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Plano da China de construir usinas nucleares flutuantes preocupa EUA

Americanos temem que reatores sejam usados para abastecer bases militares em águas disputadas no Pacífico

Por The Washington Post, Ellen Nakashima, Vic Chiang e Joby Warrick, O Estado de S. Paulo, 05/05/2024

Navio da Guarda Costeira da China aborda barco das Filipinas: tensão com os EUA no Pacifico

A China busca desenvolver reatores nucleares flutuantes que poderiam fornecer energia para instalações militares construídas em áreas contestadas do Mar do Sul da China, segundo o principal comandante militar dos EUA no Pacífico e autoridades do Departamento de Estado. Essa perspectiva, alertam, poderia minar a segurança e a estabilidade regional.

Após mais de uma década de pesquisa, desenvolvimento e preocupações dos reguladores chineses com a segurança, a China parece avançar com seus planos num momento em que a comunidade internacional ainda não elaborou padrões que regem o uso seguro de reatores flutuantes, disseram autoridades dos EUA.

O governo americano acredita que qualquer implantação ainda esteja a vários anos de distância. Ainda assim, a preocupação é grande o suficiente para que o almirante John Aquilino, que lidera o Comando Indo-Pacífico dos EUA, esteja emitindo o alerta.

“A pretensão da China de usar usinas nucleares flutuantes tem impactos potenciais para todas as nações da região”, disse Aquilino, que deixou o comando na sexta-feira. “A mídia estatal chinesa declarou a intenção de Pequim de usá-las para fortalecer seu controle militar do Mar do Sul da China, aumentando ainda mais suas reivindicações territoriais ilegais.”

A apreensão é compartilhada pelo Departamento de Estado. “Nossa preocupação é que quanto mais perto eles estiverem de implantar usinas nucleares flutuantes, mais rapidamente as usarão para fins contrários à segurança nacional dos EUA e à segurança mais ampla na região”, disse um alto funcionário do Departamento de Estado, que falou sob condição de anonimato, conforme as regras do departamento.

A Administração Estatal de Ciência, Tecnologia e Indústria para Defesa Nacional, em Pequim, que supervisiona projetos relacionados à energia nuclear aprovados, não respondeu a pedidos de comentário.

Preocupações com as intenções da China foram expressas de forma indireta durante o governo Barack Obama e mais enfaticamente por Donald Trump. Hoje, autoridades dos EUA dizem que a China está em estágio avançado de pesquisa e desenvolvimento para construir reatores para fins militares.

TENSÕES. Essas preocupações surgem em um momento de tensões elevadas no Pacífico Ocidental. A China, que está executando o maior acúmulo militar desde o fim da Guerra Fria, tem sido cada vez mais assertiva nas águas próximas a Taiwan, Japão e Filipinas. A Guarda Costeira chinesa desafiou diretamente embarcações filipinas que buscavam reabastecer um navio ancorado no Segundo Recife Thomas, cuja soberania é disputada entre Pequim e Manila.

A Rússia é o único país a operar uma usina nuclear flutuante, a Akademik Lomonosov, que entrou em operação em dezembro de 2019. Fotos o de vários andares em uma barcaça não motorizada. Segundo o IEEE Spectrum, ela consiste em dois reatores de água pressurizada KLT-40S, semelhantes aos que alimentam quebragelos nucleares russos, e duas usinas de turbina a vapor.

A China começou a projetar reatores nucleares flutuantes em 2010. O jornal estatal Global Times Online disse, em 2016, que o governo planejava implantar 20 desses reatores no Mar do Sul da China para apoiar o desenvolvimento comercial, exploração de petróleo e dessalinização da água do mar.

Mas o mesmo artigo também se vangloriava das aplicações militares: “Cada ilha e recife do Mar do Sul da China, pareados com uma plataforma nuclear flutuante, é essencialmente um porta-aviões nuclear equipado com aeronaves de combate e sistemas de mísseis. Sua vantagem militar supera em muito a de uma frota de porta-aviões dos EUA vinda de longe.”

