Mídias,  Paper

PAPER 89: Projeto de País (EU SOU BRASIL!!!)

Tema: “Retomada: Qual é o Plano?” (2)

 

“Não há nada mais humilhante do que não conseguir o fruto por medo de sacudir a árvore..”

Carlos Menem, ex-presidente da Argentina

Trazemos mais informações que visam enriquecer o conteúdo do “PAPER”88 ao oferecer mais detalhes e também conceitos contidos em alguns artigos que foram então transcritos parcialmente.

Por que artigos? Porque a mídia escrita é mais eficiente para o debate público que precisa ser estimulado no Brasil de nossos dias. São espaços da mídia onde temas podem ser tratados na profundidade indispensável para formação da opinião pública amadurecida capaz de eleger soluções eficazes a serem implementadas.

Tem sido comum em nosso País, postergar, esquecer e desconsiderar a solução de problemas, por parte de quem deveria – os governantes – ouví-la e valorizá-la como autêntica fonte de soluções para as necessidades da sociedade. Alguns exemplos:

  1. Podemos citar o ressarcimento dos investidores prejudicados como consequência dos diversos Planos econômicos no âmbito do governo federal, que demandou mais de 40 anos para se chegar a um acordo. Prejuízo irreparável. Onde estão os princípios republicanos?
  2. É comum não levar em conta as opiniões de pessoas, seja por conhecimento ou experiência, relativas às reformas constitucionais por quanto ser a Receita Tributária do Estado menor que a Despesa. Não há controle sobre o gasto público. Mas resulta que os governantes não agem, e a sociedade vai aceitando, vai se aculturando, comprometendo gerações futuras. Ao final o País está sempre em crise, desconsiderando a pandemia que é outra coisa; referimo-nos às crises domésticas. Muito boas soluções podem vir se os governantes as ouvirem.
  3. O voto distrital puro adotado na Alemanha e nos EUA com excelente resultado para a democracia e para o eficaz funcionamento do Estado, enquanto que no Brasil essa proposta se arrasta desde a redemocratização sem decisão. E “todo mundo” a reclamar que não sabe em quem votou para deputado; e vice-versa, o deputado não sabe quem é seu eleitor. É requerida postura de estadista dos governantes, não postura de conveniência.
  4. Os Precatórios, que são créditos de cidadãos e/ou empresas frutos de decisões judiciais transitadas em julgado. O devedor é o Estado brasileiro. Os pagamentos são sempre protelados por decisão do Congresso Nacional – a imprensa tem informado que o total é da ordem de R$ 140 bilhões – que se arrasta por dezenas de anos. Prejuízos irreparáveis, cuja não punição está amparada pela Constituição. Por que não aplicar ao contribuinte mesmo tratamento dado ao inadimplente para com o fisco?

Escreve o professor doutor Ives Gandra Martins (Estadão, 25/01/2018), “Brasília, a Versalhes de Luis XVI no Brasil de 2018”: “A corte de Versalhes estava distanciada da realidade francesa, como a corte brasiliense de burocratas e políticos está distanciada das necessidades brasileiras, pouco sensível ao alerta de especialistas…” e dos movimentos cívicos (“PAPER”13, 30/01/2018). 

REDUÇÃO DO CUSTO DO ESTADO

Desde 1990 Conselho Brasil-Nação posiciona-se pela adoção no Brasil de Federalismo descentralizado para estrutura do Estado, como praticado nos EUA e Alemanha. É um dos pilares do tema do “PAPER”88, anterior a esse.

O Federalismo descentralizado encerra estratégia eficaz ao estabelecer a não necessidade do grande número de funcionários federais hoje existentes, de custo elevado para a União e fortemente organizados em uma corporação política, que muito influencia as decisões dos três Poderes da República.

No Anteprojeto de Constituição Brasil-Nação o Federalismo descentralizado é a essência da estrutura do Estado, cujo Pacto Federativo precede todas as demais reformas. A seguir os dois últimos Artigos do Anteprojeto, Art.98 e Art. 99:

Art.98. Ficam eliminadas do domínio e propriedade da União todas as instituições que tratam de matérias que não sejam de sua competência constitucional.

