PAPER 110: Projeto de País (EU SOU BRASIL!!!)
Tema: “Um projeto para o País” (1)
“A lei é poderosa; mais poderosa porém é a necessidade.”
Goethe
O Brasil enfrenta neste momento uma situação peculiar e perigosa: dentro de um ano e meio ocorrerão as próximas eleições gerais, para Presidente da República, Governadores dos Estados, Congresso Nacional e Assembléias Legislativas dos Estados Federados.
Em meio à mais severa e grave crise vivenciada pela atual geração, é incompreensível que as atenções se voltem preponderantemente para quem vencerá as próximas eleições para a Presidência da República. O que eleito fará no cargo, considerando a atual estrutura política e administrativa? A Nação brasileira merece e precisa de um Projeto discutido e aceito pela sociedade.
A pandemia é acidental. O País já vem de longe se arrastando na POBREZA, no atraso, na incapacidade de oferecer ocupação laboral para a população e no ilusionismo de uma economia consumista, com um ridículo pequeno mercado interno. É uma equação falida. É inaceitável, mais uma vez, “cruzar os braços” no aguardo de um “salvador da pátria”.
O “locus” das decisões, em regime democrático, se situa no Poder legitimamente constituído. Ocorre no entanto, no Brasil, que os Partidos Políticos, veículos para ascensão ao Poder, demonstram uma inércia injustificável, acomodados com supostas garantias de renda para seus “quadros”, bem como de recursos do contribuinte para financiar as atividades partidárias e eleitorais. Até quando subsistirão essas garantias?
Há 30 anos, desde a época da fundação do Conselho Brasil Nação, vimos defendendo a idéia de que, para preservar o regime democrático, o bem comum e o interesse nacional, é necessário que a sociedade atue de forma segura e objetiva, independentemente do Governo, ou de quem esteja ocupando os cargos públicos.
A situação atual, com paralisação da economia resultando no agravamento da condição social de amplos setores, requer medidas urgentes, que possam atender ao que a sociedade precisa, ao invés da postura nociva de ficar apenas contemplando e esperando por um novo presidente eleito, por um novo “salvador da pátria”.
Precisamos de um Projeto nacional, que controle a atual tormenta e indique o novo rumo a seguir! Este Projeto não deve ser propriedade dos vencedores nas urnas; das urnas emergirá um Presidente eleito, além de outros líderes, eleitos para os demais cargos.
Os eleitos deverão implementar o Projeto que fora debatido previamente no processo eleitoral pela sociedade e consagrado pelo voto popular; é o rumo que atualmente inexiste. Não será incumbência para um presidente “salvador da pátria”, mas para um estadista com liderança política e administrativa reconhecida, comprovada e respeitada pelos dirigentes dos poderes subnacionais, e pela população em geral, para bem dirigir a Nação.
Esse pode ser o caminho para minimizar o risco e o perigo que hoje nos ameaçam, melhorar as condições para um processo decisório que supere as atuais dificuldades, em um momento histórico que coincide com a cabida empolgação pela comemoração do Bicentenário da Independência do Brasil, em 2022.
Esse novo caminho poderá evitar o risco, que já no século I, Sêneca advertia, ao dizer que “se o homem não sabe a que porto se dirigir, nenhum vento lhe será favorável”.
A sociedade deve ter seu Projeto, porque ela é que conhece seus problemas. As discussões desse Projeto é que serão nossas “prévias” eleitorais, para definir o rumo. Como já assegurava o grande Cícero em 500 a.C. “da discussão nasce a luz”.
As eleições cumprirão o papel de escolher os candidatos mais capazes e preparados, para implementar o Projeto, no Poder nacional e nos Poderes subnacionais.
À sociedade cabe estabelecer as condições que assegurem o sucesso da implementação do Projeto pelos Poderes legitimamente constituídos pelo voto popular, evitando-se a repetição do “empurra com a barriga” como ocorreu com as jornadas de 2013.
