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Trocar o poder de dono

FERNÃO LARA MESQUITA*, O Estado de S.Paulo – 29 de Agosto 2017

Fundo Especial de Financiamento da Democracia?! “Fundo” e “democracia” são conceitos mutuamente excludentes. “Representação” é o nome do jogo e representação é identificação, o único caminho para a responsabilização. Um “fundo” não é ninguém. Apaga as individualidades. A antítese da representação. Desliga o fio terra do “sistema”. O poder sobe um degrau e passa a emanar diretamente dos caciques. Nós num mundo, eles no outro. Nenhuma relação de dependência. Cada tostão destes R$ 3,6 bilhões, ou seja lá a quantos eles forem reduzidos depois que tirarem o bode da sala, irá direto para os donos dos partidos que decidirão exatamente como quiserem quem pode ou não aparecer na urna e quanto cada escolhido vai ter para gastar com sua candidatura. Esse é o problema real. A ditadura dos caciques. Se não elegêssemos nenhum dos políticos que estão aí, teríamos, de qualquer maneira, de eleger os que só entraram no páreo por se terem composto com eles.

É preciso matar essas serpentes no ovo. Devolver o poder às bases. A incubadora de caciques é o Fundo Partidário, o filhote temporão do Imposto Sindical. Os donos de partidos entram no jogo só porque o ato de entrar no jogo já lhes põe uma bolada direto no bolso e mais um tempinho de TV “gratuito” para ser vendido a quem já é cacique há mais tempo. “Dá-se dinheiro.” Entre “partidos” já criados e os que aguardam na fila, 102, por enquanto, atenderam a esse apelo insidioso que vem lá do getulismo. É como o sindicalismo pelego. É como o trabalhismo de achaque: “Traia, minta, falseie que o governo garante”. Impossível não acabar no desastre em que está acabando.

Não há desbaste tópico capaz de limpar o que começa assim. Tem de arrancar o mal pela raiz se quisermos pensar em voltar para dentro do mundo. Só que está tudo amarrado. O acumpliciamento que se impõe como ato inaugural de toda carreira política, na hipótese menos ruim, torna impotente quem tiver pago esse preço por falta de alternativa e esteja disposto a resistir ao sistema. Torna todo mundo denunciável pelo simples fato de estar lá. Olhando só para trás, não há saída disso. Por isso todo o barulho que se faz é para que se olhe só para trás. É preciso abrir uma saída para a frente. Um novo contrato que se possa assinar com resgate a prazo curto. O Brasil está enredado numa confusão básica de conceitos e quanto mais se debate mais enredado fica. “Corrupção” é uma palavra que induz a erro porque pressupõe alguma coisa que antes estava íntegra e se estragou, quando a verdade histórica é que isso que chamamos de “corrupção” não é o desvio, é o padrão da espécie. Nunca houve o “bom selvagem”. Submeter o outro pela força e alimentar-se dele é como é na selva. Chegou até aqui quem melhor fez isso. E o Estado não é senão a força ancestral para subjugar o outro, organizada para ser exercida mais avassaladoramente sobre mais gente e por mais tempo. Foi assim que ele nasceu. Foi para isso que foi inventado. É isso que ele continua fazendo.

ARTIGO33

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