Parágrafo único. Os bens, recursos humanos e acervo de conhecimentos das instituições extintas deverão ser transferidos para os Estados-Membros, Distrito Federal ou Municípios, aos quais pertencer a respectiva competência institucional.

Art.99. As constituições dos Estados-Membros deverão conter em suas disposições gerais a eliminação de todas as instituições, do domínio e propriedade dos Estados-Membros, que tratam de matérias que não sejam de suas competências constitucionais.

Parágrafo único. Os bens, recursos humanos e acervo de conhecimentos das instituições extintas deverão ser transferidos para os Municípios do respectivo Estado-Membro.

Seguem-se as íntegras dos textos dos articulistas, numerados de 1 a 5, mencionados no início deste PAPER:

  • Em 01/07/1994, em artigo no Estadão sob o título “União em apuros, o que fazer?”, de autoria do almirante-de-esquadra da reserva, Mário César Flores, no exercício do cargo de secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, deu sua experiente visão.

Esse artigo, da autoria de um militar estrategista, mostrou os diversos pontos de estrangulamento da estrutura do Estado amparados na Constituição de 1988. Mesmo não tendo sido feita a Revisão Constitucional de 1993, não se cogitou de reformas que dessem solução aos problemas mencionados no artigo desde 1994, portanto há 26 anos. Não foi dada atenção, ao pronunciamento daquela alta autoridade digna de respeito à exceção de decisões como LRF e “Teto de gastos”, que são ineficazes, pois sempre sujeitas a alterações que visam a flexibilização, causando distorções ou desvirtuamentos. O fato iniludível é que de 1994 para 2020, o endividamento público cresceu de R$ 63 bi para R$ 5,7 tri, podendo atingir R$ 7,0 tri em dezembro. Esse recurso financeiro possibilitaria ao País outro padrão de escolarização da população e de investimentos públicos na infraestrutura, bem como no financiamento industrial.

A seguir transcrita a íntegra do artigo:

“União em apuros, o que fazer?

Ministérios, Estados e municípios, produtores rurais, empresas pendentes de projetos ou ações do governo tudo o que depende de aportes, créditos e incentivos públicos reclama da União.

Recursos para saúde, educação, Previdência, transporte, comunicações, energia, ciência e tecnologia, preparo militar, serviços públicos, apoio à agricultura e exportação, habitação e saneamento estão aquém do desejável. Mas o país é rico em recursos naturais e terras agriculturáveis, conta  com razoável parque industrial e infraestrutura logística – hoje um tanto deteriorada -, já passou da infância tecnológica e teve até recentemente aparato de Estado e serviço público satisfatórios. O que está dificultando a vida nacional?

As pressões conjunturais internas, e internacionais contribuem, mas o que mais pesa é a pressão estrutural do desequilíbrio entre o pragmaticamente possível e o ideal exigido pela Constituição e pela cultura de Estado que supostamente tudo pode como banqueiro, cliente e protetor. Deixemos de lado a cultura e falemos sobre os gargalos do desequilíbrio constitucional.

Um deles é a mistura ambígua de autonomia estadual e municipal, descentralização financeira e competências concorrentes. Ela permite que Estados e municípios usem a autonomia, a descentralização (que reduziu a parte da União na receita tributária e aumentou a dos Estados e municípios, e as competências concorrentes de modo a usufruírem as primeiras, tendo a União como responsável pelo mau atendimento das competências. Faz-se necessário acabar com a ambiguidade, revendo a divisão do bolo e compatibilizando autodeterminação com auto-sustentação, tendo como contrapartida da autonomia a capacidade de honrá-la.

Também importante é a ordem econômica, que discrimina o aporte externo em país carente de capital, cultiva engessamentos econômicos e retém como propriedade pública atividades que o Estado não tem como conduzir e expandir de acordo com as necessidades, aparentemente sem outras razões que não interesse corporativo e o anacronismo ideológico. Essa situação tenderia a fazer do Brasil uma grande autarquia pobre, não fora o fato de que não mais é viável impermeabilizar fronteiras; é, portanto, preferível mudar controladamente a ordem econômica do que algum dia ter de mudá-la sob a pressão dos fatos… como está acontecendo na ex-URSS.

