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Prevenir a próxima pandemia

Impõe-se a necessidade de reconsiderar um sistema planetário de minimização de riscos

Notas e Informações, O Estado de S.Paulo – 12 de julho de 2020 | 03h00

Uma das poucas certezas sobre o coronavírus é que ele é um organismo que teve origem em algum animal. Em nosso tempo, a covid-19 pode ser a pior das zoonoses, mas não é a primeira e não será a última. São zoonóticas 60% das doenças infecciosas conhecidas – como aids, ebola, sars ou zika vírus – e 75% das doenças emergentes. As zoonoses estão aumentando à medida que crescem as populações humanas e suas interações entre si e com animais e ecossistemas. Mas até agora o combate tem sido mais reativo do que proativo. Como um primeiro passo para minimizar os riscos, o Programa de Meio Ambiente da ONU, em parceria com universidades, instituições de pesquisa e agências internacionais, elaborou o estudo Prevenir a próxima pandemia: Doenças zoonóticas e como quebrar a cadeia de transmissão.

Por meio da abordagem multidisciplinar “Uma só Saúde”, que une evidências médicas, veterinárias e ambientais, o estudo visa a subsidiar governos, negócios e sociedade civil em questões como redução de risco nos sistemas alimentares; frequência e previsibilidade dos surtos; complexidade e conectividade dos elos entre animais e humanos; e impactos e custos.

A pesquisa aponta sete fatores antropogênicos que provavelmente estão intensificando o surgimento de zoonoses: 1) aumento da demanda humana por proteína animal; 2) intensificação da agricultura não sustentável; 3) aumento da exploração da vida animal; 4) utilização não sustentável de recursos naturais, acelerada pela urbanização, mudanças no uso do solo e indústrias extrativas; 5) aumento nas viagens e transportes; 6) mudanças na cadeia alimentar; e 7) mudanças climáticas.

No Brasil, por exemplo, há uma extensa literatura que revela a relação entre surtos zoonóticos (como a doença de Chagas) e a degradação ambiental (mutilação de habitat, desmatamento, urbanização ou consumo de carnes selvagens) ou eventos climáticos extremos (como enchentes, ondas de calor ou ciclones).

Como resposta, o levantamento aponta dez orientações para políticas públicas: 1) ampliar a consciência dos riscos ambientais e sanitários; 2) melhorar a governança de saúde engajando protagonistas ambientais; 3) expandir a investigação científica; 4) garantir o cálculo dos custos financeiros totais vinculados às consequências das doenças; 5) melhorar o monitoramento e a regulação dos sistemas alimentares usando abordagens baseadas no risco; 6) eliminar gradualmente as práticas agrícolas insustentáveis; 7) desenvolver e implementar medidas de biossegurança; 8) melhorar a saúde animal; 9) fortalecer as capacidades dos sistemas de saúde para integrar a dimensão ambiental; e 10) incorporar e implementar planejamentos baseados no conceito holístico de “Uma só Saúde”.

“No coração das nossas respostas a zoonoses e outros desafios enfrentados pela humanidade deveria estar a simples ideia de que a saúde da humanidade depende da saúde do planeta e de outras espécies”, disse Inger Andersen, diretora do Programa Ambiental da ONU. “Se a humanidade der à natureza uma chance de respirar, ela será a nossa maior aliada enquanto buscamos construir um mundo mais justo, verde e seguro para todos.”

Nosso mundo é cada vez mais complexo, mas também cada vez mais conectado. O fato de a humanidade ter se mostrado despreparada para a covid-19, apesar das advertências e da experiência com outras pandemias, deveria servir de alerta para outras ameaças planetárias. Hoje, por exemplo, uma erupção massiva de gás ionizado da coroa solar – como a que atingiu a Terra em 1859 – poderia desestabilizar por meses ou mesmo anos as redes elétricas. Uma supererupção vulcânica ou o choque de um asteroide podem exterminar vastas porções da humanidade. Isso sem falar de hecatombes que estão nas nossas mãos, como uma guerra nuclear ou o aquecimento global. Das mais prováveis às menos, das evitáveis às inevitáveis, a simples possibilidade de ocorrência destas catástrofes impõe a necessidade de reconsiderar um sistema planetário de minimização de riscos. Nunca houve um momento tão oportuno.

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