Plano era de estabilidade da moeda; faltou sequência
Por Roberto Setubal, O Estado de S. Paulo, 05/07/2024
Roberto Setubal presidiu o Itaú até 2017; hoje, comanda o conselho ao lado de Pedro Moreira Salles, vindo do Unibanco
O Plano Real, que completou 30 anos no dia 1.º, fez os bancos reorientarem seu modelo de negócios para a concessão de crédito, ou seja, para atuarem como bancos de verdade. O copresidente do conselho de administração do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, afirma que levou alguns anos para que essa mudança se firmasse, mas que ela ajudou a desenvolver um sistema financeiro mais robusto.
“Fomos readaptando o modelo de negócios para um cenário mais estável”, diz. Setubal havia assumido a presidência do Itaú cerca de quatro meses antes da implementação do plano, e esteve à frente do conglomerado durante um ciclo de consolidação que levou os bancos que sobreviveram ao fim da inflação – o Itaú entre eles – a conquistar uma escala maior. Para ele, “o plano era de estabilidade da moeda e teve sucesso, faltou a sequência”. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Quando ficou claro que o Plano Real havia dado certo no objetivo de conter a inflação?
Em seis meses, estava bem claro que daria certo. O plano tinha endereçado pontos que os anteriores não tinham. Uma foi a questão dos bancos estaduais, e outra foi a questão fiscal, com uma política que buscava o superávit primário. As lições dos planos anteriores foram muito bem aproveitadas para fazer um plano que funcionasse.
Quais foram as principais lições dos planos anteriores? Não congelar preços, por exemplo?
Os planos anteriores, basicamente, eram congelar preços, não havia medidas fiscais ou monetárias. A consolidação definitiva do real foi a adoção do câmbio flutuante, em 1999, uma mudança gigantesca nos mercados. Havia muito pouca experiência, como no crédito, com o câmbio flutuante. O Brasil estava sempre próximo de uma crise externa, e o câmbio flutuante resolveu definitivamente essa questão. Também foi um passo fantástico, que consolidou os ganhos do Plano Real.
O Plano Real veio acompanhado de uma série de reformas, mas 30 anos depois ainda falamos na necessidade de reformar a economia. O que faltou executar?
O plano era de estabilidade da moeda e, nesse sentido, teve sucesso absoluto. Dito isso, faltou dar sequência a ele. Em certos momentos, as coisas funcionaram bem: chegamos a ter, se não me engano, 3% de superávit primário, e a situação fiscal ficou bastante boa por alguns anos. Depois, perdeu-se. Estamos ciclotímicos com a questão fiscal, não é uma questão resolvida. Com ela, vêm as questões previdenciárias, que são uma fonte grande de pressão no Orçamento. Algumas reformas deram resultados bons, como a trabalhista, embora eu ache que ainda tenha de haver um segundo capítulo, porque o País tem uma quantidade de ações trabalhistas e de problemas nessa área muito grande. O Brasil ainda é uma economia relativamente fechada, e isso tira muita competitividade da nossa indústria. Há coisas muito relevantes para endereçarmos. A reforma tributária, que está sendo feita agora, é um passo bastante relevante.
O Plano Real e seu sucesso ajudaram a ampliar a consciência de que é preciso fazer reformas?
Nos períodos de alta inflação, ninguém tinha muita noção dos problemas que vinham junto, porque a inflação era um problema tão grande que o resto ficava muito menor. Lembro de programas de televisão entrevistando pessoas na rua para demonstrar como era a situação, e as pessoas não tinham noção dos preços. A estabilização baixou a água, e aí começamos a perceber os problemas. Os primeiros foram a questão fiscal e o das contas externas. O processo precisa continuar. Em qualquer ranking de produtividade, competitividade ou atração de investimentos, o Brasil hoje está muito abaixo. Nossa economia não é dinâmica, moderna, com forte crescimento, infelizmente. Essas reformas são importantes para chegarmos lá.
O que mostrou que essa estabilização havia acontecido no caso dos bancos? Foi a queda da inadimplência?
Nesse período de transição difícil, alguns bancos ficaram pelo caminho. Bancos grandes, como o Nacional, que teve aquele rombo. Depois, houve o Econômico e o Bamerindus. Os bancos mais fortes e capitalizados, como o próprio Itaú, o Bradesco, o Unibanco e o Real, passaram com suas dificuldades, mas com saúde. O problema da inadimplência também veio pelo despreparo dos bancos para fazer empréstimos. As áreas de crédito não tinham capacidade de fazer os volumes de empréstimo que estavam fazendo. Óbvio que isso se desenvolveu muito melhor ao longo dos anos. Tivemos o fim das crises internacionais na segunda metade dos anos 1990, e uma estabilização na inadimplência. Fomos readaptando o modelo de negócios para um cenário mais estável.
Como foi esse processo de remodelagem dos bancos? Foi tentativa e erro, ou o sistema buscou exemplos no exterior?
Sem dúvida, olhamos bastante lá para fora. Lembro que fizemos visitas no exterior para ver como os bancos estavam organizados na área de crédito, que tipo de política e de modelagem para os pontos críticos observavam.
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