PAPER 40: Projeto de País (EU SOU BRASIL!!!)
Tema: PACTO FEDERATIVO / Democracia / Austeridade Fiscal / Regime Tributário.
É tempo de mudança
“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas,
que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos
caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”
FERNANDO PESSOA
A documentação produzida pelo Conselho Brasil-Nação e disponibilizada no blog www.conselhobrasilnacao.org é contribuição para o aprimoramento do regime político brasileiro, com propostas para o desenvolvimento econômico, social, cultural, espiritual e de cidadania, sob democracia e Estado de direito. Novo PACTO FEDERATIVO, tema abordado nesse “PAPER”, é momentoso (ver entrevista do ministro Pulo Guedes, Estadão 10/03/2019 e manifesto interesse do senador Alcolumbre ao convidar o ministro da economia para apresentar a proposta ao plenário do Senado, Estadão 06/03/2019 pg A4).
PACTO FEDERATIVO
Desde a fundação do Conselho-Brasil –Nação em 1990 a reforma do Estado tem sido o tema central, mediante a aprovação de um novo Pacto Federativo, que expresse a descentralização da administração do Estado, com desconcentração do poder político e do econômico, para ensejar a prática da cidadania com liberdade responsável, num modelo que reduza a despesa publica e promova a preparação dos recursos humanos brasileiros necessária para o desenvolvimento eficaz e conduzir a Nação para tornar o Brasil o melhor país do mundo para se viver bem. (ver “PAPER” 26, 30 e 35).
Pertine à essência de qualquer Pacto Federativo a estrutura tributária associada às responsabilidades impostas aos entes federativos pelas competências constitucionais, que definem determinado federalismo. Portanto, tratar de Pacto Federativo é explicitar de que federalismo se cogita como estrutura do Estado. Não se trata mera e simploriamente de distribuir encargos e receitas tributarias; é questão vital do bom funcionamento do Estado: por que funciona bem nos EUA e na Alemanha?
A professora da FGV e da UERJ Aspásia Camargo, em esclarecedor e feliz artigo veiculado pelo Jornal do Brasil em 13/10/1991 sob o titulo ‘’O drama de ser grande’’, ilustra aqueles que deverão tomar decisões nessa oportunidade histórica criada pelo Governo Federal, reclamada há tempos por entidades da sociedade civil e por profissionais relacionados com o tema, de estabelecer novo Pacto Federativo para o Brasil.
A professora Aspásia expõe com clareza que as dificuldades de administrar o Brasil, de dimensões territoriais continentais, populoso e com diversidades regionais conhecidas, podem ser convertidas em vantagens se adotada estrutura descentralizada no Federalismo, capaz de receber contribuição para o todo nacional advinda da melhor produtividade e eficácia administrativa de todas as potencialidades das regiões (Estados-membros e municípios); econômicas, culturais, riquezas naturais, recursos humanos, conhecimentos, criações tecnológicas, etc, administradas em menores escalas (Estados-membros e municípios) em relação as do País.
Assim o Brasil desenvolvido significará um mercado forte competidor nos grandes mercados mundiais (EUA, Europa, China, Índia, Japão e países Asiáticos). É oportuno lembrar que a estrutura federativa (Federação de Estados-membros) é cláusula pétrea na Constituição brasileira. O Federalismo, no entanto, pode ser descentralizado como o dos EUA e Alemanha, ou centralizado como o do Brasil atualmente (as receitas tributarias se distribuem: 54% para a União, 29% para os Estados-membros e Distrito Federal, e 17% para os 5.570 municípios, e com competências constitucionais concorrentes ou justapostas, sendo que com isso inibir o desenvolvimento e ação da cidadania é o prejuízo maior para a Nação.
A proposta anunciada de novo Pacto Federativo, foi ventilada em maio/2018 pelo atual ministro da Economia, em entrevista ao Jornal O Estado de S.Paulo, a qual foi confirmada após as eleições e reiterada no mesmo jornal em 10/03/2019 em entrevista. Se bem concebido o Pacto Federativo, trata-se de decisão de alto alcance para o Brasil.