O Estadão de 28/02/2021 na página A6 trouxe entrevista da ex-senadora Marina Silva, que em determinado ponto afirma “O mais importante é discutir qual é o projeto.” Informou também que em seu grupo de partidos políticos “Há concordância que neste momento temos que adensar um projeto… …que recupere o Brasil para um percurso civilizatório coerente com o que é uma democracia ocidental.” (…) (…) “Agora é o momento de a sociedade assumir o primeiro lugar.” (…)
Desde 06/12/1990, data da fundação do Conselho Brasil-Nação, temos divulgado o Projeto Brasil-Nação, nos fóruns aos quais temos tido acesso, o qual foi levado à Revisão Constitucional de 1993. Sem sucesso, continuamos a pesquisar, estudar, discutir e formular aperfeiçoamentos ao Projeto, que está disponível no “site” www.conselhobrasilnacao.org
Nossas convicções decorrem dos estudos realizados, ouvida as experiências e os conhecimentos dos membros do Conselho Brasil-Nação, mostrando que as transformações a serem processadas requerem decisões de alterações constitucionais e legais, como foi questionado em artigo sob o título “Reformas mais amplas” (“PAPER”89) no Estadão de 07/11/1994 na página B2, pelo eng. Jomázio Avelar:
(…) “A abordagem global, definindo o todo – coerente, harmônico e articulado, num novo texto constitucional federalista –, é viável como tarefa para o Congresso Nacional ou é missão para uma Assembleia Revisora exclusiva?”
Transcrevemos o texto do Editorial da Revista “Problemas Brasileiros” nº 307, Ano XXXI, assinado pelo presidente da FecomércioSP, Sr. Abram Szajman, seguido dos principais trechos da palestra proferida pelo presidente do Conselho Brasil-Nação e divulgada em jan/fev de 1995.
O que é a FecomércioSP? A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomércioSP) é a principal entidade sindical paulista dos setores de comércio e serviços. Responsável por administrar, no Estado, o Serviço Social do Comércio (Sesc) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac); representa um segmento da economia que mobiliza mais de 1,8 milhão de atividades empresariais de todos os portes e congrega 136 sindicatos patronais que respondem por 30% do PIB paulista – cerca de 10% do PIB brasileiro – gerando em torno de 10 milhões de empregos.
Editorial da Revista “Problemas Brasileiros” (em 1995):
“É TEMPO DE REFORMA
Os assuntos principais dessa edição de Problemas Brasileiros referem-se a um tema que está na ordem do dia: reformas. Nestas páginas fala-se da questão tributária, dos problemas políticos-eleitorais e da lentidão e sobrecarga do Judiciário. São três amostras das amarras, entre tantas outras, que prendem a sociedade brasileira, cercada de dificuldades por todos os lados. O País, definitivamente, precisa de uma revisão geral, dessas que se fazem necessárias aos veículos antes de empreenderem uma longa viagem.
O diagnóstico é sobejamente conhecido. Os pneus, além de carecas, estão remendados e não há estepe. O motor funciona, mas há peças desgastadas, avariadas por lubrificantes vencidos e adulterados. E o sistema de freios não oferece segurança, diante dos declives acentuados que o mapa está indicando no futuro próximo da América Latina.
Nada mais urgente, portanto, do que realizar a reforma geral, a começar pelo sistema fiscal. Pelo lado da receita, o acerto deve começar com a redução de impostos e a simplificação tributária, entre outras medidas. Já as despesas precisam ser enquadradas em um esquema de rigorosa prioridade, além de novas formas para elaborar o orçamento, com normas eficientes para evitar fraudes.
Outra providência é a reforma econômica. Já é tempo de abandonar a discriminação ao capital estrangeiro. É hora de acabar com os monopólios, encerrar a intervenção do Estado na economia e desregulamentar as atividades empresariais. Por que não libertar o potencial produtivo dos brasileiros?
O terceiro tópico refere-se à seguridade social. Todos somos testemunhas do descalabro em que se encontra a saúde no Brasil. Prontos socorros apinhados de doentes, hospitais fechados, atendimento deficiente. A assistência médico-hospitalar ficará melhor se atribuída aos estados e municípios, cabendo à União somente estabelecer as normas gerais e cuidar das endemias e epidemias.