Outra questão é a seguridade social (Previdência, saúde e assistência). É bonito formular direitos de seguridade, mas o tema não se esgota com essa formulação, muito menos quando exagerada, como é o caso da aposentadoria antes da idade racional para o direito ao lazer. É preciso formular também como atender a seu custo, compatibilizando o ideal com o possível.

Finalmente, as vinculações orçamentárias. Estabelecidas com boa intenção, elas dificultam a administração democrática instrumentada pelos poderes eleitos e prejudicam outras necessidades. Não parece estranho obrigar um município onde o ensino está equacionado a dedicar 25% de seu orçamento à educação, se ele precisa é de hospital? O dogma bem-intencionado acaba produzindo o mau gasto ou o desrespeito à ordem constitucional.

Se não resolvermos esses gargalos – e uns poucos outros menos conspícuos, como as mazelas do serviço público –, vamos continuar “enrolados” no cobertor curto da insuficiência de recursos do Orçamento federal: descontados pessoal, Previdência, transferências para Estados e municípios, juros e aplicações vinculadas, sobra um percentual diminuto para saúde, transporte, comunicações, energia, segurança, habitação, saneamento, incentivos econômicos ciência e tecnologia, reforma agrária, etc. Não há mágica administrativa que de jeito nisso.

Pouco adianta tentar “driblar” o problema via prioridade: com orçamentos muito comprimidos, os recursos transferidos de projetos dotados de recursos irrisórios, para os grandes sorvedouros, destroem aqueles (também necessários) e pouco contribuem para esses; medidas dessa natureza tem mais valor retórico que real. A prioridade é geralmente vinculada ao social; vinculação correta, mas transporte, comunicações, segurança, desenvolvimento tecnológico e outros assuntos não classificáveis como seguridade, educação e habitação não tem importância social? Ou a classificação é apenas subterfúgio para o cobertor curto?

Também pouco adianta querer reduzir as dificuldades abjurando dívidas. Juros são parte da sistemática capitalista: ou a praticamos ou a negamos in totum. Há que reduzir o nível dos juros – e isso está em curso -, mas não atentar para eles induz consequências negativas na economia internacional e, exige ação autoritária, na nacional.

O simples aumento da carga tributária tampouco é solução, embora possa ser útil para situações emergenciais. Já praticamos carga tributária elevada para um país carente de investimentos; os efeitos de seu aumento pesarão menos na disponibilidade de recursos para uso público e mais na queda do investimento e no crescimento da sonegação.

Restam dois caminhos, o primeiro, condição para o segundo e ambos, condição para a continuidade e consolidação do sucesso do competente plano de estabilização econômica posto em prática desde março:

  • Correção dos gargalos constitucionais, para que os três níveis da Federação atuem de forma adequada a cada um e conveniente à sociedade, sem dogmas, mutiladores da administração democrática, ilusões utópicas e cerceamentos ideologizados e anacrônicos;
  • Aumento da receita via desenvolvimento equilibrado: mais investimento, maior massa salarial e mercado interno, e mais comércio internacional.

Complementarmente, há que mudar a cultura de Estado onipotente, cartorial, patrimonialista e protecionista – o que acontecerá com o tempo, uma vez reduzidos os suportes constitucionais e legais que a sustentam.

Sem isso só um milagre restabelecerá a saúde do poder público.”

  • Em 07/11/1994, Estadão, página B2, artigo sob o título “Reformas mais amplas”, o engenheiro Jomázio Avelar, empresário e presidente do Conselho Brasil-Nação, manifestou já com novo presidente e Congresso Nacional eleitos, a impropriedade da aprovação de Reforma Tributária isolada e dissociada da Reforma do Estado, mesmo erro no qual se propõe a incorrer o Congresso Nacional nos dias atuais. Abaixo a transcrição do mencionado artigo na íntegra:

 “Reformas mais amplas

Subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos” Nelson Rodrigues (1912-1980).

