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Temo que a reforma tributária deixe carga ainda mais pesada, diz Bracher

Executivo vê economia brasileira mais arrumada e com perspectivas de aceleração

VALOR ECONÔMICO – Por Daniel Rittner — De Davos – 20/01/2020 05h00

O presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher, chegou ontem à Suíça com uma agenda “pragmática” no Fórum de Davos: reuniões com presidentes de multinacionais com subsidiárias na América Latina, além de fornecedores, grandes consultorias e outras instituições financeiras. Nos encontros, deixará um recado: a economia brasileira está mais arrumada e com perspectivas de aceleração.

Valor: Que mensagem o sr. está trazendo a Davos sobre o Brasil?

Candido Bracher: Que o país teve evolução importante em 2019, falando exclusivamente do ponto de vista econômico. O ano passado começou com grande sinal de interrogação: como ia ser o novo governo? O quadro estava equilibrado no setor externo, na inflação, mas profundamente desequilibrado na área fiscal. Sabia-se muito pouco sobre a capacidade do governo de negociar com o Congresso, havia uma opinião generalizada de que o ministro Paulo Guedes era competente, mas pavio curto. Ele aguentaria um embate com as esferas políticas? Pois passamos no teste. A reforma ficou no ponto mais alto das expectativas do mercado. Hoje pode-se falar de maneira crível de queda na relação dívida/PIB. A Previdência não só gerou economia direta, mas indireta – na medida em que permite redução dos juros. A despesa do setor público com juros passa de 4,9% do PIB em 2019 para 3,9% em 2020. É uma economia de R$ 80 bilhões.

Valor: O ímpeto reformista continua em 2020 ou há uma tendência de acomodação em ano eleitoral?

Bracher: No universo econômico, nenhuma reforma é tão importante como foi a da Previdência. Hoje estamos falando de uma gama de [reformas] complementares e que mexem com a produtividade, vão levar o crescimento de 2% para 4%. Vejo a MP 905 [do Contrato de Trabalho Verde e Amarelo] como muito importante. Depois, a reforma administrativa. Se bem feita, permitiria ao governo recuperar um pouco de sua capacidade de investimento. Tem também a tributária. Fala-se dela genericamente, falta algo mais específico.

Valor: O quê?

Bracher: Eu tenho receio, confesso, de que a reforma acabe aumentando a carga tributária. Já estamos em 34%, 35% [do PIB], muito acima da maioria dos países emergentes com quem competimos. Como o conflito distributivo é grande e todo mundo quer proteger o seu quinhão, há risco de ter a carga aumentando no final. A reforma é delicada porque você muda uma forma de arrecadar por outra. E não sabe, de início, o quanto essa nova forma vai funcionar. Corre-se o risco de exagerar, arrecadar demais, por isso a implantação será tão ou mais importante do que a formulação. Eu não abandonaria [a reforma] de jeito nenhum, a complexidade do sistema é um dos elementos do Custo Brasil. Mas chamo atenção para a sua implantação.

Valor: E o imposto único?

Bracher: Não tenho nenhuma simpatia pela ideia de imposto único. Para todo problema complexo, existe uma solução simples – e errada.

Valor: Pela terceira vez seguida um ano começa com previsões de PIB acima de 2%.

Nos anos anteriores, como se sabe, houve frustração. Corremos esse risco novamente?

Bracher: Eu não espero, mas não seria prudente dizer que é impossível. A nossa projeção é 2,2%. Com o cenário que enxergamos hoje, esse número parece antes sub do que superdimensionado.

Valor: E o mundo ajuda? O que lhe aflige na economia global?

Bracher: De certo modo, o Brasil está na contramão. Seremos um dos poucos países com crescimento maior neste ano do que em 2019. Parece estar afastado o risco de escalada no conflito comercial EUA-China. Também não vejo elevação das taxas de juros nos países desenvolvidos. Sempre existem os riscos geopolíticos. Fora isso, vejo um ambiente que não é maravilhoso, não há grandes razões para esperar aumento dos preços de commodities, por exemplo, mas é um ambiente relativamente benigno para nós. Sem um grande empurrão, mas sem grande oposição da economia internacional.

Valor: Muitos têm a impressão de que o investimento estrangeiro ainda não está vindo. Por quê?

Bracher: O Brasil é o quarto destino do mundo em investimento direto estrangeiro. Pode vir mais, mas não dá para achar que é pouco. O movimento de fusões e aquisições tem sido ativo. Atribuo grande importância à estabilidade fiscal e à remoção dos elementos prejudiciais do Custo Brasil. Isso deve atrair maior interesse no Brasil, mas não temos mais uma bala de prata. Os investidores não estão esperando nenhuma reforma específica sair e tendem a vir naturalmente. Divisor de águas foi a reforma da Previdência. As outras são importantes, como tendência, mas não têm o mesmo caráter decisivo.

Valor: Os investidores colocam economia e política em trilhos diferentes? Ou o clima de confrontação permanente no Brasil atrapalha?

Bracher: Eu analisaria isso como um grão de sal, não tomaria a valor de face. O que chamamos de disfunção política tem tido um efeito colateral benigno: o estímulo à maior proatividade do Congresso, inclusive em temas econômicos, seu papel na reformulação de propostas, a relação construtiva que adquiriu com a equipe econômica.

Valor: Mas o Brasil tem tido arranhões em sua imagem, como o aumento do desmate na Amazônia e agora o vídeo de inspiração nazista.

Bracher: São mais do que arranhões. São fatos gravíssimos. Estou me referindo principalmente à questão ambiental, de mudanças climáticas, que é uma questão fundamental para o mundo e mobiliza a opinião pública. Não quero entrar na discussão sobre acertos ou erros da nossa política ambiental. Mas, o que quer que estejamos fazendo, comunicamos muito mal. Vejo este governo causando boa impressão no exterior pela área econômica, pelo agronegócio, pela área de Minas e Energia. Mas vejo realmente muito espaço para melhoria – usando um eufemismo aqui – na parte ambiental e em educação. Essa confusão da sexta-feira está ligada à questão educacional. Confusão, não. É uma palavra leve. Foi um episódio absolutamente inaceitável, gravíssimo, e não é grave apenas a referência ao discurso do Goebbels. Essa é criminal, mas todo o tom da fala do ex-secretário…

Valor: Se alguém lhe perguntar em Davos quais são as razões dos protestos na América Latina e se o Brasil pode ser a próxima peça do dominó, como será sua resposta?

Bracher: Poderia dizer que não sei [risos]… Um dos pontos centrais hoje no mundo é a concentração de renda. Isso está por trás da maior parte dos desequilíbrios e turbulências políticas do planeta: o Brexit, a grande polarização que veremos na campanha eleitoral americana neste ano, a crise dos refugiados na Europa e os protestos na América Latina. Como aqui o problema da desigualdade é mais intenso e antigo, é natural que ganhe um caráter mais estridente.

Valor: E o que mudou?

Bracher: Desde a quarta revolução industrial e a introdução de novas tecnologias, o crescimento econômico não está promovendo distribuição de renda. Mesmo nos países desenvolvidos. Os jovens de classe baixa e de classe média não têm mais a perspectiva de viverem melhor do que seus pais. Dito isso, acho que estamos vivendo um relativo respiro na América Latina. No Chile, a convocação da Constituinte acalmou um pouco as coisas. Na Argentina, estamos em momento de ‘wait and see’. Acho que teremos volatilidade continuada em 2020, mas espero que não venha para o Brasil. Há melhoria no ambiente econômico e o clima institucional é bom, os canais de debate estão abertos, ainda que os contendores em pontos distantes.

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