Austeridade Fiscal e Regime Tributário.
“Se o homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável”. Sêneca, século I DC.
Num Federalismo descentralizado é imprescindível que ele seja fundado teórica e doutrinariamente em austeridade fiscal, de sorte que cada ente federativo pratique o autogoverno:
- a) AUTOSSUFICIENCIA
O ente federativo deve ser autossuficiente para viver de suas próprias receitas tributárias, ou seja viver como puder (em entrevista ao Estadão em 08/10/1995, em discussão sobre possível reforma Tributária, o prof. e ex-ministro Mario Henrique Simonsen, enfatizando que o “Estado ainda emperra PIB”, declarou que “cada município ou Estado (Federado) viveria do que arrecadasse, como em todo o mundo.”
Nessa linha não faz sentido adotar o cogitado IVA que centralizará ainda mais a arrecadação tributária. Pelo contrário a estrutura tributária de todos os entes federativos (União, Estados-membros e municípios) associada ao novo Pacto Federativo deve prever a condição de autossuficiência, em linguagem liberal significa autogoverno (ver no blog “Livrando-se da vaquinha magrela”). Fusão e/ou divisão de entes federativos será inevitável consequência da condição de autossuficiência, bem tratado no “Um projeto, enfim”, coluna Clóvis Rossi, Folha de S.Paulo em 11/04/1993.
- b) ENDIVIDAMENTO
O ente federativo só pode endividar-se por decisão da respectiva comunidade (nacional, estadual, municipal) mediante consulta popular. Não faz sentido que todos os eleitores e contribuintes sejam onerados (quer por novos impostos, quer por empobrecimento da população decorrente de crise política e econômica, causada por desequilíbrios fiscais) por decisões irresponsáveis, incompetentes ou mal intencionadas de determinados governantes como tem acontecido no Brasil (O Estadão informa em 06/03/2019 pg B3 que R$ 24 bilhões (foram) gastos nos últimos dois anos pela União para socorrer o Rio de Janeiro, dinheiro que não retornará, e mesmo que viesse a retornar, União não é Banco).
A imprensa está repleta de informações de iniciativas de governadores e prefeitos pedindo ajuda da União para socorrer o “colapso social”. Esse colapso não decorre de decisão da população; os governantes causadores responsáveis devem ser punidos. Isto porque os governantes atuais tiveram a obrigação de conhecer a condição financeira dos respectivos entes federativos antes de se candidatarem, de se elegerem e de se empossarem.
c)EMPODERAMENTO DA CIDADANIA PARA CONTROLAR A EFICÁCIA E A EFICIÊNCIA DOS ATOS DOS AGENTES PÚBLICOS
Essas duas condições acima de autogoverno eliminam a “ciranda fiscal”. A “ciranda fiscal” é: “o prefeito se socorre do governador e do presidente da Republica, o governador se socorre do presidente, e este se socorre da emissão de títulos públicos para cobrir os déficits fiscais, ou até se socorre da inflação” (“PAPER” 35 – 15/01/2019). A “ciranda fiscal” é a causa da desordem nas finanças publicas no Brasil sem solução enquanto os políticos e dirigentes públicos em geral pretenderem continuar a mantê-la e ativá-la, ou seja praticá-la.
O combate à “ciranda fiscal” requer dispositivos institucionais que empoderem o cidadão com “recall” para destituir dirigentes públicos incursos em maus procedimentos, e mesmo em má gestão, e que o Poder Judiciário tenha instrumentos de punição eficaz e célere. Caso contrario será um desastre a descentralização: a má gestão causa prejuízos muitas vezes maiores que os da própria corrupção.
