PAPER 69: Projeto de País (EU SOU BRASIL!!!)
Tema: Reorganização institucional do Estado Federal do Brasil. (2)
“Cabeça vazia, usina do diabo”; não há vazio no poder. Então Dr. Pazzianotto tem razão.
Foi feliz a decisão da nação americana ao aprovar na fundação da Pátria sua oportuna e sábia Constituição de 1787 com 10 Artigos e com, em mais de 200 anos, apenas 26 emendas; a Constituição brasileira desde 1988 com 245 Artigos, mais 70 de Disposições Transitórias, já recebeu 105 emendas, em 30 anos (“… o processo de ‘remendo’ constitucional é no momento – ano de 2003 -, o esporte predileto dos senhores congressistas...” no dizer do Prof. Ives Gandra Martins, no artigo “Por uma Constituinte exclusiva”, no jornal Folha de S. Paulo, 11/10/2003, que persiste ainda hoje.)
A nação americana nunca sofreu a humilhação e a tragédia de uma ditadura, teve progresso assombroso nesses poucos mais de dois séculos, é líder no mundo, e goza de sólida estabilidade política e econômica, e segurança jurídica, com adequado Pacto Federativo, país tão jovem quanto o Brasil, ambos descobertos próximos do ano de 1500, e com comparáveis condições geopolíticas.
Mas nos EUA a Constituição não foi o único ato que gerou o Império de nossos dias. Ao longo de sua história aprendeu e corrigiu, adequando suas condições institucionais, e também contou com a sorte da emergência de estadistas capazes de tomar decisões e conduzir a nação para segui-los na construção do interesse nacional e do bem comum tendo por base a cidadania amparada no voluntariado e na filantropia que alicerçam as resoluções locais. Já em seu tempo o político francês Alex de Toqueville ficou maravilhado com a democracia americana ao visitar os EUA.
Por que não aprender com os americanos, e com outros povos que possuem o que precisamos?
Não cabe a eles nos ensinar, até por interesses estratégicos seus e por princípios de não intervenção aos quais devem se sujeitar; nós é que temos de aprender.
“Não se aprender, Senhor, na fantasia,
sonhando, imaginando e mesmo estudando, senão vendo, tratando e pelejando.”
Camões, Os Lusíadas, canto X, estrofe 153
Muito tem contribuído para nos informar e assim possibilitar nosso aprendizado sobre a democracia americana a presença na mídia (Estadão) do jornalista Fernão Lara Mesquita que escreve também em www.vespeiro.com, sendo os dois últimos de seus artigos, “Como foi que eles conseguiram” e “ Revolução por revolução, melhor a sem sangue”. Seus escritos mostram em detalhes e profundidade as estruturas institucionais que possibilitam a prática democrática americana, num Pacto Federativo inteligente e eficaz do sistema público de um Federalismo descentralizado; a eficácia do voto distrital puro aplicado a todas as instâncias conjugado com o instituto do “Recall” ao qual se sujeitam todos os dirigentes públicos concursados ou eleitos (menos o presidente – impeachment), inclusive juízes, por votação direta dos eleitores em suas respectivas comunidades ou instâncias. É o controle da sociedade sobre a conduta dos dirigentes públicos e sobre a prática do equilíbrio orçamentário (despesa menor ou igual a receita tributária). Tais mecanismos viabilizam a resolução cabal dos problemas já nos nascedouros nos âmbitos locais e regionais, limitando o Poder Central às grandes questões nacionais em especial as relações com outros países cujo interesse nacional americano predominantemente são o Comércio Exterior, a Moeda, a Defesa e a Justiça.
Quais as principais atividades do presidente dos EUA, e demais dirigentes, se não essas?
