Sem consenso, cashback deve ser alvo de revisão no Congresso
Para governo, mecanismo para devolução de impostos previsto na reforma é mais eficiente do que ampliação do número de produtos isentos na cesta básica
Por Mariana Carneiro e Bianca Lima, O Estado de S. Paulo, 03/05/2024
O mecanismo de cashback está longe de ser um consenso e deverá ser alvo, juntamente com a lista que vai integrar a cesta básica nacional, de duros embates no Congresso Nacional durante a regulamentação da reforma tributária. Uma das críticas é de que as famílias mais pobres terão de ter “capital de giro” para primeiro pagar pelo produto ou serviço e, só depois, receber o valor.
O governo avalia implantar uma devolução mais imediata, na boca do caixa dos supermercados, por exemplo, mas ainda há desafios relacionados à operacionalização desse sistema, principalmente nos estabelecimentos menores.
Outro ponto colocado pelos críticos é de que o mecanismo criaria mais burocracia para beneficiar famílias atendidas pelo Bolsa Família. Dessa forma, melhor seria ampliar o programa em vez de criar um novo sistema.
A equipe econômica discorda. “O Bolsa Família é uma transferência de renda. Já o cashback é uma devolução de imposto com o objetivo de mitigar a regressividade da tributação no consumo”, afirma o diretor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, Rodrigo Orair.
Segundo ele, o benefício tributário atenderá ao público da ação social do governo, mas também a famílias com renda de até meio salário mínimo per capita que não estejam no programa. “A gente não quer que ele (cashback) seja confundido com outro programa social. Ele tem de ser comparado com alternativa a ele, que é a seletividade de alíquotas e diferenciação de alíquotas.”
FOCO. O governo avalia que o sistema de devolução de tributos ao consumidor de baixa renda possa alcançar 28,8 milhões de famílias, o equivalente a 73 milhões de pessoas. O foco será nas contas de água, luz e gás, mas o mecanismo se estenderá, em menor porcentual, a todas as compras que essas famílias fizerem, inclusive as feitas em supermercados e em comércio de alimentos.
No caso de contas de luz, água e esgoto e de gás, a devolução de impostos será de 50% (na fatia federal da nova tributação) e de 20% (na fatia de Estados e municípios). Em compras diversas, a devolução prevista no projeto apresentado pelo governo é de 20% nos dois casos (mais informações nesta página).
BANCO MUNDIAL. A avaliação da Fazenda é corroborada pelo Banco Mundial, que simulou um cenário em que todos os alimentos teriam alíquota zero, e não apenas os 15 itens incluídos na cesta básica nacional. Nessa hipótese, não haveria cashback e a alíquota padrão do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) saltaria de uma média de 26,5% para 28%. Ou seja, todos os consumidores pagariam mais nas compras dos produtos não isentos.
Proporcionalmente, o aumento na tributação seria ainda maior para a população de menor poder aquisitivo. Os brasileiros que fazem parte dos 10% mais pobres passariam a comprometer 26,8% da renda com a tributação sobre o consumo, ante 23,3% com a proposta atual do governo. Já os que estão entre os 10% mais ricos teriam um impacto menor: de 9,4% para 9,5%.
“Uma cesta básica mais ampla, no lugar do cashback, levará a um resultado pior para as camadas mais pobres da sociedade e também levará a uma alíquota padrão mais alta, já que tem um custo elevado”, afirma o economista sênior para o Brasil do Banco Mundial, Cornelius Fleischhaker.
Ainda pelos cálculos da instituição financeira internacional, os 20% mais ricos do País consomem, em valores absolutos, 53,9% dos queijos, 45,1% das frutas e 36,1% da carne bovina.
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