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PAPER 83: Projeto de País (EU SOU BRASIL!!!)

Tema: “O mundo não vai esperar pelo Brasil.“

“O Brasil, se quiser sobreviver, não poderá cruzar os braços, indolente e resignado, esperando dos céus aquilo que não sabe criar em suas próprias terras.”
Oswaldo Aranha, 1947

 

Enquanto dormia Gulliver foi amarrado…*

Crises fazem grandes líderes, construtores de suas nações… Mas não no Brasil.

 ‘Depois do naufrágio, Gulliver com muito esforço consegue chegar à praia. Atira-se ao chão e adormece profundamente. 

Ao acordar não consegue se mover. Estava amarrado ao chão dos pés à cabeça, inclusive pelos cabelos’

‘Viagens de Gulliver’, Jonathan Swift, 1726

Mais recentemente, quando penso no Brasil vejo a imagem de Gulliver amarrado ao chão. Somos neste 2018 um Gulliver atado. Enquanto dormíamos o tempo passou e com ele, as oportunidades. Embora gigante, não conseguimos nos livrar das amarras com que os habitantes de Liliput – homenzinhos de uns 15 cm de altura – nos prenderam.

Por que não conseguimos nos livrar das amarras? Porque nós mesmos, na inconsequência de quem acha que sempre haverá tempo, nos entregamos a uma política sem grandeza que nos levou à paralisia. Amarrados a uma crise de natureza social, política, econômica e cultural, desativamos as defesas com que podíamos vencer a crise.

Crises são desafios que devem convocar o melhor que temos para enfrentá-las. São oportunidades que fazem surgir líderes com lucidez, coragem, persistência e visão. Infelizmente, precisamos buscar esses líderes na História e em outras nações. São indivíduos que, como Lincoln, Gandhi, Churchill, De Gaulle, Roosevelt, estiveram à altura do momento em que lideravam seus povos. Crises fazem grandes líderes, alguns até mesmo construtores de suas nações… Mas não no Brasil.

Não podemos usar a crise como alavanca para o avanço por que não podemos contar com nossas instituições políticas: os três Poderes estão amarrados como Gulliver.

Senadores e deputados, o Executivo e seus ministérios perderam as condições para resolver a crise. Preocupam-se com os processos em que estão envolvidos e na reeleição. Protelam decidir matérias de gravidade como a Previdência. Não bastasse, o STF, pelos conflitos pessoais e políticos que abriga, se autobloqueia. 

Como superar uma crise dessa gravidade se vivemos uma batalha surda em que grande parte dos valores indispensáveis à convivência social e a uma cultura política democrática são desprezados e contestados, dividindo a Nação em blocos antagônicos?

Nossa política foi penetrada por práticas e princípios que se opõem abertamente aos valores centrais de qualquer democracia. Nossa política deixou em segundo plano a discussão sobre políticas públicas para discutir a própria organização da sociedade. Abriram-se então as comportas para que todos os valores que regulam a vida social entrassem em questionamento: família, religião, propriedade, crime, liberdade de imprensa, mercado, competição, democracia representativa, livre-iniciativa, educação, liberdade de imprensa, responsabilidade individual, mérito.

Pratica-se aberta e ostensivamente uma política em que as ideologias penetram todas as esferas da vida como uma nova ética; em que as relações pessoais e familiares são inferiores em importância às relações fundadas na ideologia; em que todo aliado é virtuoso e bem-intencionado e todo adversário é mal-intencionado e criminoso; em que se nega a existência de princípios absolutos na moral e na religião; em que se confunde educação e doutrinamento; e na qual o objetivo buscado legitima qualquer ato que contribua para atingi-lo. 

Não são poucos os que argumentam que toda disciplina é odiosa; toda autoridade legal é ilegítima; que a liberdade verdadeira só existe quando há igualdade absoluta; que a responsabilidade é um conceito perigoso porque provoca desigualdades e individualiza situações que deveriam ser coletivas; que toda diferença social é uma exploração; que o mérito é um critério pernicioso por provocar a discriminação e a desigualdade; que todo delinquente é vítima; que a verdade e todas as demais virtudes são relativas.

Já se diz entre nós que obedecer e fazer obedecer à lei e punir criminosos faz mal à economia do País; que, dependendo de quem é acusado, a culpa é absolvida pela intenção; em que “se eu fiz, mas tu também fizeste” estamos iguais, nenhum pode acusar o outro e eu estou inocentado.