Ao eliminar-se a “ciranda fiscal” de que se ocupa quase total e exclusivamente a classe política, ela estará liberada para ser proativa e produtiva para com o interesse da Nação, qual seja o desenvolvimento do País, ao invés de continuar a se dedicar, como tem ocorrido, na administração improdutiva do endividamento do Estado (Município-Estado federado-União). A “ciranda fiscal” atinge a toda a população, pois ela depende dos governantes de censuráveis procedimentos, o que gera distorções, maus costumes e cultura nefasta à economia e ao ambiente social.
Democracia
Democracia não é um regime pronto e acabado ao qual se deva optar por aderir ou não aderir; é um regime sempre em construção, em permanente aprimoramento respeitados os princípios fundamentais de sadia e profícua convivência social, os valores e costumes de cada nação, conjugados com a aplicação dos conhecimentos universais de Direito Constitucional e Teoria Geral do Estado, ou seja com apoio em teorias e doutrinas, de domínio de estudiosos e tratadistas acadêmicos, postos em prática por agentes e ativistas políticos.
É com tal concepção que Conselho Brasil-Nação atua, já há 28 anos, sempre apensando a seu acervo propositivo, com parte disponibilizada no blog, como contribuições históricas pertinentes de pessoas e instituições, sabendo que nunca o empreendimento democracia estará concluído. É preciso atuar na democracia com prática de cidadania cotidiana, com aperfeiçoamentos e adaptações, tendo por horizonte a completude que nunca será atingida.
Algumas observações são importantes nesta possibilidade de novo PACTO FEDERATIVO:
PRIMEIRA: existe uma regra universal vigindo ao longo do desenvolvimento da Humanidade: DEVE X HAVER, a ser obedecida nas lides públicas, como é obedecida nas lides privadas e nas famílias. Não se deve assumir compromissos se não se pode cumpri-los.
SEGUNDA: a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) não resolveu a questão fiscal brasileira. Ao invés dela, deve se adotar a regra acima, DEVE X HAVER (que é fazer o que puder, ou seja não fazer o que não se pode). O governante que não puder cumpri-la deve renunciar, até que solução adequada seja encontrada e adotada.
TERCEIRA: o professor e renomado jurista Ives Gandra da Silva Martins em lúcido artigo veiculado pelo Estadão de 25/01/2018 sob o titulo “Brasília, a Versalhes de Luís XVI no Brasil de 2018” argumenta que “A corte de Versalhes estava distanciada da realidade francesa, como a corte brasiliense de burocratas e políticos está distanciada das necessidades brasileiras, pouco sensível ao alerta de especialistas…” e dos movimentos cívicos (acréscimo nosso).
A corte brasiliense se ocupa em administrar as dívidas públicas (grande parte delas oriundas de privilégios), o “colapso social” (denominação dada pelos governantes), a “ciranda fiscal”, o eterno “ajuste fiscal” em permanente crise como ocorreu ao longo do ultimo século, bem como a atual crise que já irá completar 5 (cinco) anos em maio próximo, sem nenhuma manifestação de interesse pelos governantes em resolvê-la. Enquanto que seria mais produtivo, útil e inteligente a população cuidar do desenvolvimento do País sob comando do governo e planejado por toda liderança da atual geração.
Em artigo veiculado pelo Estadão de 05/03/2019 na pg A2, o Dr. José Eduardo Faria, professor titular de Direito da USP e da FGV, sob título “Democracia e resiliência constitucional”, traz questão relevante discutida “por Cláudio Couto e Rogério Arantes em instigante artigo” que pela atual Constituição “ com a aprovação de três quintos dos parlamentares em cada votação (Câmara e Senado), “os constituintes acabaram amarrando as gerações futuras a decisões não propriamente constitucionais, mas de interesse de parlamentares e corporações”.
É o que se assiste na questão atual da reforma da Previdência, a qual, ao nosso ver, não deveria ser assunto constitucional, dado que é muito lento o processo decisório ante a velocidade dos acontecimentos econômicos atuais de decisões tomadas em tempo real, agravado ainda pelas rápidas variações da composição demográfica e de receitas individuais que se condicionam pela evolução tecnológica.