 A necessidade de se fazer a reforma tributária é consenso na sociedade informada, assim como também a reforma da Previdência. Mas por que só duas reformas? Por que não uma reforma maior, mais abrangente?

O Conselho Brasil-Nação vem discordando da abordagem segmentada ou tópica para as reformas. Temos defendido que a abordagem terá que ser global.

Estamos convencidos de que somente com reformas mais amplas e profundas será possível construir um mercado interno poderoso, compatível com a dimensão populacional do Brasil – e então, e principalmente -, adotarmos uma estrutura de Estado federalista com a redistribuição de poderes entre a União, Estados e municípios.

Se iniciarmos pela reforma tributária estaremos desestimulando o ataque as demais reformas. E, por melhor que ela seja, os recursos serão sempre insuficientes enquanto for mantida a atual estrutura do Estado brasileiro, unitário e centralizador. E a asfixia do setor público voltará mais rápida do que se imagina.

A abordagem global, definindo o todo – coerente, harmônico e articulado, num novo texto constitucional federalista –, é viável como tarefa para o Congresso Nacional ou é missão para uma Assembleia Revisora Exclusiva?

Não pode prevalecer a apatia e o comodismo de se supor que a iniciativa deve ser do novo presidente da República e a decisão do Congresso Nacional. A sociedade deve manter-se mobilizada e se pronunciar sobre os caminhos a seguir.

É preciso ajudar a governar. Sociedade amorfa e indiferente é sociedade cúmplice.

O impeachment do ex-presidente, Fernando Collor, e a Comissão Parlamentar de Inquérito do Orçamento marcaram o início de um processo destinado a gerar efeitos institucionais.

A posição da sociedade naqueles episódios permite-se nos concluir que eles não deverão mais ocorrer. Mas para tanto é preciso erradicar as causas da corrupção, da ineficiência gerencial do Estado, da inação do judiciário, do sucesso eleitoral de políticos ineptos e despreparados, destituídos de civismo e de idealismo.

O problema, portanto, é mais abrangente. As reformas terão que ir fundo no reordenamento jurídico-constitucional, para responder à altura ao julgamento das futuras gerações.

As gerações atuais têm todo o direito de atribuir a atual situação brasileira à omissão de gerações passadas, que não estiveram à altura dos problemas de que se ocuparam ou deviam ter se ocupado.

Estamos diante de uma oportunidade única – e não podemos desperdiça-la. Não haverá momento mais oportuno, nos próximos quatro anos, do que o que temos agora nos primeiros 90 dias para criarmos, numa única e simples decisão, o fórum próprio para as reformas institucionais global e profundas que a sociedade que Assembléia Revisora Exclusiva.

Não há chance para um governo bem sucedido se persistir a atual estrutura institucional. Insistir por aí será erro irreparável. Os presidentes anteriores não eram menos talentosos ou preparados. Não ver isso é se condenar ao insucesso. Governos bem-sucedidos só depois das reformas que institucionalizem o verdadeiro Federalismo.”

 

  • A fim de elucidar a evolução da estrutura do Estado do Brasil focado no Federalismo descentralizado, desde a Constituição de 1891, veiculado pelo jornal Valor Econômico de 30/05/2019, transcrevemos a seguir na íntegra o artigo do advogado e economista André Senna Duarte, mestre em economia pela PUC-Rio:

 “Crescimento econômico, democracia e federalismo.

No dia 27 de novembro de 1937, na extinta praia do Russel, onde hoje se encontra parte do aterro do Flamengo no Rio de Janeiro, a primeira de uma série de cerimônias públicas em celebração ao Estado Novo transcorreu.

Uma gigantesca bandeira brasileira foi estendida por trás de um altar a céu aberto. A cerimônia foi conduzida pelo arcebispo do DF. Três mil crianças com uniformes escolares cantaram sob a regência do maestro Villa-Lobos. Autoridades civis e militares cortejaram o presidente, Getúlio Vargas, juntamente com uma enorme multidão.

