PAPER 80: Projeto de País (EU SOU BRASIL!!!)
Tema: “Homenagem a Leandro Karnal.”
“Os quatro principais empenhos devem ser: garantir a paz, debelar a fome, assegurar postos de trabalho e a educação.”
Karl Popper
Nessa situação dramática que está vivendo a sociedade brasileira ao enfrentar a pandemia, comentamos em “PAPER”s anteriores nossa condição desfavorável: a desunião dos dirigentes públicos, posto que mesmo unidos já seria muito difícil enfrentar, dada a fragilidade econômica do País, uma doença que não é conhecida e o despreparo de recursos de equipamentos sanitários – ressalte-se, entretanto, que o desempenho noticiado dos recursos humanos sanitários tem sido admirável (os profissionais da Saúde).
Estadão, 28/03/2020, página A16, aqui transcrito do “PAPER”76, página 3/6: “País pode ter ao menos 44 mil mortes; isolar só idosos eleva número para 529 mil”. A projeção é do Grupo de Resposta à covid-19 do Imperial College de Londres: “Uma estratégia de isolamento social de manter só idosos em casa… …ainda poderia levar à morte mais de 529 mil pessoas no Brasil por covid-19. O número é metade do que se projeta para um cenário em que nada fosse feito no País para conter a dispersão do coronavírus (1,15 milhão de óbitos). Mas é bem mais alto do que a estimativa para um isolamento social rápido e amplo. Mesmo com essa restrição mais drástica, haveria ao menos 44 mil mortes pela doença.” “Nossa análise destaca as decisões desafiadoras enfrentadas por todos os governos nas próximas semanas e meses, mas demonstra como uma ação rápida, decisiva e coletiva agora poderia salvar milhões.”
Não surpreenderá se as mortes no Brasil atingirem 100 mil. Já em 06/04/2020, Estadão, página H2, a médica sanitarista Lígia Bahia, da UFRJ, recém chegada de viagem ao Japão, quando as primeiras notícias começaram a atingir o Brasil, em entrevista disse que o “isolamento vertical era uma invenção política sem nenhum fundamento científico. É política porque tenta identificar o ‘inimigo’ e o ‘aliado’, quando o vírus não escolhe suas vítimas considerando condições etárias ou social ”.
Diante de tal tragédia os dirigentes públicos brasileiros se propuseram a disputar quem “ficaria melhor na foto” (quanta falta faz a eles não conhecerem a biografia de Winston Churchill, especialmente na Segunda Guerra Mundial).
Mas, é preciso olhar para nós mesmos, e ver quem somos para projetar e realizar o que poderemos ser. É uma obra imensa, porém possível: “Primeiro pensa, depois faz.” Propomos a cada um de nós: exercer a exigência necessária na cobrança das responsabilidades dos que se propõem a nos governar, a começar por instituirmos no Brasil,- o que não temos -, as condições para possibilitar eleições que nos possam garantir governos eficientes e governantes bem sucedidos (em tudo que isso implicar).
Isso implica planejar e perseguir o sonho de que o Brasil se torne a melhor nação do mundo para se viver bem. É a bússola para uso da sociedade! “Seja qual for o seu sonho, comece. Ousadia tem genialidade, poder, magia.” Goethe.
É claro que não estamos objetivando ser uma potência hegemônica econômica e militar. Há bons exemplos : Canadá, Austrália, Escandinávia e mais alguns poucos países apresentam condições de alto padrão médio de bem- estar para suas populações, Viver bem requer sabedoria, que pode ser encontrada vindo dos expoentes da filosofia, das letras, das artes desde muito tempo. Bem como nos cidadãos comuns de hoje, simples e sábios, e que muito têm a contribuir. Há os que têm se aprofundado nos conhecimentos e experiências de nossos dias e muito nos ensinam,- os Karnal, os Cortella e os Pondé -, bem como o vietnamita Thich Nhat Hanh, que vive na França, e o alemão de nascimento, – Eckhart Tolle -, formado na Inglaterra, dentre tantos.
Em “O poder do silêncio” Tolle, na página 17, nos ensina agora: “Você precisa saber mais coisas do que já sabe? Você acha que o mundo será salvo se tiver mais informações, se os computadores se tornarem mais rápidos ou se forem feitas mais análises intelectuais e científicas? O que a humanidade precisa hoje é de mais sabedoria para viver. Mas o que é a sabedoria e onde pode ser encontrada? A sabedoria vem da capacidade de manter a calma e o silencio interior. Veja e ouça apenas. Não é preciso nada além disso. Manter a calma, olhando e ouvindo, ativa a inteligência que existe dentro de você. Deixe que a calma interior oriente suas palavras e ações.”
Conduzir um país de 210 milhões de habitantes, num território de 8.500 km², e ambicionar ser a melhor nação do mundo para se viver bem, é muito mais que a ânsia de produzir e crescer economicamente e manejar instrumentos de coerção; essa condução requer sabedoria, espiritualidade, filosofia, como suporte para as estratégias e planos, visando tal objetivo.