É sabido também que a Previdência Social está falida e precisa de alterações profundas, a começar pelos critérios de aposentaria, que em nossa opinião somente deve ocorrer por idade ou invalidez, aplicando-se a todos sem exceções, sejam eles funcionários públicos, parlamentares, empregados das estatais ou da iniciativa privada, sem privilégios de nenhuma natureza.
Na educação, o ideal é que se estabeleça o ensino básico gratuito como dever de estados e municípios, transferindo-se as atuais universidades federais aos estados.
E, finalmente, que se redefina o papel do Estado, prescrevendo-se que o Poder Público cuide apenas das funções tradicionais, discriminando-se quais serviços caberão aos estados e municípios. Estes, porém, devem sobrevier apenas com suas próprias receitas, proibindo-se os repasses que hoje recebem da União.
Essas são apenas algumas das mudanças de que o Brasil precisa. Elas representam o único caminho possível para o País consolidar a estabilização iniciada com o Real e atingir níveis de desenvolvimento compatíveis com as necessidades da população.”
“No dia 17 de novembro de 1994, o Conselho de Economia, Sociologia e Política da Federação do Comércio do Estado de São Paulo debateu um projeto de reformas políticas para o Brasil, elaborado pelo Conselho Brasil-Nação.
O trabalho foi apresentado pelo presidente dessa instituição, o engenheiro civil Jomázio Avelar, um dos idealizadores do Projeto. Abaixo apresentamos os principais trechos da palestra e do debate que a seguiu.“
A palestra:
“UM PROJETO PARA O PAÍS
O Conselho Brasil-Nação é uma instituição privada, sem fins lucrativos, que tem por finalidade elaborar um Projeto de desenvolvimento para o País. Nasceu da ideia de que deve existir fora do governo um centro pensante para definir as estratégias de desenvolvimento do País, de sorte a tornar seu processo mais contínuo. Isso porque já vínhamos observando há algumas décadas que quem tomava as decisões fundamentais no Brasil ora a dívida interna, ora a dívida externa, ora a miséria, ora um acidente qualquer como, por exemplo, um suicídio de um presidente da República, ou a renúncia de outro e assim por diante.
O Conselho Brasil-Nação é formado por pessoas e empresas, sócios que mantem a instituição. São ideias que tenho desde o tempo de estudante, quando o professor Américo Oswaldo Campiglia me conheceu (aqui presente). Fui presidente do Centro Acadêmico e já tinha interesse em oferecer alguma solução institucional aos governos do País.
O que é o Projeto Brasil-Nação? Uma coisa é a instituição que estuda e elabora o projeto e outra é o projeto propriamente dito. Um projeto de desenvolvimento tem que definir um objetivo válido para o momento em que vive. Achamos que neste instante o objetivo nacional deve ser a construção do mercado interno. Talvez daqui a vinte anos o objetivo possa ser o lançamento de uma espaçonave, mas o objetivo nacional mais imediato tem que ser a construção do mercado interno, um mercado para enfrentar o norte-americano e o asiático.
Temos um fator limitante que é o tamanho do mercado. O PIB é muito baixo para a população que temos, muito pequeno para os investimentos que precisamos fazer. Esse PIB produz US$ 100 bilhões de arrecadação anualmente, cifra insuficiente para resolver os problemas de educação, saúde e habitação. O que acontece é que, pela inexistência de órgãos permanentes de estudos e proposições de longo prazo, os governos acabam investindo em respostas mais imediatas. De tal sorte que ao longo deste século os investimentos mais marcantes estiveram voltados para construção da infraestrutura material. Construímos estradas, instalamos energia elétrica, telecomunicações e assim por diante. Há problemas nessas áreas, mas elas podem ser consideradas muito boas se as compararmos com o nível do poder aquisitivo e de conhecimento da população. No instante em que o conhecimento é o valor principal do mundo, nós somos pegos de calças curtas. Temos uma imensa população sem conhecimento.
