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Reflexões sobre a crise

O filósofo Yuval Harari propõe reflexões úteis na tarefa de pensar com realismo sobre a pandemia

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo21 de abril de 2020 | 03h00

Além de exigir medidas emergenciais na saúde e na economia, a pandemia da covid-19 suscita muitos questionamentos sobre o porvir. Em entrevista dada a Luciano Huck e publicada no Estado, o professor israelense Yuval Harari, um dos filósofos mais influentes da atualidade e autor, entre outros, dos livros Sapiens e Homo Deus, propõe algumas reflexões que podem ser úteis na tarefa, tão urgente e tão difícil, de pensar com realismo sobre a pandemia e os desafios e oportunidades que ela traz.

Ao longo da entrevista, Harari menciona várias vezes o papel da liberdade humana e a indeterminação do futuro. “Temos muitas opções nesta crise (…) o futuro não está predeterminado. Não há um roteiro único de como lidar com a epidemia e a crise econômica. Nós, cidadãos e governos, teremos de tomar algumas decisões muito importantes nos próximos meses, que vão mudar o mundo completamente. Governos estão fazendo experimentos sociais incríveis, envolvendo trabalho online ou fornecendo renda básica universal. E isso vai mudar o mundo.”

Entre as grandes escolhas que a pandemia suscita, o professor israelense destaca as relações entre as nações. “A grande questão é se enfrentamos esta crise como uma sociedade global, por meio da solidariedade e cooperação entre países, ou se lidamos com ela por meio do isolacionismo nacionalista e da concorrência.” Por isso, Harari lembra que “esta é uma crise política e não apenas de saúde. As grandes decisões são, na verdade, políticas”.

Ao discorrer sobre o que a pandemia exige em termos de ação dos governos, o autor de Sapiens mostra a insuficiência da analogia da situação atual com a guerra. “É um tipo muito diferente de crise. (…) O principal não é matar inimigos. O principal é cuidar das pessoas (…) e isso exige uma maneira diferente de pensar sobre o que está acontecendo.”

A respeito da suposta eficiência dos regimes autoritários para lidar com as crises que exigem respostas rápidas, Yuval Harari lembra que essas situações também demandam ações complexas e capacidade de correção de rumos. “Não é verdade que as ditaduras lidam com essas crises melhor que as democracias. Geralmente é o oposto. O problema das ditaduras é que, quando uma pessoa toma todas as decisões, o processo é mais rápido. Mas se a pessoa tomar a decisão errada, quase nunca admitirá um erro. Ele apenas continuará com o mesmo erro, culpará os outros, traidores e inimigos, e exigirá ainda mais poder. A democracia é mais eficiente porque há uma pluralidade de vozes e ideias. Se algo não funciona, tentamos outra coisa.”

Muito do que os regimes autoritários querem fazer com o uso de violência pode ser feito num ambiente de liberdade, com a educação. “Para fazer as pessoas seguirem as orientações, um povo motivado e educado é muito mais forte do que um povo ignorante e policiado. (…) Se, por exemplo, você quer fazer as pessoas lavarem as mãos, uma maneira de fazer isso é colocar um policial ou uma câmera em cada banheiro e forçar as pessoas a lavarem as mãos. Outro método é apenas educar as pessoas sobre vírus e bactérias, como eles causam doenças, e como você pode se proteger apenas lavando as mãos”, lembra Harari.

Ao ser questionado sobre o impacto da pandemia na desigualdade, Harari reafirma que “são as nossas escolhas que vão definir isso”. Mesmo ante uma crise tão grave, que parece não permitir nada mais do que reações, o professor israelense chama a atenção para os muitos caminhos possíveis. O enfrentamento da pandemia não é um circuito fechado de ação e reação, onde seria impossível pensar e propor novas soluções. “Também existem oportunidades nesta crise (…) não é algo predeterminado. É uma escolha de onde investimos nossos recursos. E por isso é tão importante não só acompanhar as notícias sobre a epidemia, mas também observar o que está acontecendo no nível político”, alerta Harari. A pandemia aumenta ainda mais a relevância das decisões do Estado e da sociedade. Por isso, é decisivo refletir, com profundidade e seriedade, sobre o atual cenário, sem medo e também sem arrogância. O futuro continua aberto às nossas escolhas.

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