Já se pratica uma política em que a lei vigente poderá ser respeitada sempre que for politicamente conveniente, caso contrário ela deverá ser assediada e contestada continuadamente para desgastá-la e derrogá-la na prática. Neste contexto, a qualidade da discussão política cai dramaticamente: o grito equipara-se ao argumento, a coerência é substituída pela desfaçatez, a ousadia afasta a prudência; a mentira se impõe como verdade; a publicidade se encarrega da persuasão.

Esta listagem nem se tornou ainda universal em nossa cultura política, nem esgota as linhas de conflito nessa batalha política pelos corações e mentes dos brasileiros. Vivemos, se me é permitida a ousadia de afirmar, uma “situação constituinte”, por via da qual normas são derrogadas e caem em desuso pelas manifestações de rua e pela ousadia dos atrevidos, perante as quais os Poderes se submetem pelo silêncio. 

Esta listagem, embora reduzida, dá uma ideia do quanto nós avançamos na destruição dos fundamentos de uma sociedade democrática, próspera e civilizada. Ela nos alerta para o quanto já foi perdido e será necessário recuperar.

O fato é que muitas de nossas escolhas foram erradas e, quando não erradas, fracas; nossas decisões sempre evitam o custo político das ações; nossa percepção do tempo é singular: vivemos um presente fugaz, mas sem sacrifícios; para trás está o território das heranças malditas e para a frente, o futuro que certamente será glorioso, ainda que nada façamos para realizá-lo. No tempo presente nossa convicção mais profunda é de que o Estado sempre terá recursos para bancar a despesa pública; a tarefa do governo, então, é distribuir, não estimular a produção, e quando faltar aumenta-se a despesa e se compensa tirando a gordura dos que têm mais.”

*FRANCISCO FERRAZ, professor de ciência política e ex-reitor da UFRGS. É criador e diretor do site www.mundodapolítica.com.br – O Estado de S.Paulo-16 de maio de 2018

A leitura que você acaba de fazer, ao nosso ver, retrata nossa condição como país. E não se tem notícia de que no âmbito burocrático/político haja alguma preocupação com o futuro, em mudar o que está aí e que não tem dado certo, mormente nas últimas décadas.

O artigo do professor Francisco Ferraz foi publicado em 16/05/2018 em plena crise iniciada em maio/2014 no Brasil. Trata-se de uma crise brasileira que ainda não foi resolvida. Desempregos e dificuldades geradas para as empresas ainda estão acontecendo. Após o aparecimento da pandemia o Brasil tornou-se cativo dessas duas crises concomitantemente: o PIB que nos dois primeiros anos somou 8 pontos negativos e nos três anos seguintes foi de aproximadamente 1% ao ano.

A seguir relacionamos oito artigos que, ou tratam de situações que decorrem dessa condição como país ou são situações cujas soluções ficam inviáveis em função da referida condição.

Para acessar esses oito artigos, ou qualquer outro artigo que tenha lastreado argumentação de “PAPER” anterior, o procedimento é o seguinte: primeiro, acessar o Blog www.conselhobrasilnacao.org; segundo, após o que, das três possibilidades acesse o campo Artigo, digitando o nome completo do artigo de seu interesse; terceiro, caso você queira acessar qualquer “PAPER” basta digitar “PAPER” seguido do número dele; quarto, caso você queira acessar manifestos é suficiente digitar MANIFESTO seguido do número dele (de 1 a 5), ou também você pode ainda acessar o Anteprojeto de Constituição Brasil-Nação do Conselho Brasil-Nação, apresentado ao Congresso Nacional em 1993 (Revisão Constitucional), mencionado em diversos “PAPER”s.

A seguir os artigos:

  • “Empresas se reúnem para buscar soluções para o pós-pandemia”, Estadão de 30/05/2020, página B12

Renee Pereira, jornalista.

 

  • ‘Nem a antipolítica, nem a política antipovo”, Estadão de 05/05/2020, página A2

Fernão Lara Mesquita, jornalista.

 

  • “O governo não possui programa econômico”, Estadão de 04/05/2020, página B2

Cláudio Adilson Gonçalez, economista, diretor-presidente da MCM Consultores, foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da assessoria econômica do Ministério da Fazenda.

 

  • “Depois da doença, a dívida”, Estadão de 04/05/2020, página B4

The Economist (publicado sob licença).

 

  • “Ajuda estatal não pode criar parasitas”, Estadão de 04/05/2020, página B5

Mariana Mazzucato, professora da University College London e membro do Comitê de Reconstrução da Itália – entrevista..

 

  • “A natureza e o verdadeiro escândalo da Covid-19”, Estadão de 11/05/2020, página A9

Fareed Zakaria, Colunista The Washington Post.

 

  • “As epidemias, início e morte dos impérios”, Estadão de 01/05/2020, página B2

Celso Ming, jornalista e colunista.

