PAPER 44: Projeto de País (EU SOU BRASIL!!!)
Tema: Propostas de Reforma Tributária
Transcrevemos abaixo o texto do colunista do Estadão Celso Ming,
“O novo projeto de reforma tributária”
“Na ânsia de mostrar serviço, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, saiu na frente do Executivo e, já em janeiro, patrocinou o projeto de reforma tributária elaborado e debatido há anos no Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), dirigido pelo economista Bernard Appy. Esse texto foi transformado em Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/19 e apresentado à Câmara pelo deputado Baleia Rossi (PMDB-SP).
Embora seja de entendimento mais complicado, porque é assunto de alguma densidade técnica, as mudanças tributárias analisadas nesta Coluna mexerão com a vida econômica de todo consumidor. Por isso, convém destrinchá-lo.
Este projeto é mais abrangente e mais consistente do que aquele que está sendo preparado pelo secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, porque unifica não só impostos federais (PIS, Cofins, IPI), mas, também, o ICMS, cobrado pelos Estados, e o ISS, cobrado pelos municípios. O nome proposto: Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Funcionará nos mesmos moldes do atual ICMS que, em outros países, leva o nome de Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Isto é, será cobrado em cada fase da produção. As parcelas das etapas intermediárias funcionarão como crédito a ser abatido do pagamento subsequente até que este seja feito pelo consumidor final.
Diferentemente do caótico ICMS, cobrado tanto na origem como no destino do bem ou do serviço, o IBS será cobrado apenas no destino, ou seja, apenas no município de domicílio do consumidor. Aí vai uma questão, ainda sem solução. Na proposta, explica Appy, o destino da receita do IBS acabará sendo determinado pelo CPF do consumidor, acoplado a seu CEP de residência. Significa isso que o contribuinte terá de alterar seu CPF a cada mudança de domicílio?
Para assegurar a independência federativa, o imposto será recolhido à conta única do Comitê Gestor, organismo cuja administração será partilhada de maneira paritária pela Receita Federal e por representantes dos Estados e dos municípios. Tal futuro Comitê Gestor será encarregado de transferir, em regime automático, a parcela do imposto correspondente a cada esfera de governo.
As alíquotas correspondentes à parcela dos Estados e municípios poderão variar para cima ou para baixo do valor de referência, de maneira a garantir a autonomia de cada ente federativo.
A questão aparentemente mais complicada é a que prevê dupla transição. A primeira delas tem a ver com o que Appy chama de “transição na distribuição federativa da receita”. É a definição de um período de dez anos entre o sistema atual e o seguinte, de maneira a não produzir nem aumento da carga tributária nem perdas para cada nível de governo. É um período em que o novo imposto tomará progressivamente o espaço dos anteriores. Essa suavização foi o jeito encontrado para reduzir eventuais resistências dos políticos. Também ajudará a eliminar os compromissos assumidos pelos Estados que, na guerra fiscal, concederam desonerações de ICMS para estimular a instalação de fábricas. Essas desonerações desaparecerão a partir do momento em que o imposto será cobrado apenas no destino e não mais no Estado que concedeu a vantagem fiscal.
A segunda transição, de até 50 anos, tem por objetivo reduzir as perdas que o novo tributo imporá aos Estados e municípios “exportadores” de mercadorias e serviços, na medida em que beneficiará apenas os “importadores”.
Mas não há compensação para o caso de municípios-sede de grandes plantas industriais e de refinarias, como Paulínia e Cubatão, que hoje têm grande participação nas receitas do ICMS e que perderão grande parte dessa vantagem quando o imposto passar a ser cobrado no destino. Para Appy, “o critério que hoje beneficia Paulínia e Cubatão, por exemplo, produz brutal distorção federativa”.
O novo imposto exigirá nova atitude nas políticas de desenvolvimento regional. Appy observa que as políticas que vigoram hoje, como as das zonas francas, são ineficientes. A reforma é oportunidade para corrigir esse defeito. Hoje, a maioria das isenções e incentivos fiscais tem por base o imposto que deixa de ser cobrado onde o produto é produzido. Quando o IBS for cobrado apenas no destino, os benefícios desaparecidos terão de ser substituídos por novos mecanismos de incentivo.
Appy acredita que, graças à simplificação e à transparência do sistema, essa reforma aumentará em 10% o potencial de crescimento da economia e, nessas condições, aumentará a arrecadação, sem aumento da carga tributária.”
A consequência da aprovação de uma destas propostas é preocupante para a Política porque trata-se da centralização de 100% dos recursos financeiros públicos na União, com enfraquecimento ainda maior do Federalismo brasileiro. Veja-se a seguir:
Livro “Estado Federal” Do Professor Dalmo Dallari: “A organização federativa do Estado é incompatível com a ditadura. Isso tem ficado muito evidente através da Historia, não havendo exemplo de convivência de ambas. Onde havia federalismo e se instalou uma ditadura ocorreu a concentração do poder político. E mesmo que mantida formalmente a federação, a realidade passou a ser um Estado Unitário, com o governo centralizado. São exemplos disso a Alemanha com a ascensão de Hitler, o Brasil com a ditadura Vargas e a Argentina de Perón. Federalismo e ditadura são incompatíveis.
A partir desse dado, quase todos os teóricos que trataram do federalismo concluíram que ele é garantia de democracia. Entre os mais modernos teóricos do Estado Federal há inúmeros defensores dessa conclusão, procurando demonstrar que vive uma correlação necessária entre federalismo e democracia, chegando à conclusão de que basta adotar a forma federativa de organização de Estado para que se estabeleça a garantia de que a sociedade será democrática. Essa é uma questão de grande relevância, sendo importante conhecer a linha de argumentação em que se apoia tal conclusão, para se poder avaliar o real alcance político do federalismo.”
Os Estados Unidos da América vivem, há duzentos anos com a mesma Constituição. O que tornou isso possível? Sem dúvida alguma, isto se deve, em grande parte, ao federalismo, que tem permitido conciliar os interesses particularizados, existentes em cada Estado- membro, com os interesses comuns de todo o povo norte –americano. Assim, também os Estados Unidos nunca sofreram a humilhação e a tragédia de uma ditadura, e uma vez mais aparece a organização federativa como uma das causas mais relevantes.
A democracia fundada no Estado de Direito e na cidadania não é uma estação de chegada, mas uma maneira de viajar, visando desenvolvimento econômico, político e social para tornar o Brasil o melhor país do mundo para se viver bem.
Fonte: O Estado de S. Paulo · 25 abril 2019 · B2 · E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM