandes interesses em oportunidades que se apresentam no cenário internacional, na geopolítica (vendas dos produtos industriais brasileiros).
Não faz sentido ser da alçada federal a gestão, na prática, de quase todas as decisões, que deveriam ser dos níveis regionais (Estado) e locais (Municípios). Exemplos não faltam, como a constitucionalidade do salário de enfermeiro, a decisão de fornecimento de absorvente menstrual a moças de baixa renda, Bolsa Família, Educação básica e profissionalizante, Saúde primária e secundária, Habitação Popular, Assistência Social, Meio Ambiente, Turismo, incumbências que devem ser das autoridades municipais, são elas que devem tratar com as pessoas, a população, por conhecer seus potenciais esuas carências e limitações; da mesma forma, os governos estaduais devem assumir incumbências como Indústria, Ensino Superior, Tecnologia e Ciências, Logística de Transportes e Energia. Da alçada federal: planejar e realizar o desenvolvimento econômico, sob a égide de um Plano Estratégico Nacional, e contando com a capacidade realizadora de ação de todos os Entes Federativos.
É o caminho ensinado por Franco Montoro, Marco Maciel, Aspásia Camargo, e outros pensadores estudiosos.
Fortalece nossa CONCLUSÃO, a transcrição a seguir de trecho do artigo do economista Luís Eduardo Assis, economista, que foi diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP (Estadão 31/07/2023 p.B2), sob o título “Para sair do atoleiro”):
(…) “…o fato é que o Brasil está parado há tempos — quando não recua. Deflagrar um novo ciclo de crescimento exigirá o comprometimento do governo com reformas cruciais.
Mais do que bafejar sinecuras aqui e ali para setores favorecidos, sair do atoleiro requer um grande projeto nacional que recupere as finanças públicas, reconstrua o sistema educacional, garanta o império da lei, estimule o investimento privado sem arbitrariedades e promova a eficiência da máquina estatal através de uma reforma administrativa. Não está claro que o governo de fato queira isso — para alento dos pessimistas.”
A democracia fundada no Estado de Direito e na cidadania não é uma estação de chegada, mas uma maneira de viajar, visando ao desenvolvimento econômico, político, cultural e social para tornar o Brasil a melhor nação do mundo para se viver bem.
Personalidades autoras de artigos e citações neste PAPER:
– Arthur Lira , deputado federal , atual presidente da Câmara dos deputados
– André Franco Montoro, jurista e político, foi governador de São Paulo, senador, deputado federal e ministro do Trabalho
– Aspásia Brasileiro Alcântara de Camargo, professora, acadêmica, socióloga e política
– José Serra, professor, acadêmico, economista e político, foi ministro das Relações Exteriores, da Saúde e do Planejamento
– Luis Eduardo Assis, economista, professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP, foi diretor de Política Monetária do Banco Central
– Marco Antônio de Oliveira Maciel, professor, advogado e político, foi vice-presidente do Brasil, presidente da Câmara dos Deputados, ministro da Educação e da Casa Civil
– Mariana Mazzucato, economista, professora , na University College London
– Oswaldo Euclides de Sousa Aranha, político, diplomata e advogado, foi ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Presidente da Assembleia Geral da ONU