 

  • “Brasil está voltando ao Mapa da Fome, diz diretor da ONU”, Estadão de 12/05/2020, página A9

Daniel Balaban, chefe do escritório brasileiro do Programa Mundial de Alimentos da ONU – entrevista.

Qualquer observador da política brasileira, minimamente atento aos acontecimentos, há de convir que a melhoria das condições do País não será obtida através de leis ou de reformas pontuais, como os fatos provam.

Com efeito, a análise crítica de nossa realidade comprova que todas as propostas levadas ao Congresso Nacional são desvirtuadas, são de tramitação lenta, e no geral são pontuais.

O enfoque deve ser sistêmico pelo fato de que reformas sobre reformas ocorridas no último século, nos levaram a crises permanentes como elucidado no “PAPER”79 (20/05/2020, página 2/8 e 3/8) e outros anteriores. Essas crises geraram consequências para a economia brasileira, cujo cenário social todos conhecemos, agora totalmente desnudado e melhor mostrado em consequência da pandemia do covid-19.

O jornal O Estado de S. Paulo (28/02/2018) realizou o Fórum “A Reconstrução do Brasil”, no qual promoveu debate com três importantes juristas (ver “PAPER”16 de 05/03/2018) em que algumas opiniões são transcritas a seguir:

“Nelson Jobim, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal: ‘Precisamos fazer uma lipoaspiração na Constituição, retirar todos esses excessos para reconstituir a harmonia de Poderes.’

Eros Grau, ex-ministro do STF: Sobre a aplicabilidade da Constituição, citou o ‘tamanho’ da constituição norte-americana. A Carta dos Estados Unidos tem apenas sete artigos e 27 emendas, enquanto sua contraparte brasileira já nasceu com 245 artigos. Comenta ainda: ‘O Supremo se transformou num grande espetáculo televisivo.’

Joaquim Falcão, professor de direito constitucional da FGV-RJ, ao comentar a ‘luta’ pela constitucionalização de direitos por algumas categorias, divulgou um estudo que mostra que funcionários públicos tem 16 vezes mais chances de levar temas para o julgamento no Supremo Tribunal Federal em comparação com trabalhadores do setor privado. ‘Os funcionários públicos constitucionalizaram todas as suas pretensões durante a Constituinte.’”

Em livro sob o título “Presidencialismo de Coalizão”, o cientista político e sociólogo Sérgio Abranches assim se expressou, com citação no “PAPER”30 de 26/10/2018, página 2/8:

A história brasileira tem mostrado que, em geral, nos sucessivos impasses nascidos em nossas contrariedades sociais, a solução emerge sob alguma forma de compromisso que adia o enfrentamento de conflitos e clivagens enraizadas em nosso tecido social. O compromisso necessário para aprovação do texto constitucional de 1988 ficou aquém de nossas necessidades constitucionais, e que só uma Constituinte, uma Reconstituinte, isolada dos afazeres legislativos ordinários e cercada por regras de precaução política, pode fazer a revisão institucional e constitucional de que precisamos. A mudança para nos ajustarmos ao século XXI pressupõe que examinemos nossa arquitetura institucional como um todo, não apenas a forma de governo ou o regime eleitoral. Precisaremos refundar nossa República. Por que Reconstituinte? Porque ela iria reescrever o pacto constitucional de uma nação existente e de uma democracia que, embora falha, tem se mostrado resiliente.”

Da leitura do artigo do professor Francisco Ferraz, transcrito na íntegra neste “PAPER”83 e dos 8 artigos acima, e acrescidas das informações contidas nos “PAPER”s16, 30 e 79, os argumentos que formam nossas convicções ficam reforçados. A crise de maio/2014 (não resolvida), sobreposta pela pandemia da Covid-19, pegou o País com o endividamento público de R$ 5,7 trilhões até janeiro/2020, decorrente da aplicação da Constituição de 1988, em inusitada fragilidade econômica e sofrida condição social de POBREZA. Nesses seis anos (desde maio/2014) não vislumbramos sequer um sinal mínimo de que, nas presentes condições constitucionais e institucionais, possa acontecer no Brasil a confirmação de que “crises fazem grandes líderes, construtores de suas nações…”

Por todo o exposto nesse rico repositório dos ensinamentos aqui mencionados, emergem duas vertentes principais das prioridades que devem ser estudadas pela Nação brasileira, através de suas mais esclarecidas mentes: uma vertente social e outra institucional.