Chegamos a expressar em “PAPER”s anteriores que, no âmbito mundial, o Brasil tem tido talentos de destaque em quase todas as atividades humanas; não os tem na POLÍTICA, objeto de nossos estudos e propostas, desde a fundação da nossa instituição em 1990.
“POLÍTICA é uma obra de arte coletiva”, capaz de realizar maravilhas que desejamos, bem como evitar desastres , tal como a história mostra.
Não há como afastar a barbárie que sempre ronda, e muitas vezes vence; evitala não é episódio isolado, tem seu tempo de agir, conquistar, zelar, consolidar e evoluir. De Platão: “A punição aos bons”, omissos, “é serem governados pelos maus”, que agem. Millôr Fernandes também deu sua contribuição: “O mundo só será salvo quando dermos aos bons suficiente maldade para impor aos maus sua bondade.”
O difícil e até penoso destino de um político, na acepção nobre e correta, não é jornada para um ser isolado; é aquela vida sempre rodeada de outros. E para tanto há que se dispor do instrumento adequado: PARTIDO POLÍTICO, que reúne pessoas, compromete-as e torna-as missionárias.
É preciso focar e analisar o que aconteceu recentemente na recondução de Merkel à liderança da Alemanha. Após a aliança dos dois mais fortes Partidos em torno de seu nome, os dirigentes partidários tiveram de cumprir os dispositivos estatutários. Cerca de 5 milhões de militantes, em cada partido, tiveram, separadamente, de conhecer e votar os termos do acordo, num documento de centena de páginas. Após a votação, com a aprovação, as cúpulas partidárias puderam proceder aos atos formais. A população deve sentir segurança por quantos contribuíram para aquele entendimento, que lastreou a candidata, já conhecida, e bem-sucedida.
Todos esses conceitos e procedimentos alicerçam um Projeto de País. Dispositivos que possibilitem perseguir a melhor escolha de quem vai nos governar é decisivo. Sempre pode haver erros. Mas errar e acertar é o caminho.
Mas não só militantes partidários em todas as instâncias (local, regional, nacional) compõem a POLÍTICA; todos os valores culturais e os talentos, em que se incluem o cidadão comum, a imprensa, a literatura, as artes, as Universidades, os Centros Culturais, Clubes de Serviços, Sindicatos de empregados e empregadores, Entidades de Classe, religiões e esportes, formam a opinião pública, que influencia a consciência política da sociedade para as decisões, principalmente as do interesse nacional e do bem comum., Por essa razão não existe política sem a participação da imprensa, visto que ela expressa a opinião pública, sem, no entanto, representá-la. De Mark Twain (1835-1910) , escritor americano: “Políticos que se queixam da imprensa são como comandantes do navio que se queixam do mar.”
Diante de tais considerações, dada a feliz divulgação pelo Estadão em 20/05/2020, página H6, do texto intitulado “Cem sem Clarice”, vimos prestar nossa modesta homenagem ao autor do texto, Leandro Karnal, historiador, professor, conferencista renomado, intelectual ativo e de reconhecido brilhantismo, que vem prestando inestimável presença, em todos os âmbitos, com seus benfazejos conhecimentos e ensinamentos.
A homenagem prestada a ele em vida, e em sua plena atividade intelectual e profissional, visa possibilitar a grandeza de sua iniciativa , relembrando a notável escritora Clarice Lispector, com destaque no Brasil e no exterior, entre os mais expressivos ícones da Literatura brasileira. Karnal e Lispector comprovam a presença de talentos brasileiros no mundo, e que devem compor o acervo cultural brasileiro a influenciar a POLÍTICA.
A propósito, é oportuna a manifestação a respeito do Brasil, feita pelo cubano Chucho Valdés, um dos mais notáveis pianistas de jazz e de latin jazz de todos os tempos, que vive em Nova York: “das coisas que mais sente falta neste momento: o contato direto que sempre tivemos, o beijo, o aperto de mãos. Temos perdido a comunicação pessoal, mas nunca perderemos a espiritual.”
Chucho, em entrevista a propósito da Covid-19, (Estadão, 21/05/2020, página H6):
Perguntado: “Os brasileiros foram conhecidos no mundo pela música que fazem, por muitos anos. Isso pode estar mudando?”
Resposta: “A essência do Brasil, a música que vocês fazem e sua cultura, jamais poderão ser destruídos. Nem a covid-19 nem a covid-10 mil poderão acabar com isso.”