Nossa população cresceu em 100 milhões de pessoas nos últimos quarenta anos. Quando Getúlio Vargas morreu, havia 54 milhões de habitantes no Brasil; hoje são 150 milhões. Proporcionalmente, nenhuma nação cresceu tanto no mundo, e o que mais cresceu foi justamente a camada mais pobre da população, aqueles destituídos de conhecimento, que tem famílias com oito a dez filhos, ao passo que aqueles com mais instrução tem um ou dois filhos. De sorte que hoje estamos com um quadro dramático para resolver. Costumo dizer que estamos deitados num formigueiro. E quem se deita num formigueiro sente a primeira beliscada, a segunda, e na terceira o homem começa a se tornar insensível. Estamos nos tornando insensíveis às ameaças que estão sobre nós. O quadro que se apresenta atualmente no Rio de Janeiro não é uma obra do acaso. Há várias décadas estamos insensíveis, olhando para aquela situação. Já chegou a São Paulo, está indo para Minas, está indo para o interior, a televisão está divulgando toda essa violência. E por que ela ocorre? Pela falta de conhecimento.
O Projeto Brasil-Nação definiu então esse objetivo para agora: construir o mercado interno colocando o conhecimento ao alcance da população brasileira, visto que pelo conhecimento vamos elevar o poder aquisitivo das pessoas. Feito isso, estaremos criando as condições para o desenvolvimento industrial, para o desenvolvimento da agricultura, para a geração de riqueza, para a geração de tributos. Com um PIB de US$ 450 bilhões estamos arrecadando US$ 100 bilhões de tributos.
Com um PIB de US$ 2 trilhões, certamente nossos tributos serão muito maiores. E então os governos poderão se tornar eficientes e ter governantes bem-sucedidos.
Federalismo
A equação fica assim, portanto: precisamos de mais recursos. No tempo do milagre econômico importávamos recursos, mas eram recursos voláteis, a qualquer instante se afastavam. Precisamos de recursos próprio, precisamos instituir no Brasil as condições para gerarmos riqueza. Que venha o capital estrangeiro, mas isso deve acontecer quando estivermos mais sólidos. É evidente que não vamos atrair capital estrangeiro se não oferecermos mercado, se não oferecermos mão-de-obra-qualificada. Esse então é o objetivo do Projeto Brasil-Nação. Um sólido sistema educacional, que instrua, profissionalize e dê poder aquisitivo à população.
Após os estudos que realizamos, chegamos à conclusão de que, para construir o mercado interno, precisamos aperfeiçoar o federalismo no Brasil. Nosso sistema é federalista, mas é um federalismo eleitoral. Não é um federalismo em termos de finanças públicas, não é um federalismo político nem federalismo administrativo. Elaboramos um anteprojeto de Constituição para a revisão constitucional do ano passado, no qual propomos o federalismo que consideramos adequado para o País. É um federalismo em que atribuímos às prefeituras, pelas competências constitucionais, o encargo de resolver os problemas sociais do País. O encargo de construir a infraestrutura material e de instituir universidades atribuímos aos estados federados, restando para a União apenas as questões nacionais, que já são muitas e muito importantes.
Assim bastariam quatro ministérios para que o governo federal se desincumbisse de suas atribuições. Ele arcaria com o comércio exterior e relações exteriores, defesa, que seriam as Forças Armadas, a moeda e um ministério para assuntos jurídicos constitucionais. E caberia ao Legislativo a competência constitucional de estabelecer as diretrizes nacionais. De sorte que os demais entes federativos, os estados e os municípios, teriam que acatar constitucionalmente as diretrizes do Congresso Nacional. Assim, por exemplo, na educação bastaria uma lei federal, editada pelo Congresso Nacional, a ser executada pelos municípios, no que respeita à educação fundamental e técnico-profissionalizante, e pelos estados, no que respeita às universidades. Isso já indica para nós que todas as universidades seriam estadualizadas. Todos os sistemas de transporte, energia e telecomunicações seriam estadualizados e todos os programas de habitação e saúde seriam municipalizados.