Após o discurso de Vargas, bandeiras nacionais em substituição às dos 20 Estados, DF e território do Acre foram hasteadas em preparação ao que seria o ponto culminante da celebração: jovens conduziram em fila as tradicionais bandeiras regionais para junto de uma pira, sendo as bandeiras incineradas individualmente.

Com a crise de 1929, diferentes nações buscaram concentrar os poderes na mão do Poder Executivo e, onde cabível, no governo central. Tal fenômeno ocorreu até mesmo nos EUA, com a criação de diversos programas federais. No entanto, se nos EUA a Suprema Corte e o Congresso estabeleceram limites que impediram a deformação do sistema, no Brasil de Vargas, sem sistema de freios e contrapesos, o federalismo instituído pela Constituição de 1891 foi queimado em praça pública.

Atualmente, com a maior crise econômica da nossa histórica em conjunto com o pífio desempenho da economia desde a redemocratização, cresce a busca por um novo caminho. Como a reconstrução do federalismo pode auxiliar no desenvolvimento do país? É possível responder a questão através de três argumentos: competição, inovação e eficiência.

Primeiramente, o federalismo promove a competição entre os governos subnacionais. Não havendo um governo central que forneça recursos e socorra os Estados em dificuldades, resta-lhes promoverem contas públicas saudáveis e um ambiente favorável de negócios.

O Estado ou município que decidir adotar linha contrária observará a migração de capital, de credores e de trabalhadores e, consequentemente, a perda de arrecadação e de qualidade do serviço público. Dentro de um sistema competitivo democrático, a migração de votos do incumbente para a oposição é a consequência natural.

No Brasil, como as normas e instituições são majoritariamente nacionais, os Estados têm dificuldade de competir. Além disso, como os recursos advêm em grande parte da União, os incentivos na adoção de práticas pró-mercado são limitados. Para a elite local, muitas vezes é melhor manter práticas populistas e ao mesmo tempo construir fortes laços de dependência com o governo federal. A dualidade sobre a reforma da Previdência pelos governadores do Nordeste é consequência destes incentivos.

A capacidade de promover inovação institucional é outro argumento favorável. Nos EUA, os governos subnacionais são laboratórios de inovação. A regulação de produtos e serviços, seguro desemprego, leis de combate à discriminação e proteção ambiental começaram com experiências locais exitosas que se espalharam pelo país antes de serem adotadas pelo governo federal. A competição entre os governos subnacionais é potencializada pela liberdade em inovar.

No Brasil, a concentração das atribuições normativas na União limita o surgimento de experiências bem-sucedidas. Em destaque, desde a era Vargas, o direito administrativo relacionado à contratação de pessoas, bens e serviços possui regras gerais de caráter nacional, que só podem ser modificadas pela União. O mesmo ocorre com as normas que regulam o orçamento.

A crise dos governos subnacionais provocada sobretudo pelo crescimento das despesas com pessoal é agravada pela falta de alternativas para reversão da trajetória. Não é sem razão que, apesar de recém-eleitos, muitos governadores não promovem ajustes fiscais relevantes por conta própria.

A descentralização torna os governos mais capazes de responder de forma eficiente às demandas da população. É natural que em um país como o Brasil haja diferenças de prioridades entre as regiões. A centralização dificulta o poder público de apresentar soluções adequadas para cada caso. Um bom exemplo é o estabelecimento em sede constitucional de gastos mínimos elevados e segregados para saúde e educação, em um país com enorme heterogeneidade demográfica por região.

O governo Bolsonaro possui o mérito de trazer para a pauta de discussão nacional o federalismo. Porém, simplesmente distribuir recursos para os Estados em troca de ajuste fiscal é estratégia falida. É fundamental que prerrogativas reservadas à União sejam repassadas aos Estados. Isto significa na prática que se um estado enfrenta dificuldades financeiras, este deveria ter autonomia orçamentária e liberdade para reduzir o quadro de pessoal, decidindo em quais casos a estabilidade do servidor é adequada.

