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Três dias e três noites de angústia: o drama de mães longe dos filhos

Três vizinhas contam que foram separadas de seus 5 filhos em resgate e depois não sabiam para onde eles haviam sido levados

Por Jaqueline Sordi, O Estado de S. Paulo, 10/05/2024

Três mães, cinco filhos, uma enchente e um drama em comum. Os personagens acabaram separados pela força das águas que submergiram Porto Alegre e, depois, foram reunidos por outra força – a da solidariedade.

Isabele, de 6 anos, é menina de sorriso solto. Vista de longe, enquanto brinca de correr pelo ginásio repleto de colchões dispostos em filas, parece ter a mesma alegria que as outras crianças do local. Apesar de ser outono, faz um calor incomum no abrigo que recebe os desalojados da Vila Dique, comunidade carente no entorno do Aeroporto Salgado Filho, que foi fortemente afetada pelas enchentes. Mas há um incômodo no olhar de Isabele. Ela acompanha com olhos aflitos cada passo da mãe, Ana Paula, de 36 anos. Mesmo durante a brincadeira, não a perde de vista. É quarta-feira, à tarde, e o trauma da separação ainda é muito recente.

Cinco dias se passaram desde que o bairro onde as vizinhas Ana Paula e Alessandra, ambas de 30 anos, e Tamara, de 38, moravam começou a ser alagado pela maior enchente que Porto Alegre já enfrentou. Cinco dias se passaram desde que três mães optaram por se separar dos filhos para garantir a sobrevivência deles.

Além de Isabele, Ana Paula é mãe de Cibele Vitória, de 11 anos. Tamara é mãe de Raíssa, de 11, e de Ana Luiza, de 8. Já Alessandra é mãe de Richard, também de 8 anos.

‘NO DESESPERO, ENTREGAMOS’. “Foi tudo muito rápido. Era sexta-feira no início do dia e a água estava já na canela. Aí veio gente conhecida para resgatar, mas só cabiam as crianças. No desespero, entregamos e confiamos que em poucas horas iríamos estar com elas”, lembra Ana Paula.

O que as mães não imaginavam é que esse reencontro tardaria muito mais. A promessa era de que as crianças seriam levadas a Cachoeirinha, cidade na região metropolitana de Porto Alegre, e dormiriam na casa de uma pessoa conhecida das vizinhas. “Era alguém que a gente confiava, que conhecia as crianças. Então estávamos tranquilas. Mas essa tranquilidade durou até a primeira tentativa de entrar em contato com elas”, diz Alessandra.

Horas depois de se separarem dos filhos, as três mães tiveram de abandonar suas casas porque o nível da água já estava muito alto. Aguardaram, em cima de um viaduto, pela ajuda. Em pouco tempo, um barco de voluntários resgatou as três, que foram para um abrigo na zona norte da capital. Do teto temporário, começaram a busca pelos filhos. “A pessoa que iria receber nossos filhos não atendia o telefone. Ficamos desesperadas, tentando encontrar ela, ligando para vários locais. Foram três dias e três noites de muita angústia. A gente buscava força uma na outra”, diz Alessandra.

Uma das voluntárias do abrigo chegou com as primeiras boas notícias: na manhã de terça: uma ligação do Conselho Tutelar de Cachoeirinha anunciava que as crianças estavam bem, haviam sido encontradas e acolhidas em uma igreja. “Na hora, a gente quis fazer uma chamada de vídeo com as crianças. E, quando nos vimos, foi um desespero. Todas choravam desesperadas, pedindo por nós, dizendo que queriam voltar para a gente. O que eu tinha vontade era de atravessar o telefone”, diz Ana Paula, com voz embargada.

Tamara conta que foram necessárias mais algumas ligações entre voluntários e Conselho Tutelar, além de horas de viagem pelas estradas devastadas pelas chuvas, para que o reencontro finalmente acontecesse. “Cachoeirinha é aqui perto, mas as estradas estavam horríveis. Nossos filhos foram trazidos mesmo assim e, na terça à noite, a gente conseguiu se abraçar. Foi um alívio que nem sei.” Sobre o lar deixado para trás, Tamara logo responde: “Não estou nem aí. Nossa casa foi destruída, mas isso a gente corre atrás. O mais importante está aqui com a gente, as nossas famílias.”

NÚMERO INCERTO. A história das três mães da Vila Dique tem um final feliz, mas ainda há um número incerto de pais e crianças aguardando o mesmo desfecho. Desde o início dos resgates na capital gaúcha, dezenas de alertas de crianças em busca dos familiares e de pais em busca dos filhos surgiram em redes sociais, grupos de WhatsApp e também chegaram ao Ministério Público.

“Como foi um processo descentralizado de resgate, não houve um acompanhamento adequado desses casos. Por isso, até agora não temos como precisar o número de crianças e adolescentes separados dos familiares durante as enchentes, nem dos que já reencontraram as famílias nem dos que continuam desacompanhados”, diz a promotora de Justiça da Infância e Juventude de Porto Alegre, Cinara Vianna Dutra Braga. Em uma tentativa de centralizar os casos e acelerar os processos de identificação e cuidado dos menores desacompanhados, o Ministério Público, em parceria com governo municipal, estadual e Tribunal de Justiça, montou um centro de triagem especial para receber e acolher essas crianças e adolescentes. “Esperamos que o centro de triagem ajude toda criança resgatada sem o responsável a reencontrar a sua família.”

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