Essa definição de federalismo retira a concomitância de atribuições que hoje ocorre no Brasil. Por exemplo, as três esferas de poder incumbem-se de saúde: o município, o Estado e a União. É o que se chama na Constituição alemã de concorrência de atribuições constitucionais. Essa concorrência tem as vezes o espírito de complementar, para tornar mais forte o cumprimento daquela competência, mas muitas vezes é inconveniente porque ninguém assume a responsabilidade e o problema fica sem solução. Assim acontece com a educação. Quem é o responsável pela educação no Brasil? Os estados têm assumido essa responsabilidade, mas inapropriadamente. O que ocorre então? No estado de São Paulo, por exemplo, a Secretaria de Educação conta hoje com 418 mil funcionários: 250 mil são professores e o restando funcionários administrativos. Eu pergunto: como conseguir eficiência, produtividade? Como administrar um empreendimento que tem 418 mil funcionários? No Rio de Janeiro são 180 mil funcionários. Em Minas eles são 200 mil. E por coincidência todo ano há greve de professores. Por quê? Porque os sindicatos tornaram-se fortes. Qualquer assembleia que se faz na Praça da República conta com pelo menos 10 mil professores, mas 10 mil é apenas 2,5% da massa de funcionários da Secretaria de Educação. E, no entanto, conseguem com isso impor a greve, parar o sistema de ensino e prejudicar todo o tratamento educacional. Então a nossa proposta é que essa incumbência fique com os municípios. Desse modo será muito difícil que nenhum prefeito resolva o problema de salário dos professores. Alguns resolverão, quebrando dessa forma a possibilidade das greves anuais no setor da educação.
Mas não basta isso. O País precisa de uma orientação educacional. Temos que formar os homens para o mundo produtivo de hoje e do futuro. Isso não está sendo feito no Brasil. O País não tem ambiente para o trabalho e já não está tendo também para a educação. Os jovens e as crianças estão desanimados com os estudos, não estão vendo sentido em estudar. É evidente que há uma contribuição significativa do sistema de comunicações no mundo de hoje, é fácil, e cômodo ver televisão. Ler é mais trabalhoso. É um problema muito sério que temos que enfrentar. Então não basta que a estrutura gerencial seja mais eficiente. É preciso que haja um Congresso Nacional com condições de estabelecer as diretrizes nacionais, a filosofia educacional, o objetivo que devemos ter para educar e preparar o homem para o trabalho, hoje e no futuro.
Pensamos – e essa é nossa orientação para trabalhar no Conselho Brasil-Nação – que a estratégia do nosso desenvolvimento deva ser definida e conduzida pela sociedade. Isso quer dizer as entidades de classe, as entidades sindicais, as entidades civis de toda natureza. As táticas são captadas na sociedade pelos partidos políticos e pelos meios de comunicação. Um candidato pesquisa o que a sociedade quer, para então apresentar o seu discurso de campanha. Se nós, que somos líderes da sociedade porque somos letrados, ocupamos cargos de direção nas empresas, dirigimos entidades de classe, difundirmos nas sociedades qual é o objetivo nacional, os políticos irão captar aquele objetivo que o povo quer. Se nós, que compomos a elite do País, não estamos discutindo com a sociedade, difundindo os objetivos nacionais, o político vai captar lá ideias ocasionais, vai captar eventualidades.
Nos conceitos de Direito Constitucional chama-se de Estado unitário o que temos em prática no Brasil. Desde a Monarquia, a passagem para a República não se adaptou para o real federalismo, como ocorreu nos Estado Unidos. Continuamos ainda com o Estado unitário e hoje temos um Estado misto, em que há o Estado unitário e o federalismo. Nesse meio-termo o prejuízo é maior que em qualquer um dos dois sistemas. Por quê? Porque aí está implícito o repasse de recursos da esfera federal para a municipal. Os fatos do ano passado na CPI do Orçamento mostraram que esse repasse de recursos é o fator fundamental para a pecha de corruptos que tem o político no Brasil. E o que é mais cínico na história é que naquele episódio ficou evidente que apenas 2% da arrecadação tributária foi objeto daqueles escândalos. No entanto, temos de 25% a 40% da arrecadação tributária mal aplicada; 25% significam US$ 25 bilhões. Apesar disso, o Brasil ficou estarrecido, e elegeu uma nova elite para a política brasileira, baseado nas denúncias feitas em torno de 2% da arrecadação tributária.