O federalismo clássico aposta na capacidade das localidades de encontrarem soluções próprias aos seus desafios ao invés de esperar uma solução vinda do centro. Neste sentido, democracia e economia podem se beneficiar de um modelo mais descentralizado de país.”

 Recentes informações sobre os procedimentos usuais político-eleitorais previstos nos EUA, nas próximas eleições em novembro/2020, o jornalista Fernão Lara Mesquita divulgou artigo pelo Estadão de 28/07/2020, página A2, sob o título “O remédio que imprensa e elite escondem”, que elucida o quão o Federalismo descentralizado possibilita a participação do cidadão americano no exercício da cidadania é eficaz, e em que profundidade pratica a democracia. A prática é que forma o cidadão democrata.

A seguir transcrição do artigo na íntegra:

“O remédio que imprensa e elite te escondem.

É o mesmo que leva o povo americano a seguir leis que ele mesmo faz e ser o mais rico do mundo.

Existe alternativa para o “presidencialismo de coalizão”? É possível um “ideológico”, que não caia no toma lá, dá cá?

Não há resultado colhido que amacie a elite autoritária que insiste em “ensinar”, em vez de humilde e democraticamente aprender com “esse povinho que deus pôs aqui”, e a tudo responde com mais Estado, fiscalização e polícia. De instituições que educam não se fala jamais. Por que não partidos verdadeiros, em vez destes de comprar e vender? E financiamento de campanhas como o povo quiser, e não esses, de meretrício? E representação? Quem representa quem naquele disco voador sobre o Planalto Central que caga “políticas públicas” nas costas do Brasil?

Esta semana saiu balanço de meio de ano dos processos de recall e das questões para voto (ballot mesures) que cumpriram os requisitos para subir às cédulas da eleição de novembro nas cem maiores cidades dos EUA. Desde 1.º de janeiro o povo pôs em marcha 97 processos de recall visando 120 funcionários, de prefeitos para baixo. Quanto às questões para voto, 109 de alcance estadual já cumpriram os requisitos para qualificação.

Cada Estado, cada cidade define quais funcionários quer nomeados ou eleitos. A orientação geral é que todos com funções de fiscalização do governo, como promotores públicos ou fiscais de contas, ou contato com o público em funções sensíveis, como as de xerife ou policial, são diretamente eleitos e estão permanentemente sujeitos a recall. Qualquer cidadão pode iniciar um processo e se colher as assinaturas de uma porcentagem dos eleitores daquele cargo naquele distrito eleitoral (em geral entre 10% e 15%), convoca-se nova votação para a destituição e eleição do substituto.

Qualquer cidadão pode, também, propor uma lei ou desafiar uma do Legislativo local para referendo colhendo assinaturas. Tudo conferido pelo secretário de Estado, ela sobe à cédula da eleição mais próxima e quem tem ou não direito de votar cada questão é somente quem mora dentro do distrito eleitoral afetado, o que pode ser positivamente aferido no sistema de voto distrital puro, que amarra cada representante eleito aos seus representados pelo endereço.

Entre as 109 “questões para voto” já qualificadas há 65 legislatively referred, isto é, propostas dos Legislativos locais afetando questões como impostos ou outras que em votações anteriores os eleitores definiram como de referendo obrigatório, 26 leis de iniciativa popular, 5 referendos convocados pelo povo e 7 bond issues.

Os bond issues são pedidos de autorização a eleitorados de distritos específicos para emissão de dívida para melhoramentos em escolas públicas (a serem pagos só pelo bairro servido por ela com um aumento temporário do IPTU), municipalidades (a compra de um carro de bombeiros ou o aumento dos salários de determinada categoria de funcionários, por exemplo), construção de estradas e pontes (a serem pagas com pedágios), etc. Tudo precisamente definido – custo do bem, valor do empréstimo, juros, prazo de pagamento – para um “Sim” ou um “Não” apenas dos eleitores beneficiados pela obra.