A previdência deve ser um Instituto de gestão em separado do governo e própria, passível de controles, auditorias rotineiras, revisões de critérios administrativos e de benefícios, com informações ao alcance das comunidades interessadas, e não essa imensidão burocrática de operação junto com a Receita, inacessível que peca por permitir suspeita de procedimentos a gerar e acomodar privilégios. Tudo nocivo ao conceito da instituição Previdência.
Ainda assuntos de maior dimensão mas que cabe citar o fato de que “entre 1989 e 1999 dois terços dos países vinculados à ONU reformaram suas Constituições” afirma o professor José Eduardo Faria, enquanto que “o Brasil acabou ficando com seu padrão de governabilidade travado, quando comparado com o padrão de outros países emergentes”.
Transcrevemos a seguir citação de trechos constantes do livro ‘’Estado Federal’’ (Editora Ática), do Prof. Dalmo Dallari, da Faculdade de Direito da USP, texto na íntegra do artigo do jornalista Fernão Lara Mesquita ‘’A chave da moderna democracia americana’’ (O Estado de S. Paulo, 26/02/2019 pág. A2), seguido do artigo do ex-vice-presidente da Republica do Brasil Sr. Marco Maciel sob o titulo “Revisão e pacto federativo”, em 21/11/1993, no Jornal de Brasília, e também conceituação do ex-governador André Franco Montoro.
Livro “Estado Federal” Do Professor Dalmo Dallari:
‘’A organização federativa do Estado é incompatível com a ditadura. Isso tem ficado muito evidente através da Historia, não havendo exemplo de convivência de ambas. Onde havia federalismo e se instalou uma ditadura ocorreu a concentração do poder político. E mesmo que mantida formalmente a federação, a realidade passou a ser um Estado Unitário, com o governo centralizado. São exemplos disso a Alemanha com a ascensão de Hitler, o Brasil com a ditadura Vargas e a Argentina de Perón. Federalismo e ditadura são incompatíveis.
A partir desse dado, quase todos os teóricos que trataram do federalismo concluíram que ele é garantia de democracia. Entre os mais modernos teóricos do Estado Federal há inúmeros defensores dessa conclusão, procurando demonstrar que vive uma correlação necessária entre federalismo e democracia, chegando à conclusão de que basta adotar a forma federativa de organização de Estado para que se estabeleça a garantia de que a sociedade será democrática. Essa é uma questão de grande relevância, sendo importante conhecer a linha de argumentação em que se apoia tal conclusão, para se poder avaliar o real alcance político do federalismo.’’
Os Estados Unidos da América vivem, há duzentos anos com a mesma Constituição. O que tornou isso possível? Sem dúvida alguma, isto se deve, em grande parte, ao federalismo, que tem permitido conciliar os interesses particularizados, existentes em cada Estado- membro, com os interesses comuns de todo o povo norte –americano. Assim, também os Estados Unidos nunca sofreram a humilhação e a tragédia de uma ditadura, e uma vez mais aparece a organização federativa como uma das causas mais relevantes.
- “A chave da moderna democracia americana”
“A chave para o entendimento do sistema institucional americano é a distinção que eles fazem entre “direito negativo” e “direito positivo”. “Direito negativo” é o de não ser submetido à ação coercitiva de outra pessoa ou do governo. Eles o têm por um direito natural, também dito de primeira geração. Nasce com e pertence a todas as pessoas, e está garantido enquanto ninguém agir para violá-lo. A common law, o direito baseado na tradição que foi comum a toda a Europa, mas só sobreviveu na Inglaterra depois do advento do absolutismo monárquico que o nosso “direito romano” foi inventado para sustentar, fixa os círculos do espaço individual que as pessoas naturalmente sabem que não devem invadir: o do corpo, o do lar, o dos pertences, o da propriedade. Essa é a base do “direito negativo”.
