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TCU alerta governo que meta flexível do Orçamento de 2021 descumpre LRF

Como antecipou o Estadão/Broadcast, área técnica do TCU colocou em xeque a validade da meta fiscal flexível porque ‘subverte a regra de resultado fiscal e torna ineficaz os seus propósitos’

Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli, O Estado de S.Paulo – 28 de outubro de 2020 | 16h16

BRASÍLIA – O plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu nesta quarta-feira, 28, um alerta ao governo por considerar que a meta fiscal flexível proposta para as contas públicas em 2021 não condiz com as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A corte de contas também quer ouvir o Tesouro Nacional e o Ministério da Economia sobre os riscos e a possibilidade de elaborar um plano de bloqueio de recursos, caso a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021, que fixa a meta e as bases legais para gastos, não seja aprovada ainda este ano.

Como antecipou o Estadão/Broadcast, a área técnica do TCU colocou em xeque a validade da meta fiscal flexível porque, na visão do tribunal, “subverte a regra de resultado fiscal e torna ineficaz os seus propósitos”. A posição foi acatada pelo relator, ministro Bruno Dantas, e ratificada pelo plenário da corte de contas.

Devido às incertezas provocadas pelos efeitos da pandemia de covid-19 sobre a arrecadação, o governo resolveu abandonar uma meta fixa de resultado primário no ano que vem (ou seja, um limite para o rombo nas contas públicas antes do pagamento das despesas com juros) e estabeleceu que seu objetivo central em 2021 será a diferença entre as receitas e as despesas, limitadas ao teto de gastos.

Na prática, o mecanismo que limita o avanço das despesas à inflação acabaria se tornando uma “superâncora”, deixando o governo livre do compromisso de fazer eventuais bloqueios de gastos em caso de frustração de receitas.

Em seu voto, Dantas afirma que não é possível uma “recorrência” de meta aberta para 2021, como já ocorreu este ano devido à calamidade imposta pela pandemia, e que a proposta do governo transformou o resultado primário em “um resultado matemático que surgir ao final do exercício”. “Embora a meta de resultado primário apresentada possa ser justificada pelo caráter excepcional das circunstâncias atuais, sua recorrência não poderá ser tolerada, por afetar o planejamento fiscal responsável, nos termos delineados pela Lei Complementar 101/2000 (LRF), e a credibilidade do governo perante os agentes econômicos”, afirmou.

O alerta emitido pelo plenário do tribunal serve de aviso ao governo. No acórdão, os ministros do TCU afirmam que, se aprovado o projeto, “sua manutenção nos termos propostos pode configurar infração aos referidos dispositivos”. Na avaliação de técnicos, caso o Congresso Nacional aprove a proposta de LDO da maneira como enviada pela equipe econômica, o tema pode virar alvo de uma disputa jurídica devido ao conflito de normas legais.

A mudança na sistemática da meta fiscal é central na estratégia de política fiscal do ministro da Economia, Paulo Guedes, para 2021, quando o orçamento de guerra já não estará mais em vigor. O orçamento de guerra retirou as amarras para que o governo pudesse gastar mais no combate à pandemia.

Para os técnicos do TCU, porém, a mudança na sistemática da meta pode fragilizar os esforços para assegurar a consolidação fiscal e a trajetória sustentável do endividamento público, que chega se aproxima de 100% do Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, o argumento é que, mesmo que haja frustração de receitas – ameaçando o cumprimento da meta –, o governo sempre pode pedir novo aval do Congresso Nacional para alterar o objetivo da política fiscal.

Após o alerta emitido pelo TCU, o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) do ano que vem, senador Irajá (PSD-TO), vai se reunir com sua equipe de técnicos legislativos para “avaliar o cenário”. Na semana passada, Irajá disse ao Estadão/Broadcast que havia “grandes chances” de manter o dispositivo da maneira proposta pela equipe econômica, diante da falta de previsibilidade para a arrecadação em 2021. O resultado do julgamento, porém, deve acabar entrando na avaliação do relator, que até agora ainda não emitiu seu parecer porque sequer a Comissão Mista de Orçamento (CMO) foi instalada. O senador só deve dar uma posição sobre se manterá ou não a meta flexível após a conversa com os técnicos.

Como revelou o Estadão/Broadcast, a não aprovação da LDO, que é um passo prévio ao próprio Orçamento, poderia deixar o governo sem base legal para gastar em 2021, inclusive pagar despesas que são obrigatórias, como salários e benefícios previdenciários. É a LDO que estabelece a regra de execução provisória das despesas em caso de atraso no Orçamento.

Hoje, o plenário do TCU deu dez dias para que Tesouro Nacional e Ministério da Economia sejam ouvidos sobre os riscos e a possibilidade de elaboração de um plano de contingência para o caso de a LDO não ser aprovada ainda este ano, deixando um vácuo legal para a execução de despesas no ano que vem.

O diretor Executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, Felipe Salto, considerou acertada a decisão. “Meta flexível não é meta. A LRF é clara ao determinar a meta para o resultado primário. A receita importa para a dinâmica da dívida assim como a despesa”, disse.

Para Salto, o desdobramento dessa decisão é que será preciso fazer o inevitável: harmonizar as regras fiscais – meta de primário e teto de gastos – de modo a recuperar as condições de sustentabilidade da dívida pública. “De que adianta uma meta de primário se ela pode mudar ao sabor da arrecadação? Claro que a conjuntura é incerta, mas neste caso o correto seria ser o máximo conservador possível na projeção de arrecadação”, avaliou. Salto considera que o momento atual é de discussão do arcabouço fiscal sem perder de vista o essencial: controlar a dívida ao longo do tempo.

O coordenador do Observatório Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Manoel Pires, disse que não é não é razoável inserir uma incerteza a mais na atual situação fiscal do Brasil com a indefinição sobre o valor de uma meta fiscal das contas públicas. Segundo ele, a meta flexível proposta pelo governo precisa ser revista porque não atende à LRF, que determina uma meta fixa de resultado primário das contas públicas.

“Não ter uma meta e criar uma incerteza em torno disso levando inclusive uma desnecessária reprimenda do TCU”, disse o economista ao comentar decisão do TCU.

Segundo ele, o projeto de Orçamento de 2021 prevê uma estimativa de déficit primário de R$ 233,6 bilhões. “Essa poderia ser a meta. A forma de estimar existe. E, se tiver que mudar lá na frente, que se faça como sempre foi feito”, recomendou. “Bastaria encaminhar um ofício para o Congresso com essa previsão para incorporar no projeto de Orçamento”,

Pires ressaltou que o argumento do governo ao propor na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021, em abril passado, era o de que havia muita incerteza. “É um argumento correto, está ok, mas hoje existe um valor para se trabalhar”, ponderou numa referência ao projeto de Orçamento, que foi enviado em agosto.

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