Sob o aspecto social, os brasileiros não podem mais admitir como um fato normal e aceitável a existência das chamadas “comunidades”, que nada mais são do que favelas desprovidas das condições mínimas de habitabilidade; são verdadeiros amontoados de seres humanos, nossos irmãos brasileiros, convivendo com esgotos a céu aberto, expostos às doenças, à fome e à miséria, que a pandemia do Covid-19 desnudou de vez, para nossa tristeza e vergonha; não dá mais para conviver com essa deplorável realidade social, como se fosse algo natural que possa ser explicado e justificado; é preciso que a Nação brasileira reaja com indignação patriótica e se revolte contra esse quadro lamentável, exigindo do Estado uma solução que aponte no sentido de se extirpar essa vergonha de nosso tecido social.

O saneamento básico, o tratamento da água, do esgoto e do lixo, componentes essenciais de uma política de meio ambiente e saúde púbica, bem como a gradual, mas competentemente programada extinção das favelas brasileiras, devem ser os pilares da reconstrução de uma estrutura social mais digna, justa e igualitária.

E quanto à vertente institucional, não vemos outro caminho, em que concordamos com o cientista político e sociólogo Sérgio Abranches, que não seja proveniente de consulta popular para obter autorização do povo, democraticamente mediante a eleição de uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva, nos termos de nossa proposta na página 4/7 do “PAPER”81 de 06/06/2020, também apresentada na página 1/5 do “PAPER”52 de 29/08/2019, qual seja:

Como exposto em nossos Manifestos 1 e 5 a proposta deste Conselho não é de mais uma Constituinte composta por políticos, como tem sido ao longo de nossa História. Agora, é uma Constituinte exclusiva, com a sede dos trabalhos fora de Brasília sem vinculação com qualquer instituição vigente e com o funcionamento normal do atual Sistema Institucional constituído, com seus membros eleitos pela população entre cidadãos que não tenham exercido função pública nos últimos 20 anos e que fiquem impossibilitados de exercê-la nos 12 anos subsequentes. O texto constitucional resultante, será submetido à aprovação da população, quando então se extinguirá a Constituinte. Se aprovada entrará em vigor a nova Constituição. Caso contrário permanecerá vigindo a Constituição atual.”

Os poderes constituídos  (Executivo, Congresso Nacional e Judiciário) devem continuar a  ocupar-se do que estão fazendo atualmente; a Constituinte irá ocupar-se da construção de novas condições constitucionais e institucionais (após aprovada pela população e em vigência a nova Constituição, o Congresso Nacional procederá incontinente a adaptação dos Códigos e das Leis em obediência às novas disposições constitucionais); fica clara a distinção entre Governo e Constituinte.

O risco é a opinião pública se deixar levar só para a tratativa das crises (a de maio/2014, a da pandemia e a política – esta ao que parece,  artificial e oportunisticamente provocada) e deixar de enfrentar a luta maior e prioritária, que é de construir as condições de país do Brasil (seus problemas maiores, institucionais). O mundo não vai esperar pelo Brasil.

Ainda há tempo de uma solução à altura do problema que é a condição de país do Brasil. Não é obra, no entanto, para um só “salvador da Pátria”.

Não se trata só de encontrar um líder que mostre esse caminho, mas que comande essa ‘largada’ histórica e heroica, com o comprometimento de todos os líderes de todos os setores, dentre os quais deve haver uma estruturação com unidade de comando à altura do desafio e com poderes para tanto, cuja prioridade seja a organização da POLÍTICA (ver “PAPER”35 de 15/01/2019), a reorganização institucional com destaque para novo e eficaz Pacto Federativo (ver “PAPER”40 de 11/03/2019).

A “estruturação com unidade de comando” e “com poderes para tanto” é a Assembleia Nacional Constituinte exclusiva, cujo produto resultante brindará a Nação brasileira com nova Constituição, na comemoração do bicentenário da Independência do Brasil.

A democracia fundada no Estado de Direito e na cidadania não é uma estação de chegada, mas uma maneira de viajar, visando desenvolvimento econômico, político e social para tornar o Brasil o melhor país do mundo para se viver bem.

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One Comment

  • Leandro Ferreira da Silva

    A nossa carta magna, tem que parar de querer ser um “livrinho” e, com muito esforço, tornar a ser um de fato. Sim, um livrinho flexível e adaptável aos novos tempos.
    Tempos esses, que lá atrás, nem mesmo a ficção, conseguiu retratá-lo. Ok, o carro ainda não levanta vôo, por enquanto.
    Queremos um “manual” que seja leve e flexível e adaptável ao tempo presente.
    Vivemos de crise em crise, qual será a próxima? Após a pandemia, é imperativo acelerar as possíveis mudanças, sobretudo, constitucional e quiçá tributária.

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