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REORGANIZAÇÃO IMPLICA ALTERAR PACTO FEDERATIVO

Grandes questões nacionais continuam atreladas ao problema

primordial de uma Federação concebida artificialmente e aos dilemas

entre administrações centralizadas e de centralizadas

João Geraldo Piquet Carneiro(*)

 

A reforma do Estado, quando entendida como processo de reorganização política nacional, é tarefa gigantesca, pois implica mudanças na essência do pacto federativo brasileiro. De fato, após um século de experiência federativa, é surpreendente verificar como as grandes questões nacionais continuam atreladas ao problema primordial de uma Federação concebida artificialmente e aos dilemas entre formas centralizadas e descentralizadas de organização administrativa. Vejamos alguns exemplos.

O cerne da reforma do sistema tributário são as ambiguidades que resultam do compartilhamento de receitas federais por Estados e municípios. Como o pacto federativo é fluído, estes sempre lutam por um quinhão maior dessas receitas, sem que se verifique, em contrapartida, a assunção, pelos governos estaduais e municipais, de novos encargos administrativos, em dimensão compatível com os acréscimos de rendas compartilhadas ou transferidas.

Nunca da reforma administrativa, luta-se para dar aos Estados e municípios autonomia para definir regras próprias em matéria de organização e regime de pessoal. Mas não falta quem tema que tanta autonomia possa levar muitas administrações estaduais e municipais a promover demissões em massa, com agravamento da crise social.

O regime de licitações e compras públicas é um hino de louvor ao Estado unitário: a Constituição estabelece normas rigorosamente padronizadas para a União, Estados e municípios, de tal forma que a construção de uma pequena escola municipal no interior da Amazônia deve seguir as mesmas regras aplicáveis às grandes obras públicas.

O Tribunal de Contas da União vive assoberbado de processos destinados a verificar a boa aplicação dos recursos que são transferidos pela União – missão inglória que muitos temem transferir aos Estados e municípios.

Burocracia – Obviamente, uma longa história de centralismo administrativo só poderia produzir um caldo de cultura burocrática que resiste aos esforços de descentralização. Afinal, uma boa parte da burocracia existe para arrecadar e transferir recursos para Estados e municípios e qualquer mudança na regra do jogo implica a perda de poder.

A decisão do presidente da República de criar um Conselho da Reforma do Estado, composto de representantes da sociedade civil, abre espaço para que os pressupostos do revigoramento da Federação e os malefícios da centralização administrativa sejam discutidos sem idiossincrasias burocrática, acima das injunções político-partidária e livres das disputas locais e regionais. Mas não seria prudente, diante da magnitude do problema, imaginar que o conselho, por mais sábio que seja, possa adiantar soluções que dependem da vontade política não só do presidente Fernando Henrique, mas também do Congresso Nacional e dos governos estaduais e municipais.

A reconstrução do pacto federativo é, sem dúvida, a mais nobre das missões. Mas, por sua complexidade e abrangência, jamais será tarefa para um só governo. Trata-se, ao contrário, de um longo processo que apenas se inicia e, espera-se, será aprofundado no futuro.

Mas a gravidade da crise que se abateu sobre a administração pública não autoriza a que se espere, primeiro, pela grande reforma. Nesse meio tempo, urge enfrentar os problemas mais prementes da crise gerencial do Estado, a qual se manifesta na baixa operacionalidade do governo, no mau funcionamento do aparelho administrativo estatal e na constrangedora deterioração dos serviços públicos. Não custa relembrar que os governantes (e, por extensão, o próprio regime político) são julgados, diariamente, nas filas e nos balcões das repartições públicas, em função da qualidade dos serviços que prestam, ou deixam de prestar, aos cidadãos.