Essa é a estrutura do poder executivo no Brasil. Temos 25 a 27 ministérios e praticamente todos os assuntos são tratados no governo da União e nos estados, e são tratados também nos governos municipais nas maiores cidades. Nossa proposta é transferir todos os encargos possíveis para os estados e os municípios. Desse modo, aliviamos o governo da União, para que ele possa ser um governo da coordenação das gestões do desenvolvimento brasileiro, para que tenha tempo para governar e ganhe condições de orientar as demais entidades federativas. Para que ele possa fazer uma boa gestão de nação para nação, abrindo mercados para as nossas indústrias no exterior e fazendo bons acordos. Precisamos reconhecer que os nossos acordos no Mercosul estão sendo feitos um pouco depressa para quem tem pouco tempo no governo da União. O Mercosul é uma necessidade, uma tendencia mundial irreversível. No entanto, há de se reconhecer que o governo não tem tempo, porque são 27 ministérios a atuar na União. O Ministério das Relações Exteriores é um ministério em 27.
Qual é a consequência dessa estrutura do Poder Executivo e que também é a mesma estrutura do Legislativo? Esse é o fluxograma dos recursos públicos no Brasil. A arrecadação do governo da União representa 54% de toda a arrecadação. A do governo dos estados representa 29% e a dos municípios, 17%. Em média, 29% dividido por 27 ministérios dá pouco mais de 1% de arrecadação para os estados. Isso cria uma dependência brutal dos governos estaduais para com o governo federal. Vejam a entidade federativa municipal, qual é a dependência que ela tem da União? É evidente que a atual Constituição não estipula com clareza as competências constitucionais. De tal maneira que, se examinarmos com precisão a Constituição, veremos que os municípios não têm obrigação constitucional. Eles realizam tarefa educacional, de saúde, mas constitucionalmente as obrigações pertencem a União e aos estados.
Os prefeitos são muito bem remunerados para ser prefeitos, assim como os vereadores. Então é preciso que cada ente federativo se justifique como tal, tenha uma incumbência clara, definida. E para isso o ente federativo que mais atinge a população é o ente municipal. Por isso tem que atuar na educação, na saúde, na habitação. Ou seja, naqueles assuntos que dizem mais de perto respeito à pessoa humana, para desenvolver a pessoa humana, que é quem produz. Estrada não é produtiva. Produtivo é o homem.
Espada na cabeça
Tomando como base o orçamento da União de 1993 – porque o orçamento deste ano só recentemente foi aprovado -, pegamos as verbas destinadas pelo governo da União aos ministérios e, no Projeto Brasil-Nação, transferimos para o encargo dos estados 11% de toda a arrecadação. As verbas dos ministérios que nós, no Projeto Brasil-Nação, atribuímos aos municípios somaram 33%. Com que critérios esses 33% estão sendo investidos pelos ministérios? Eles são investidos, por exemplo, no Ministério da Educação ou da Saúde. O que ocorre então é que esses 33% devem ir para os municípios, e está havendo uma perda de carga muito grande nessa aplicação. Por exemplo, o Banco Mundial informa que apenas 20% das verbas destinadas pelo governo da União à educação chegam às salas de aulas. Então a perda é muito grande.
Fizemos a simulação de um modelo orçamentário e chegamos à conclusão de que temos uma perda de 25% nas verbas públicas. Isso quer dizer US$ 25 bilhões, porque toda essa arrecadação é de US$ 100 bilhões, 24% do PIB. Então perdemos anualmente US$ 25 bilhões na burocracia, nos ministérios, na má aplicação, nas distorções. No tempo da inflação alta, por exemplo, ao prender a verba no governo da União, essa perda somava US$ 30 bilhões anualmente.
Então entendemos que com o federalismo, conforme concebemos, um fato gerador vai criar um imposto federal, um imposto estadual e um imposto municipal, sem repasse de recursos. De tal maneira que os impostos municipais já vão direto para o caixa do município e ele tem uma incumbência constitucional para responder por isso. E é preciso que haja um Poder Judiciário para que, em qualquer ponto do território nacional, qualquer cidadão possa questionar se um dirigente público está cumprindo a Constituição. Ou seja, aplicando o seu recurso naquela competência constitucional definida pela Constituição.
