Sem testes, estamos em voo cego
O Estado de S. Paulo – 13 Apr 2020
FAREED ZAKARIA TRADUÇÃO DE RENATO
A tarefa mais urgente é realizar testes. Sem eles, estamos em voo cego.
Algo importante vem acontecendo à medida que a crise do coronavírus avança: as estimativas de sua letalidade continuam caindo. Em 31 de março, a Casa Branca calculou que, mesmo com as políticas de distanciamento social, entre 100 mil e 240 mil americanos morreriam de covid-19. Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, indicou recentemente que as estimativas em breve serão revisadas para baixo.
O modelo da Universidade de Washington – citado pela Casa Branca – previu, em 26 de março, que, partindo do pressuposto de que o distanciamento social permaneceria em vigor até 1.º de junho, as mortes nos EUA nos próximos quatro meses ficariam em torno de 81 mil. Em 8 de abril, o modelo já havia feito mais de cinco revisões até chegar ao número atual: 60.415. É uma estimativa parecida com a quantidade de pessoas que morreram de gripe na temporada 2019-2020.
Por que isso está acontecendo? Os desenvolvedores dos modelos estão fazendo o melhor possível com os dados que conseguem obter, muitos dos quais vieram, inicialmente, da China e da Itália. Um grupo de estudiosos da Universidade de Stanford acredita que a razão pela qual as estimativas de mortes tiveram de ser revisadas para baixo é simples: como não fizemos testes generalizados desde o início, não percebemos quantos casos leves ou assintomáticos haveriam.
Isso significa que o denominador – aqueles que foram infectados – é maior do que as estimativas iniciais apontavam e a taxa de mortalidade da covid19, menor. Se duas em cada 100 pessoas com o vírus morrem, a taxa de mortalidade é de 2%; se duas em cada mil morrem, é de 0,2%. Em março, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) anunciou que 3,4% das pessoas com o vírus haviam morrido. Seria uma taxa de mortalidade assustadoramente alta.
Uma semana depois, Fauci sugeriu que a verdadeira taxa era de 1%, o que ainda seria 10 vezes maior que a da gripe comum. Desde então, descobrimos que muitas pessoas, talvez até a metade delas, não apresentam sintomas. Alguns estudos constataram que 75-80% das pessoas infectadas podem ser assintomáticas. Isso significa que a maioria dos infectados não chega a procurar atendimento e não é contabilizado.
John Ioannidis, de Stanford, epidemiologista especializado em análise de dados, acredita que superestimamos a fatalidade da covid-19. “Quando você está fazendo um modelo que envolve crescimento exponencial e comete um erro mínimo nos números de base, acaba com um número final que pode ser 10, 30 e até 50 vezes maior”, ele me disse. E também observou que testamos uma população inteira em apenas três casos: o navio Diamond Princess, a cidade italiana de Vo’ Euganeo e o condado de San Miguel, no Colorado.
Em todos esses lugares, o número de pessoas que foram realmente infectadas (muitas das quais sem sintomas) indica uma taxa de mortalidade semelhante à da gripe sazonal. “Dados da Islândia e da Dinamarca, que fizeram a melhor amostragem aleatória, também apontam na mesma direção”, disse Ioannidis. “Se eu tivesse de fazer uma estimativa com base nos limitados dados de testes que temos, diria que a covid-19 resultará em menos de 40 mil mortes nos EUA.”
Fechamos a economia com base em modelos, compreensivelmente preocupados com os piores cenários. Mas os modelos são tão bons quanto os dados que os modelam. E a reabertura dependerá de testes em massa. A Coreia do Sul conseguiu combater o vírus sem isolamento exatamente porque fez os testes com perfeição. Agora, a tarefa mais urgente é implementar testes, juntar os melhores dados do mundo e estabelecer políticas com base nisso. Caso contrário, continuaremos em voo cego em uma crise que pode durar mais do que o necessário.
Agora, a tarefa mais urgente é realizar testes, juntar os melhores dados do mundo e adotar políticas com base nisso. Caso contrário, continuaremos em voo cego em uma crise que pode durar mais que o necessário.
ARTIGO315