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Promessas e perigos do plano industrial

Não basta fazer da indústria, novamente, um dos focos da política de crescimento. É essencial evitar a repetição de erros

Por Rolf Kuntz, O Estado de S.Paulo, 28/01/2024

O Brasil pode voltar a crescer como potência industrial, se nenhuma grande bobagem for cometida em Brasília. Emperrada e abandonada pelo governo por mais de dez anos, a indústria é reabilitada, agora, como um dos focos da política econômica. Com financiamento previsto de R$ 300 bilhões até 2026, o programa foi recebido com ceticismo e críticas por analistas do mercado. Se o dinheiro aparecer e as mudanças começarem, ainda será necessário um enorme esforço de recuperação. O setor produziu em novembro 17,6% menos que em seu pico histórico, atingido em maio de 2011. Mesmo com alguma retomada na fase pós-pandemia, a produção da indústria foi 0,9% menor que em fevereiro de 2020, quando ainda eram poucos, no País, os casos conhecidos de covid-19.

A quase paralisia continuou no primeiro ano do governo Lula. Nos 12 meses até novembro, foi nulo o crescimento em relação ao período imediatamente anterior. Não houve surpresa. O desempenho havia sido negativo em seis dos dez anos contados de 2013 a 2022. No curto mandato do presidente Michel Temer conseguiu-se remediar, em parte, o desastre fiscal e inflacionário deixado pelo governo Rousseff. Mas quase nada se avançou entre 2019 e 2022, quando o ocupante do Palácio do Planalto cuidou mais de interesses familiares que da tarefa de governar.

A eleição presidencial de 2022 permitiu a reinstalação, em Brasília, de uma efetiva administração nacional, reconhecível como governo por seus partidários e também pelos opositores. Confusões e algumas besteiras notáveis, como os ataques do presidente da República ao presidente do Banco Central, mancharam o primeiro ano do novo mandato. Ao mesmo tempo, no entanto, o Executivo se reorganizou e o poder central voltou a funcionar, apesar de erros e deficiências, com um roteiro adequado a uma economia emergente, isto é, ainda a caminho do desenvolvimento.

Resistindo às pressões do PT, o governo cuidou de suas contas com razoável parcimônia, evitando a gastança e avançando no rumo do equilíbrio das finanças federais. Para alcançar a meta fiscal deste ano, mais ambiciosa que a de 2023, o Executivo dependerá, no entanto, de uma ampliação das fontes de receita, solução rejeitada por empresários e complicada pela resistência parlamentar. Também o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou, inicialmente, a pretensão de déficit zero anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Mas acabou recuando e admitindo, aparentemente, o esforço proposto pelo ministro, principal fiador da gestão lulista perante o mercado financeiro.

Uma rara combinação de propósitos passa a marcar oficialmente, portanto, o governo federal. O Executivo se compromete, ao mesmo tempo, com a disciplina fiscal e com um programa de desenvolvimento voltado para a redução da pobreza, a expansão econômica e a recuperação de um papel relevante no mercado internacional. O Brasil se manteve como importante fornecedor de produtos agropecuários, mesmo nos piores momentos da gestão bolsonarista, mas o esforço de maior integração nas cadeias internacionais de produção foi claramente reduzido.

Há oportunidade, agora, de revitalização da diplomacia econômica e de novo esforço de inserção de todos os setores produtivos no mercado global. O sucesso dependerá, naturalmente, de avanços em produtividade e em competitividade e também da articulação de esforços pelas associações empresariais e pelo governo.

De imediato, o País passa a dispor de um plano de reindustrialização – ou neoindustrialização, como se diz no governo – resumido no documento intitulado Nova Indústria Brasil. Essa política atribui ao setor industrial missões em seis grandes áreas: 1. infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade; 2. agroindústria; 3. complexo industrial da saúde; 4. transformação digital; 5. bioeconomia; 6. tecnologia de defesa.

Compras governamentais, facilidades financeiras e preferências a componentes nacionais devem servir de apoio às mudanças empreendidas pelas empresas. São formas de ação também usadas nas economias mais desenvolvidas. Embora defensáveis, envolvem riscos, porque podem resultar em mero protecionismo comercial e em defesa da ineficiência, como já se observou no Brasil e em vários outros países. No caso brasileiro, basta lembrar a experiência custosa e desastrosa dos benefícios concedidos, ainda no século passado, a fornecedores de equipamentos para o setor petrolífero.

O presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, provavelmente conheceram, como todos os cidadãos bem informados, os custos econômicos e os escândalos ligados às velhas políticas de conteúdo nacional. Parte da devastação financeira da Petrobras, há algumas décadas, decorreu de políticas desse tipo. Devem estar prevenidos, portanto, para os perigos associados a esse tipo de proteção. Não basta fazer da indústria, novamente, um dos focos da política de crescimento. É essencial evitar a repetição de erros, como aqueles vinculados, por exemplo, à exigência de conteúdo local.

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