“Como foi que eles conseguiram”, é o artigo que parcialmente transcrevemos a seguir: “(…) Quatro fatores, principalmente, concorreram para que somassem forças a partir da crise que levou ao pânico financeiro de 1893. A ação de todas as igrejas na crítica do estado de coisas e na pregação do social gospel, que associava a salvação individual também à “salvação social”, preparou o terreno. Mas foi a fundação da National Municipal League (NML), em 1894, amplamente financiada pelo empresariado que perdia com a corrupção, que profissionalizou a crítica do sistema e a busca de alternativas, pesquisando sistematicamente ao redor do mundo bons modelos de gestão das cidades, formando pessoal, prestando assessoria jurídica e legislativa e, principalmente, difundindo para o grande público as alternativas encontradas, municiando de argumentos e “estruturando em rede” os movimentos reformistas do país inteiro.
Também foi crucial o início de uma revolução no jornalismo americano, que evoluiu do sensacionalismo e do panfletarismo partidário para o jornalismo investigativo dos repórteres “revolvedores da sujeira” (muckrakers) da revista de Samuel McClure, que circulou entre 1893 e 1929 e expôs os intestinos da corrupção dos robber barons dos setores de petróleo, financeiro, do aço e outros, que constituíram monopólios maquiavélicos mancomunados com os donos das ferrovias e com políticos corruptos. Foram esses jornalistas, também, que pesquisaram e difundiram persistentemente nos EUA novos métodos de combate à corrupção, especialmente as ferramentas de democracia direta usadas na Suíça.
Os muckrakers e a NML deram a contribuição decisiva para a mobilização da opinião pública numa direção consistente apoiada numa espinha dorsal de sólido conhecimento.
O elemento sorte entrou, então, decisivamente em cena pela mão de Theodore Roosevelt. Vindo de fora dos currais tradicionais da política, ele foi o primeiro político do Ocidente a compreender a força do novo jornalismo nascente.
Jogando “fechado” com os grandes repórteres daquela geração, começou como chefe de polícia de Nova York, foi eleito na sequência governador do Estado e logo se tornou herói nacional ao enfrentar a máfia que dominava a política local havia décadas e controlava nacionalmente o Partido Republicano. Traído, foi “esterilizado” numa candidatura à vice-presidência, num golpe dos velhos caciques corruptos dentro da convenção republicana. Mas com o assassinato do presidente McKinley antes da posse “TR”, aos 42 anos, carismático e orador brilhante, tornou-se, em 1901, o 26.º e o mais moço de todos os presidentes dos Estados Unidos, servindo até 1909.
Sua primeira providência foi reviver o Sherman Antitrust Act de 1890, engavetado pelos antecessores, regulamentar a operação das ferrovias e instituir a preservação de um grau mínimo de concorrência a em cada setor em benefício do consumidor como limite legal da disputa por mercados. Ao mesmo tempo, atacou forte as bases do “caciquismo” que viciava a política, implantando eleições primárias diretas, eleição direta de senadores (antes indicados pelos Legislativos estaduais) e os direitos de recall, iniciativa e referendo popular dos atos dos Legislativos e Executivos estaduais e municipais.
Essas medidas vieram de encontro aos novos modelos de gestão das cidades a partir de eleições municipais despartidarizadas promovidos pela NML, o de City Council (um conselho eleito de cinco a sete membros executando todas as funções antes prerrogativas de prefeitos e vereadores) e o de City Manager (uma variação do mesmo sistema, mas ainda mais profissionalizado) e acabaram com o poder dos velhos caciques.
TR “picou” o poder econômico onde estava excessivamente concentrado e, na política, deu poder de polícia aos eleitores contra os representantes eleitos, o que matou o varejo da corrupção e garantiu a constante renovação de quadros. Desde então os EUA vivem em reforma permanente, mas com o povo, e não os políticos, dirigindo a pauta, o que explica toda a diferença de desenvolvimento, afluência e liberdade entre eles e o resto do mundo.”
A democracia fundada no Estado de Direito e na cidadania não é uma estação de chegada, mas uma maneira de viajar, visando desenvolvimento econômico, político e social para tornar o Brasil o melhor país do mundo para se viver bem.