E desses círculos decorrem os seus desdobramentos civis e políticos, ditos de segunda geração, o direito à vida, à liberdade de expressão, à liberdade religiosa, à legítima defesa, ao habeas corpus, a um julgamento justo, etc. Já os “direitos positivos”, ditos de terceira geração, são os que requerem a ação de uma terceira pessoa para serem exercidos por quem vai desfrutá-los.
Enquanto um “direito negativo” proíbe alguém ou o governo de agir contra o seu beneficiário, um “direito positivo” obriga outras pessoas ou o governo a agirem em benefício do seu detentor. Incluem-se nesse departamento os direitos sociais e culturais, tais como à comida, à habitação, à educação, a um emprego, à saúde, à seguridade social, ao acesso à internet ou o que mais se quiser incluir na lista, que, no Brasil, por exemplo, é infindável. Lá a Constituição da União, elaborada pelos “pais fundadores” iluministas, contempla exclusivamente os “direitos negativos”, o que, na medida em que ela subordina todas as outras leis, estabelece a prevalência destes sobre os “direitos positivos”.
Diz, no preâmbulo, que todo o poder emana do povo, que o delega aos seus representantes eleitos por sufrágio universal e define nos seus sete artigos, pela ordem, o Congresso dos representantes do povo, a Presidência, o Judiciário, as relações entre os Estados e deles com a União e as regras para emendar a Constituição. As emendas da 1.ª à 8.ª garantem os já citados direitos de segunda geração que decorrem dos círculos de inviolabilidade do indivíduo. A 9.ª e a 10.ª (para encerrar a disputa de egos entre os convencionais de 1787, que queriam cada um enfiar um direito a mais) declaram que tudo o que não está formalmente proibido até ali “são direitos que pertencem ao povo ou aos Estados”. Todos os temas da alçada do “direito positivo” que recheiam de ponta a ponta a nossa Constituição federal lá ficam, portanto, restritos às Constituições estaduais e municipais. E aí vem o pulo do gato. Como todo “direito positivo” (artificialmente criado) implica uma violação do “direito negativo” (inato, natural) de não ser coagido a nada nem ter o que é seu apropriado pelos outros, eles só podem ser criados, nos países de common law, por contrato, isto é, se todas as partes envolvidas concordarem com isso numa votação. E como cada “direito positivo” tem um custo, o projeto que o propõe tem de incluir obrigatoriamente o seu esquema de financiamento: qual será a despesa, quem arcará com ela, como e quando ela será paga. Ou seja, não existe a hipótese de se fazer caridade com dinheiro alheio.
Quem se dispuser a tanto deve usar o seu próprio.
Correndo em paralelo com a diferenciação entre “direito negativo” e “direito positivo” está o princípio do federalismo, a mais forte garantia em países de dimensão continental e ampla diversidade de situações de que o sistema estará sempre voltado para servir ao indivíduo e jamais poderá acumular poder suficiente para voltar-se contra ele. Cada instância de governo – a municipal, a estadual e a federal – é definida em função do seu grau de proximidade do indivíduo e deve ser absolutamente soberana até o limite do alcance dele. Tudo o que diz respeito a uma única comunidade – a escolha do seu modelo de governo, policiamento local, saneamento, vias públicas, educação, saúde, proteção contra incêndios, normas de comércio, etc. – deve ser decidido e custeado por ela própria e mais ninguém, respeitadas as linhas básicas da Constituição. Só o que envolver mais de uma comunidade – estradas, transporte intermunicipal, circulação de bens, repressão ao crime, sistema penal, etc. – deve ficar a cargo dos governos estaduais. E somente o que não pode ser resolvido por um único governo estadual fica a cargo da União.
