Protestos nas universidades americanas ajudam Trump
Por The New York Times, David Brooks, O Estado de S. Paulo, tradução de Renato Prelorentzou, 06/05/2024
Ando pensando em Donald Trump. Quando saem os relatórios econômicos, penso: isso ajuda a eleger Trump? E, confesso, comecei a me fazer a mesma pergunta assistindo à agitação dos universitários por causa de Israel e Gaza. Preciso dizer que parto do pressuposto de que a maioria dos manifestantes esteja agindo com a melhor das intenções: aliviar o sofrimento dos palestinos.
Mas os protestos têm consequências políticas inesperadas. Na década de 1960, por exemplo, milhões de jovens protestaram contra a Guerra do Vietnã, e a história lhes deu razão. Mas os republicanos souberam usar os excessos do movimento estudantil a seu favor.
Em 1966, Ronald Reagan prometeu “limpar a bagunça de Berkeley” e foi eleito governador da Califórnia. Em 1968, Richard Nixon celebrou os “americanos esquecidos” – os que não se manifestam – e foi eleito presidente. Longe de levar a uma nova era progressista, as revoltas deram início àquilo que foi o período mais conservador da história americana.
Esse tipo de reação adversa não é incomum. Para seu último livro, If We Burn, o jornalista Vincent Bevins pesquisou dez movimentos de protesto entre 2010 e 2020 em lugares como Egito, Turquia, Brasil, Ucrânia e Hong Kong. Ele concluiu que, em sete deles, os resultados foram piores que o fracasso, as coisas retrocederam.
FRACASSO. Por que essas revoltas populares saem pela culatra? Bevins aponta falhas na forma como os manifestantes se organizam. Ele observa que há diferentes maneiras de estruturar os movimentos.
Há a forma leninista, na qual o poder é concentrado no líder supremo e em seu aparato. Existe o método do movimento em defesa dos direitos civis dos EUA, no qual uma rede de instituições organizadas hierarquicamente trabalha em conjunto por objetivos comuns, onde fica claro quem são os líderes e quem são os seguidores.
E existe o tipo de movimento que temos na era da internet. Muitos desses manifestantes desconfiam de autoridades verticais: eles não querem que líderes autoproclamados lhes digam o que fazer. Eles preferem multidões sem líderes, descentralizadas e coordenadas digitalmente, nas quais os participantes podem improvisar as próprias ações.
Esse método horizontal e anárquico permite que massas se mobilizem rapidamente, mesmo que as pessoas não se conheçam. Mas se baseia no frágil pressuposto de que, se muitas pessoas comparecerem, então, de alguma forma, o movimento vai magicamente alcançar seus objetivos.
Infelizmente, um movimento desorganizado e descentralizado pode questionar a realidade, mas não constrói uma nova. “Um grupo difuso de indivíduos que sai às ruas por razões muito diferentes não consegue simplesmente tomar o poder”, disse Bevins. E grupos tradicionais – como os populistas – ascendem prometendo acabar com a desordem.
ESTRUTURA. Os manifestantes nos câmpus demonstram essa fraqueza. Quando você não tem uma estrutura organizacional formal, não consegue controlar a mensagem ou ter clareza sobre posições básicas.
Pior ainda, os protestos reforçam a dinâmica de classe que minou as perspectivas do Partido Democrata. Como se sabe, os democratas se tornaram o partido da elite cultural, e os republicanos viraram o partido das massas menos instruídas. Os estudantes que frequentam universidades de elite estão no topo dos privilégios culturais.
Desde 2016, ficou claro que, se você mora em uma cidade universitária ou em uma das muitas cidades das costas Leste ou Oeste, onde as pessoas com alto grau de instrução tendem a se concentrar, você não pode usar sua experiência pessoal para fazer generalizações sobre a política americana.
Na verdade, se você se guiar por valores cultivados nesses lugares, talvez não seja sensível às formas como seu movimento está afastando eleitores de classe trabalhadora de regiões como Pensilvânia, Wisconsin, Michigan e Geórgia. Eles acham que você é uma criança privilegiada que está violando as regras e saindo impune.
Esses círculos se isolaram tanto que as lutas progressistas de hoje tendem a ocorrer dentro de espaços progressistas, com jovens tentando derrubar reitores ou diretores de organizações menos progressistas. Essas lutas dividem a esquerda e unem a direita.
Nos últimos dias, a Casa Branca e os democratas fizeram críticas mais severas aos protestos que infringem a lei. Mas eles precisarão fazer muito mais se quiserem evitar um outro mandato de Trump.
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