A seguir o texto de Karnal, “Cem sem Clarice”, no ano em que Lispector faria 100 anos: “Cem sem Clarice
Autora foi fundo no abismo do desespero humano e tornou a dor uma alavanca criativa Leandro Karnal, O Estado de S. Paulo 20 de maio de 2020 | 03h00
No fim deste ano, se viva estivesse, Clarice Lispector completaria cem anos. Cem anos e estamos sem Clarice. Parei para pensar sobre como ela me atingiu. No Ensino Médio, tive acesso ao texto A Hora da Estrela. O último romance da escritora foi o meu primeiro contato com ela. Acompanhei Macabéa com o brilho de uma boa descoberta. Porém, confesso, talvez Clarice tenha razão quando pede, em um livro, que os leitores sejam almas já formadas. Gostei da jovem alagoana, compadeci-me de suas privações com a tia fanática, com o namoro ambíguo e a esperança inútil na cartomante. Fui seduzido pela narrativa e, no entanto, volto a dizer, Clarice talvez não seja a autora ideal para alguém de 15 anos. Anos mais tarde, o estilo introspectivo da ucraniana-brasileira chegou a mim pelo primeiro romance dela: Perto do Coração Selvagem. Clarice mais jovem e eu mais velho foi uma paixão que se adensou. Foi amor de verdade. A memória era de um livro que me fazia perder o sono e eu não parava de ler enquanto comia, para crítica acerba da minha mãe. Joana marcou minha vida como personagem queria emprestar a obra para todo mundo. Eu não imaginava que o salto seguinte seria o mais espetacular. Já professor, ganhei A Paixão Segundo G.H. Macabéa empalideceu, Joana diminuiu: aquele era, agora, o texto da minha vida toda. Nunca imaginei uma inteligência literária daquele porte. Eu tinha amado muitos autores brasileiros, todavia Clarice ocupava outra prateleira. Não era a beleza da semântica de José de Alencar, a ironia brilhante de Machado de Assis, a brasilidade iconoclasta dos Andrades (Oswald e Mário) ou a identidade regional que eu venerava em Erico Verissimo. Eu tinha tido uma paixão aguda pelos volumes de Eça de Queiroz na biblioteca do meu pai. Todos eram espetaculares e eu os carrego comigo até hoje. O volume de A Paixão Segundo G.H. eu guardo rabiscado há 30 anos. O mais dramático é que eu posso dizer com clareza total o motivo de eu achar Vidas Secas de Graciliano Ramos um marco. Também sei o motivo de cultivar sistematicamente a leitura da grande Lygia Fagundes Telles. Hamlet, de W. Shakespeare, foi o livro que li mais vezes na vida. Lembro-me até hoje da primeira vez que conheci o Quixote de Cervantes. Foi uma revolução. Custoume um pouco mais banhar-me das margens dos rios de Guimarães Rosa, porém, uma vez que mergulhei, saí transformado. Conservador e católico, fui positivamente chocado por Nelson Rodrigues na juventude. Preciso confessar: nada lido antes se comparou ao furacão provocado pelas reflexões da enigmática G.H. O motivo? Até hoje não tenho certeza, provavelmente apenas eu possa repetir as ideias: “Estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender”. Ou: “Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda”. Era o que sempre senti e que só agora, pela pena da autora, podia expressar. Era o que sempre temera encarar: como redefinir a vida sem respostas de sistemas externos e acabados, religiosos e filosóficos. Clarice foi fundo no abismo do desespero humano e emergiu com mais densidade do que qualquer outra pessoa no século 20 na língua portuguesa. Li a biografia dela bem depois. Benjamin Moser fez um trabalho ótimo. Também devorei os contos que ele organizou. Nos pequenos relatos vi, de novo, o brilho genial da mestra da língua. G.H. foi mais adiante: além de brilhante como escrita, é impactante como percepção. Geralmente acho tediosos os fluxos de consciência porque eles despertam uma subjetividade tamanha que só vale para o autor. Clarice parecia uma mulher atormentada. Porém, de forma fascinante, tornou a dor uma alavanca criativa. Em 10 de dezembro deste ano, ela faria cem anos. Sua vida acompanhou as tragédias do nosso tempo. Antissemitismo, emigração, a memória das guerras, as oscilações políticas no Brasil entre ditaduras e espasmos democráticos. Vi Beth Goulart encarnando a autora no Rio de Janeiro. A semelhança física se tornava notável e o talento da atriz iluminou o gênio da escritora. Existem bons pintores e existe Diego Velázquez. Existem bons autores e existe Kafka. Existem ótimos autores e existe Clarice Lispector. De onde saem esses meteoros fulgurantes e escassos? Creio que nunca saberemos. Volto a dizer. Clarice é autora madura para mentes maduras. Ela não atende problemas comezinhos ou seres ainda muito presos ao aqui e agora. Talvez, o maior indicativo para saber se é hora de acessar Clarice seja um pouco da experiência de G.H. no apartamento: o enfrentamento denso e produtivo da solidão. Se você precisa estar sempre com muitas pessoas, se não consegue jantar sozinho ou ir ao cinema só com sua pessoa, creia-me, ainda não é hora de ler Clarice Lispector. Clarice implica vida interior mais elaborada, não exatamente erudição, porém capacidade de enfrentar bem uma noite de sábado tendo a si por espelho e companhia. Não consegue? Não se preocupe, ela esperou um século, pode esperar uns dez anos a mais. Ela aguarda. É preciso ter esperança e é necessária paciência pela hora da sua estrela ficar autônoma para ler G.H.”
A democracia fundada no Estado de Direito e na cidadania não é uma estação de chegada, mas uma maneira de viajar, visando desenvolvimento econômico, político e social para tornar o Brasil o melhor país do mundo para se viver bem.