Gostaríamos de apresentar alguns dados dando conta de que há hoje no Brasil 543 mil processos contra o Tesouro, com um valor em torno de US$ 77 bilhões, sendo que a União está perdendo nove em cada dez dessas questões. Esses processos se originam dos planos heterodoxos. Então vejam os senhores que temos uma espada sobre nossa cabeça: são US$ 77 bilhões para pagarmos. Nesse caso, o próprio governo da União tem interesse em que o Poder Judiciário não funcione, para que aquela dívida não chegue tão cedo. Então vejam os senhores que a um poder convém que o outro não funcione bem.
Por isso a proposta do Conselho Brasil-Nação na revisão constitucional foi por uma redefinição para os três poderes da União. Sem isso, achamos que a abordagem de um projeto de desenvolvimento é inócua. Entra, por exemplo, o atual governo, com todo o entusiasmo popular de que está dispondo, e vai tocar essa máquina como ela está, inadequada como é? Certamente o máximo que conseguirá será um governo de um talentoso Kubitschek. Mas não estou seguro de que o atual presidente eleito tenha o talento de Kubitschek. O que conseguiu Kubitschek? Apenas através de estruturas paralelas construir Brasília, através de estímulos à iniciativa privada implantar a indústria automobilística e através das estatais começar a construção das hidrelétricas. Então foi um governo que não usou a estrutura do Estado. Este também não poderá usá-la, e se tentar fazer isso não vai ser eficiente na sua administração. Então a reforma do Poder Judiciário é um ponto importante para a concretização da implantação de um projeto como esse.
Apenas queria mostrar aos senhores esses dados, que são muito importantes, porque não vamos conseguir trazer capital estrangeiro sem que ofereçamos mão-de-obra qualificada e mercado consumidor, afora as regras de livre comércio e assim por diante.
Vejam os senhores que temos hoje no Brasil 45 empresas multinacionais instaladas, das cinquenta maiores do mundo. Então o País já está inserido na economia internacional. Precisamos fazer a nossa parte, que é instruir o povo para obter mão-de-obra qualificada e mercado consumidor. Dentre as cem maiores empresas do mundo, 82 já tem filiais operando no Brasil. Dentre as 500 maiores já há 372. Então o Brasil está estruturado no setor privado para operar inserido na economia internacional. Temos que resolver o setor público.
Temos que mudar a estrutura para que o Estado torne-se eficiente, torne-se possível de ser governado. Não adianta fazer composições políticas. Vamos ter a comprovação de que, mesmo com uma aliança entre os partidos, o Brasil continuará ingovernável. A estrutura do Estado é que está inadequada para o País, para atingir toda a população e gerenciar toda a sociedade.”
Os debates que se seguiram serão objeto do “PAPER 111”.
A democracia fundada no Estado de Direito e na cidadania não é uma estação de chegada, mas uma maneira de viajar, visando desenvolvimento econômico, político, cultural e social para transformar o Brasil na melhor nação do mundo para se viver bem.
Personalidades autoras de artigos e citações neste “PAPER”:
– Abram Szajman, presidente da Fecomércio SP;
– Johan Wolfgang von Goethe, estadista alemão, escritor destacado da literatura alemã e romancista europeu;
– Marina Silva, ex-Ministra do Meio Ambiente, ex-senadora;
Debatedores e participantes da palestra:
– Américo Oswaldo Campiglia, ex-professor da POLI-USP, economista e administrador de empresas;
– Eduardo Silva, engenheiro, POLI USP
– Hélio de Burgos-Cabal, ex-embaixador
– Irany Novah Moares, médico e professor da Faculdade de Medicina USP
– Júlio Nakagawa, engenheiro agrônomo, ESALQ USP
– Marcos Cintra Cavalcanti, economista, professor da FGV, ex-secretário da Receita Federal
– Moacir Vaz Guimarães, advogado, jornalista, educador
– Ney Lima Figueiredo, cientista político e consultor