Na longa lista das ballot measures desta compilação há temas como: poderes de nomeação de funcionários pelos juízes estaduais; reformulação geral da linguagem da Constituição (Alabama), seguida de ratificação pelo eleitorado; regras de financiamento de campanha; normas de taxação do petróleo; autorização para oculistas fazerem pequenas cirurgias; aprovação de verba de US$ 5,5 bi (Califórnia) para pesquisa de células-tronco; regras de imposto industrial; anulação de lei de iniciativa popular anterior proibindo “ações afirmativas” em que o Estado discrimina por raça, sexo, cor, etnicidade ou origem nacional quem ele vai ou não beneficiar; compra de áreas para reserva ambiental; legislação de caça e pesca; reformulação do sistema de redução de penas dando poderes aos parentes das vítimas de opinar nesses julgamentos; regulação da função de motorista de aplicativo; alteração das normas para provedores de tratamento de diálise; reintrodução de lobos cinzentos em áreas selvagens; aumento do salário mínimo por hora; regulamentação do uso de maconha medicinal ou recreacional; mudança da bandeira estadual (Mississippi); mudança das regras de eleição de governadores

A lista é infindável. Mas cada caso processado por esse sistema é mais um que sai do circuito das possibilidades de superfaturamento ou compra e venda de resultados, o que explica suficientemente por que o povo americano, que pratica esse sistema há pouco mais de cem anos, segue as leis que ele mesmo faz e se tornou o mais rico do mundo.

Por que, então, nossas imprensa e elite não estudam e divulgam esse método autoaperfeiçoável tão óbvio de provimento de soluções? Pela mesma razão por que não tocam nas lagostas e vinhos tetracampeões da privilegiatura, nem mesmo quando mais da metade do País está reduzida a viver da esmola de um Estado falido, cuja arrecadação a pandemia fez cair 30% só no mês passado. Uns porque estão deslumbrados pela luz do próprio umbigo, outros porque a doença deste país é sistêmica e quase nada está ou quer estar livre de contaminação.”

Mais informações sobre a prática da democracia nos EUA podem ser acessadas no Blog www.vespeiro.com .

  • É importante conhecer os fundamentos teóricos e doutrinários do Federalismo descentralizado, a mais eficaz defesa da democracia, que podem ser acessados no livro “O Estado Federal” SÉRIE PRINCÍPIOS (áreas de interesse – Direito, Política, Sociologia), de autoria do professor Titular de Teoria Geral do Estado da Faculdade de Direito da USP, Dr. Dalmo de Abreu Dallari, do qual transcrevemos parte a seguir:

 A organização federativa do Estado é incompatível com a ditadura. Isso tem ficado muito evidente através da História, não havendo exemplo de convivência de ambas. Onde havia federalismo e se instalou uma ditadura ocorreu a concentração do poder político. E mesmo que mantida formalmente a federação, a realidade passou a ser um Estado Unitário, com o governo centralizado. São exemplos disso a Alemanha com a ascensão de Hitler, o Brasil com a ditadura Vargas e a Argentina de Perón. Federalismo e ditadura são incompatíveis.

A partir desse dado, quase todos os teóricos que trataram do federalismo concluíram que ele é garantia de democracia. Entre os mais modernos teóricos do Estado Federal há inúmeros defensores dessa conclusão, procurando demonstrar que vive uma correlação necessária entre federalismo e democracia, chegando à conclusão de que basta adotar a forma federativa de organização de Estado para que se estabeleça a garantia de que a sociedade será democrática. Essa é uma questão de grande relevância, sendo importante conhecer a linha de argumentação em que se apoia tal conclusão, para se poder avaliar o real alcance político do federalismo. (…)

“Os Estados Unidos da América vivem, há duzentos anos com a mesma Constituição. O que tornou isso possível? Sem dúvida alguma, isto se deve, em grande parte, ao federalismo, que tem permitido conciliar os interesses particularizados, existentes em cada Estado- membro, com os interesses comuns de todo o povo norte –americano. Assim, também os Estados Unidos nunca sofreram a humilhação e a tragédia de uma ditadura, e uma vez mais aparece a organização federativa como uma das causas mais relevantes.”