Fato notório é que a administração pública brasileira regrediu perigosamente em termos gerenciais. Nos últimos 10 anos, uma sucessão de reformas administrativas equivocadas destruiu núcleos de competência e experiência, desarticulou órgãos razoavelmente eficientes, promoveu o êxodo de servidores públicos em direção às atividades privadas, comprometeu a memória da administração e desmotivou o funcionalismo de carreira. Os esforços de desburocratização, voltados para o atendimento digno do cidadão, foram simplesmente abandonados há mais de 10 anos.

Revitalização administrativa – Antevejo, portanto, para o Conselho de Reforma do estado um importante papel na revitalização da administração pública. Em primeiro lugar, por sua composição eclética e capacidade de articulação de seus membros com a comunidade acadêmica, empresas e órgãos de classe, o conselho estará em condições de funcionar como um centro de produção de sugestões concreta para a resolução de problemas de gerência estatal.

Dentro de uma perspectiva ampliada, ele poderá conceber instrumentos novos de colaboração entre as diferentes esferas de governo e entre o Estado e a comunidade.

Na mesma linha, o conselho poderá auxiliar na revisão de velhos conceitos que ainda dificultam a oxigenação da administração pública. Refiro-me, em particular, à rígida e anacrônica separação entre o setor público e setor privado, aurida no formalismo jurídico, que desconhece a espetacular evolução tecnológica que a todos aproxima. Cada vez mais, público e privado se confundem na prestação de serviços de uso e acesso pela população.

Além disso, o Conselho de Reforma do Estado Poderá contribuir, na atual fase de ritmo ensinamento do setor público federal, com propostas destinadas à modelagem dos novos órgãos regulatórios. Esta será, nos próximos anos, a chave do sucesso dos programas de desestatização e de transferência de em cargos executivos do setor público para a órbita privada.

Fórum – Longe de executar o conjunto de contribuições do conselho, vislumbro-o ainda como um fórum para debate de questões relativas à ética pública. Na medida em que se estreitam os laços de colaboração entre os setores público e privado, é fundamental que as normas de conduta profissional e ética sejam enunciadas com clareza e precisão, pais como as regras de impedimento durante e após o exercício de função pública e as restrições ao uso de informações privilegiadas, após o término da gestão. Regras modernas e razoáveis contribuíram para elevar o desempenho ético da administração pública e para proteger a reputação de cidadãos sérios que se dispõe a exercer a função pública.

Por último, poderá ao Conselho de Reforma do Estado retomar os esforços de desburocratização, com vistas, principalmente, a facilitar o acesso dos cidadãos mais humildes aos serviços públicos, a eliminar trâmites e exigências de caráter meramente formal e tornar a administração pública mais eficiente.

(*) João Geraldo Piquet Carneiro é advogado, ex-secretário do Programa Nacional de Desburocratização e membro do Conselho de Reforma do Estado.

Nota: Artigo transcrito do jornal O Estado de S. Paulo, de 21/01/1996, Seção Agenda 96, na página D4.

 

MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E REFORMA DO ESTADO

DECRETOS DE 8 EM DEZEMBRO DE 1995

 

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, da Constituição, i tendo em vista o disposto nos arts. 1º, parágrafo único, e 2º do Decreto nº 1.738, de 8 de dezembro de 1995, resolve

 

DESIGNAR

 

Os seguintes membros para compor o Conselho de Reforma do Estado:

MAILSON FERREIRA DA NÓBREGA, na qualidade de Presidente;

ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES;

ANTÔNIO DOS SANTOS MACIEL NETO;

BOLÍVAR LAMOUNIER;

CELINA VARGAS DO AMARAL PEIXOTO;

GERALD DINO REISS;

HÉLIO JAGUARIBE DE MATTOS;

HÉLIO MATTAR;

JOÃO GERALDO PIQUET CARNEIRO;

JOAQUIM FRANCISCO DE MELLO CAVALCANTE;

LUIZ CARLOS MANDELLI;

SÉRGIO HENRIQUE HUDSON DE ABRANCHES.

 

Brasília, 8 de dezembro de 1995; 174º da Independência e 107º da República.

 

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Luiz Carlos Bresser Pereira

ARTIGO1022

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