Acrescenta-se finalmente à fórmula um sistema preciso de representação dos eleitores em cada uma dessas instâncias de governo, o que se consegue com eleições distritais puras, em que cada distrito elege apenas um representante. Tudo começa pela eleição do conselho que vai dirigir cada escola pública entre os moradores de cada bairro do país. E daí vai subindo para os municípios, para os Estados, para a União. Sempre com cada representante, com base no endereço, sabendo exatamente quem é cada um dos seus eleitores. Sempre com cada representado guardando o poder de manter ou não o seu representante até o fim do mandato (recall ou retomada de mandatos), de obrigá-lo a tratar dos assuntos que ele indicar (leis de iniciativa popular), de impedi-lo de impor-lhe o que quer que seja (referendo das leis vindas de cima), de afastar juízes lenientes ou enviesados (com eleições periódicas de retenção ou substituição de juízes). Com essas liberdade e flexibilidade, aos poucos o sistema foi evoluindo segundo a necessidade e a preferência de cada comunidade. O bairro vota – sim ou não – um melhoramento da escola a ser pago com um aumento temporário só do seu IPTU; a cidade, a contratação de mais policiais ou a construção de um novo hospital mediante um aumento temporário da taxa local de comércio; o Estado, uma nova estrada a ser paga pelos seus usuários mediante pedágio… E fez-se a luz… sempre na medida e no preço exatamente desejado”
- Trechos do artigo do sr. Marco Maciel
Ex-deputado federal e presidente da Câmara
dos Deputados, ex-senador e ex-vice-
presidente da República
“A Constituinte de 1988 deixou de discutir o modelo sob o qual se deve assentar o federalismo brasileiro.”
“A nossa Federação deve ter por base um modelo compatível ao mesmo tempo com a igualdade jurídica e assimetria econômica, a desigualdade social e diversidade cultural. Esses quatro elementos configuram o modelo político de nossa Federação.”
“Veja-se o modelo Alemão. Lá, nada que puder ser feito pelos municípios, em matéria de serviços, será assumido nem pelos Lander (estados), nem pelo governo federal, por ser o município a instituição política mais próxima do cidadão. Isso, além de facilitar o poder de fiscalização, garante que o poder decisório fique igualmente a seu alcance. Nada parecido temos em nosso sistema federativo, pelo contrário, as competências são concorrentes e, muitas vezes, superpostas”. “Nesse sentido, uma nova Federação importará em nova discriminação de rendas e encargos”. “A atual estrutura tributária brasileira não atende a nenhum dos requisitos da realidade brasileira: a assimetria, a desigualdade e a diversidade”.
“Impõe-se, por todos esses motivos, uma racionalização tributária, já há tanto tempo reclamada. Isso diminuiria enormemente o custo de afetação, desburocratizaria de forma decisiva o poder fiscalizador do Estado e simplificaria a administração”.
Também desconcentra o poder político e das finanças públicas para fortalecer Estados Federados e municípios.
- Citação do sr. André Franco Montoro
Ex governador de São Paulo
Afirmava o ex-governador André Franco Montoro: “A descentralização deve ser a base dessas reformas. Que a União não faça o que os estados podem fazer melhor, que os estados não façam o que os municípios podem fazer melhor e que nenhum deles faça o que o cidadão e a sociedade podem fazer melhor. Com essa distribuição de funções, o Estado tornar-se-á enxuto e forte para ser, nesse processo, mais um juiz e menos parte.” As pessoas moram é no município.
Quais são, afinal, as características do Estado Federal norte-americano e do alemão? Por que o federalismo não produziu o mesmo resultado em outras partes do mundo? Que contribuição pode dar a organização federativa para a democracia? São questões relevantes que o livro do Prof. Dallari ajuda a enfrentar, assim como diversos outros estudiosos do assunto, muitos deles citados nos “PAPERs”, e que são conhecimentos e experiências para decisões da responsabilidade da classe política. É elucidativa e oportuna a entrevista concedida ao Estadão pag A8 em 03/03/2019, pelo historiador, escritor e professor da Universidade de Yale Timothy Snyder, autor do livro “Sobre a Tirania” (citado no “PAPER” 23 de 22/07/2018).
A democracia fundada no Estado de Direito e na cidadania não é uma estação de chegada, mas uma maneira de viajar, visando desenvolvimento econômico, político e social para tornar o Brasil o melhor país do mundo para se viver bem.