 CONCLUSÃO: Nesse “buraco negro” ao qual fomos levados, a quarentena é um remédio com dois principais resultados: Primeiro – os cuidados que buscam impedir a propagação do mal e evitar a contaminação agora e/ou para sempre; Segundo – o “fique em casa” que possibilita a cada cidadão voltar-se para dentro de si, avaliar a trajetória que se vinha fazendo visando investigar a alternativa de outra trajetória, ou outra maneira de viver.

Reduzir o custo do Estado é premência imposta pela opção da sobrevivência da Nação: o País inviabilizou-se pela aplicação da fórmula Receita tributária menor que Despesa, com amparo constitucional desde 1988.  A despesa – o  custo do Estado – não é fenômeno natural, pelo contrário, é obra dos governantes ao longo da História, sobre a qual cabe responsabilização.

O cenário requer atitude objetiva pela melhoria da produtividade da economia em geral, aperfeiçoamentos democráticos e adequações institucionais, que o Federalismo descentralizado pode possibilitar. Isso significa estimular ao invés de inibir a iniciativa do cidadão pela prática da cidadania, que em parte nos foi exemplificada pelo jornalista Fernão Lara Mesquita no artigo de item 4 acima, de como ocorre nos EUA, acrescida dos efeitos do desenvolvimento da filantropia e do voluntariado, para assim modificar a cultura de quase tudo ser pago pelo Estado, ou seja, com recursos públicos.

Importante será o convencimento do povo, para ajudar na construção da união nacional para o fortalecimento da Nação, visando vencer as grandes dificuldades do momento, com a descentralização embasada na sugestão de novo Pacto Federativo (“PAPER”40 de 11/03/2019 e “PAPER”88 de 31/07/2020, página 2/7) que estabelece o controle do custo do Estado pela condição da responsabilização dos governantes de todos os entes federativos. Apenas distribuir recursos para os entes federativos é uma alternativa falida.

Controlar o custo do Estado é controlar as autoridades que decidem em nome dele; o povo, quem as elegeu, pode exercer o poder de rever seu voto através do “recall”, retirando-lhes o cargo sempre que for necessário para o bem comum e o interesse nacional.

É imperioso a eliminação de desperdícios, de privilégios, de substituição de métodos, de superação de estruturas inadequadas para o provimento de ocupação laboral da população, que só é viável ser realizada por autoridades eleitas ou concursadas.

É o caminho para o Equilíbrio Orçamentário, contando com a contribuição na oportunidade própria, da elevação do patamar do PIB, ou seja, que o Estado deve possibilitar outra alternativa na maneira de viver.

A presente geração deverá ter a coragem e disposição de “pôr a casa em ordem” financeira, institucional e politicamente, o que gerações anteriores, do que são cobradas hoje, não souberam ou não puderam fazê-lo. Após o que, passar a produzir em regime de economia exportadora e participar dos grandes projetos da pauta internacional.

Essa a grande oportunidade que a pandemia ofereceu ao Brasil em face do já descalabro das finanças públicas com provável desdobramento para a desagregação social: tirar o Brasil da acomodação.

O Estado nada mais é do que a organização jurídica da sociedade: todos somos Estado, as pessoas e as instituições. Na definição clássica da Teoria Geral do Estado, “Estado é a nação política e juridicamente organizada, com território livre e governo soberano”.

 A democracia fundada no Estado de Direito e na cidadania não é uma estação de chegada, mas uma maneira de viajar, visando desenvolvimento econômico, político, cultural e social para transformar o Brasil na melhor nação do mundo para se viver bem.

Personalidades autoras de citações nesse “PAPER”:

– André Senna Duarte, advogado e mestre em economia PUC-RIO;

– Carlos Menem, ex-presidente da Argentina;

– Dr. Dalmo de Abreu Dallari, professor de teoria geral do Estado, faculdade de direito USP;

– Dr. Ives Gandra Martins, jurista e professor;

– Fernão Lara Mesquita, jornalista;

– Jomázio Avelar, eng. Civil POLI-USP;

– Nelson Rodrigues, jornalista, escritor, romancista, teatrólogo.

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