Em meio às tensões na região, esses reatores podem “garantir a condução tranquila de exercícios militares”, segundo pesquisadores de um instituto afiliado ao Conselho de Estado, em um artigo de 2020.

A Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China, que aprova projetos nucleares, deu sinal verde para três tipos de reatores de energia flutuante atualmente em desenvolvimento. De acordo com um relatório de 2022 da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a construção de um está programada para começar este ano.

Mas o progresso tem sido irregular. A China esperava estrear sua primeira usina nuclear flutuante até 2021, mas engenheiros envolvidos no projeto revelaram desafios, incluindo preocupações dos reguladores com segurança e viabilidade.

Pequim começou a fazer ilhas artificiais em atóis remotos e recifes de coral no Mar do Sul da China há mais de uma década – construindo portos, pistas de pouso, quartéis e hangares. Apesar de um compromisso do presidente, Xi Jinping, em 2015, de não militarizá-las, o país colocou desde então baterias antinavio e antiaéreas nas três maiores ilhas – Subi, Mischief e Fiery Cross Reefs –, pousou aeronaves nas pistas e atracou navios de guerra nos portos, alarmando os EUA e aliados regionais.

Em 2016, dois dias antes de a mídia estatal chinesa relatar o plano do governo de construir reatores, um tribunal internacional em Haia decidiu que Pequim não tinha base legal para reivindicação sobre esses recifes, alguns dos quais estavam dentro da zona econômica exclusiva de 200 milhas náuticas das Filipinas.

OCUPAÇÃO. Thomas Shugart, um membro do Centro para uma Nova Segurança Americana, disse que o desdobramento de usinas nucleares flutuantes pela China “equivaleria a um reforço” da ocupação chinesa das ilhas artificiais.

“A operação desses reatores flutuantes dentro do que são essencialmente instalações militares também aumentaria os riscos, que são maiores do que aqueles associados aos submarinos americanos posicionados em portos no exterior”, disse Shugart, ex-oficial de guerra submarina da Marinha.

“Ao contrário dos submarinos nucleares dos EUA, que normalmente são desligados logo após atracarem e operam apenas em níveis de potência baixos no porto, esses reatores, provavelmente, estariam operando em níveis de potência elevados quase o tempo todo para fornecer energia elétrica”, acrescentou.

Alguns especialistas do Mar do Sul da China estão céticos. “Estamos ouvindo falar sobre isso há quase uma década, e não há nenhum reator”, disse Gregory Poling, que lidera a Iniciativa de Transparência Marítima da Ásia, no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. Ele afirmou que os reatores flutuantes são menos viáveis do que energia solar, eólica e diesel. “A China está fazendo muitas outras coisas mais preocupantes que me deixam sem dormir à noite.”

Muitos especialistas da indústria nuclear são otimistas em relação às tecnologias da próxima geração, como reatores flutuantes ou modulares pequenos, como uma forma de os países atenderem à crescente demanda de energia, ao mesmo tempo que reduzem as emissões de dióxido de carbono, um gás de efeito estufa. Mas mesmo os defensores reconhecem que existem desafios significativos.

RISCOS. Cientistas e ambientalistas afirmam que usinas nucleares flutuantes têm vulnerabilidades únicas em comparação com seus equivalentes em terra, que um acidente catastrófico poderia liberar contaminantes radioativos no oceano, como ocorreu durante o acidente nuclear de Fukushima, no Japão, em 2011.

Em terra firme, os reatores nucleares e seu combustível geralmente são protegidos dentro de estruturas de contenção de concreto e aço com até 1,5 metro de espessura. Um reator projetado para flutuar no mar não seria tão robusto, disse o físico e diretor de segurança de energia nuclear na União dos Cientistas Preocupados, Edwin Lyman.

Um reator flutuante estaria vulnerável a um ataque malicioso ou sabotagem por agressores subaquáticos, ou às forças destrutivas de um tsunami ou tempestade extrema, disse Lyman. A Bacia do Pacífico é a região mais propensa a tsunamis, afirmaram autoridades.

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