Pobreza, paraíso para o vírus
Contágio é facilitado em casas pobres, superlotadas e sem saneamento básico
Notas e Informações, O Estado de S.Paulo – 11 de maio de 2020 | 03h00
Dinheiro curto, falta de esgoto e lixo acumulado fazem parte do mesmo drama, o da desigualdade, ainda muito ampla no País, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Milhões de pessoas em busca de R$ 600 para enfrentar o impacto econômico da pandemia são personagens dessa história. O novo coronavírus deu visibilidade a essa população, ao criar o risco de uma catástrofe sanitária e social provavelmente inédita no Brasil. Ações de apoio foram definidas, mas foi difícil atingir as parcelas mais miseráveis, menos informadas e quase nunca lembradas na formulação de políticas em Brasília. Até o vírus, trazido por gente da classe média e da classe alta, levou algum tempo para chegar à gente pobre. Mas chegou, enfim, causando estragos difíceis de comprovar e de estimar, porque faltam testes e socorro médico até para doentes mais abonados.
O Brasil se mantém como um dos líderes mundiais da desigualdade, em posição destacada mesmo entre os emergentes. As novas informações publicadas pelo IBGE são de 2019, mas o quadro certamente continua atual e poderá piorar com a pandemia. Cerca de metade dos brasileiros – 105 milhões de pessoas – sobrevivia com R$ 438 mensais, em média, ou cerca de R$ 15 por dia. Um em cada cinco trabalhadores tinha renda mensal de R$ 471, menos da metade do salário mínimo. Na metade de baixo a remuneração média chegava a R$ 850, também abaixo do salário-base de R$ 998. Os novos dados foram obtidos na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua.
A concentração fica bem clara quando se confrontam os poucos mais afortunados com os demais. O grupo de 1% dos trabalhadores com maior remuneração ganhava em média R$ 28.659. Os 10% com menores ganhos tinham renda mensal de R$ 267 mensais, menos que um centésimo do valor recebido mensalmente por aquele 1% do topo.
Educação, gênero e cor refletem-se na distribuição da renda do trabalho. Trabalhadores com ensino superior completo ganhavam em média R$ 5.108. Isso era quase o triplo da remuneração daqueles com ensino médio e cerca de seis vezes a daqueles com a instrução mais modesta. Homens ganhavam 28,7% mais que mulheres e brancos, quase o dobro da renda de negros e pardos. No caso da cor, o critério da pesquisa foi a autodeclaração.
Desigualdade de renda é associada, em geral, à desigualdade de condições de moradia e de acesso a saneamento. Menor acesso a serviços de limpeza urbana e a redes de saneamento caracteriza, também de modo geral, o dia a dia de pessoas agrupadas em habitações pequenas, com pouco espaço para abrigar oito ou mais pessoas. Também essa desvantagem se tornou especialmente relevante com a chegada do novo coronavírus.
Recomendado como primeira proteção contra o contágio, o isolamento é muito difícil para quem vive nessa situação. O risco de contaminação se torna dramaticamente elevado, nessas famílias, quando alguns de seus membros têm de sair para trabalhar e podem voltar com o vírus. Mas, no caso desses grupos, a covid-19 tem sido apenas um risco a mais para quem já suporta condições sanitárias muito ruins.
Segundo o IBGE, cerca de 32% dos domicílios estavam fora da rede geral de esgoto sanitário, em 2019, ou sem fossa ligada à rede. O quadro havia melhorado em relação a 2018, mas permanecia insatisfatório e, além disso, persistiam amplas desigualdades entre regiões. Os lares com acesso à rede eram 27,4% no Norte, mesmo com aumento de 5,6 pontos porcentuais. No Nordeste, um avanço de 2,6 pontos elevou para 47,2% a parcela dos domicílios servidos pela rede. No Centro-Oeste, a taxa havia chegado a 60%.
Em todo o País os domicílios com fossa séptica sem ligação com a rede geral ainda eram 19,1%. Os dejetos eram, pois, despejados em fossa rudimentar, rios, córregos, lagos e mar.
Além de preservar a saúde de dezenas de milhões e salvar vidas, obras de saneamento criariam empregos e ajudariam a mover a economia. Autoridades deveriam colocá-las no topo das prioridades, sem depender do alerta disparado por um vírus.
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