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Projeto repassa a Estados definição de licenciamentos

Para ambientalistas, a licença ‘autodeclaratória’ que tramita no Congresso enfraquece as normas ambientais e cria confusão

O Estado de S. Paulo – 13 May 2021 – André Borges / BRASÍLIA

Uma das principais mudanças impostas pelo projeto da Lei Geral do Licenciamento prevê o enfraquecimento de regras nacionais que hoje vigoram sobre o setor, repassando a governos estaduais e municípios a atribuição de definir qual tipo de empreendimento precisará de licença ambiental, além do tipo de processo do licenciamento a ser aplicado em cada caso.

Essa mudança, que enfraquece a regulação nacional e confronta diretamente com regras já estabelecidas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), é vista por ambientalistas como um dos principais problemas do projeto de lei relatado pelo deputado federal Neri Geller (Progressistas-mt), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária.

O plenário da Câmara ainda discutia o projeto de lei ontem às 21 horas. Depois, ainda será necessário passar pelo Senado antes de ir a sanção presidencial. Deputados contrários à proposta tentavam tirar a proposta da pauta.

Geller, que é autor do texto substitutivo do PL 3.729/2004, argumenta que sua proposta é “livre de ideologia” e que contempla todos os setores. A versão final que ele apresentou a organizações civis, porém, não foi objeto de nenhuma audiência pública nem incluído qualquer pleito de especialistas da área ambiental que acompanham o tema, debatido há 17 anos no Congresso. Não há resistência em se aprimorar as regras, mas o entendimento é que o novo texto atropela e fragiliza o licenciamento.

Um dos receios é que, ao atribuir abertamente a Estados e municípios a responsabilidade sobre o que será licenciado, o texto enfraqueça as regras ambientais, uma vez que cada local tende a flexibilizar cada vez mais as regras, para atrair mais empreendimentos.

“O texto do relator exclui a possibilidade de regulamentos nacionais completando a lei geral, como a lista mínima de empreendimentos sujeitos a Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA). Delega as definições desse tipo à própria autoridade licenciadora. Isso vai gerar regras diferentes nos 27 Estados da federação e também nos municípios, uma grande confusão”, avalia Suely Araújo, expresidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas da organização Observatório do Clima.

Ela aponta que a mudança vai estimular competição predatória, de forma parecida com a guerra fiscal. “É lógico que Estados e municípios podem legislar sobre o tema, mas devem complementar as regras nacionais. A Lei Geral deve cumprir seu papel, não constituir cheque em branco para os licenciadores”, afirma.

A Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema) alertou sobre a adoção em todo o País da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), as licenças autodeclaratórias. “É preciso avaliar com cautela a forma como o instrumento da LAC foi inserido na norma, de forma distinta da que originou essa modalidade no licenciamento pelos Estados”, alertou a associação, em carta ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al).

O PL prevê ainda acesso irrestrito a terras indígenas e quilombolas que estejam em fase de estudo. O texto exclui, de processos de avaliação, terras indígenas e quilombolas que ainda foram não homologadas pelo governo, mas que são impactadas por empreendimentos.

Hoje, a Constituição prevê que terras indígenas e quilombolas que estejam em fase de demarcação, e que ainda aguardam para serem tituladas, devam ser igualmente consideradas, como aquelas que já tiveram esses processos concluídos, com a homologação e titulação pelo governo.

Defensores. O PL conta com campanha favorável pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) e o Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico.

Em publicações em defesa da mudança do licenciamento ambiental, a Frente Agropecuária fala em mais de cinco mil obras paradas no País, entre rodovias, ferrovias e hidrovias. Além disso, o grupo parlamentar também menciona excesso de burocracia e não garantia de proteção do meio ambiente no atual modelo.

Confusão. “(O projeto) Delega as definições à autoridade licenciadora. Vai gerar regras diferentes nos 27 Estados, uma confusão” Suely Araujo, EX-PRESIDENTE DO IBAMA

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