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Ultradireita abraça revolta agrícola na UE

Líderes veem na insatisfação de produtores agrícolas potencial para ampliar seu apelo

Por Washington Post Maen Roch, Emily Rauhala Virgile Demoustier, O Estado de S. Paulo, 18/04/2024

Os fazendeiros de braços cruzados do lado de fora de um estábulo de ovelhas na zona rural da Bretanha estavam absolutamente furiosos, completamente “en colère”, como dizem os franceses. Para um político centrista que estava visitando o local, foi um duro golpe. Para a extrema direita da Europa, era uma oportunidade.

Nos últimos meses, trabalhadores agrícolas furiosos entraram com seus tratores em Paris e em outras cidades da Europa, bloqueando estradas, pulverizando adubo e incendiando coisas. Os agricultores estão furiosos com os altos custos e os baixos preços, com a perspectiva de acordos de livre-comércio, com as restrições das regulamentações climáticas, com o que eles dizem ser um fracasso das elites políticas em entender o que significa cultivar trigo ou criar ovelhas.

A revolta deles está remodelando a política europeia – autoridades que anteriormente prometeram colocar o meio ambiente em primeiro lugar e liderar o mundo em uma transição verde se esforçaram para recuar em algumas de suas próprias regras.

ELEIÇÕES. E em um ano de eleições importantes na Europa e nos EUA, a revolta dos fazendeiros pode ser o prenúncio de uma forte mudança à direita.

A extrema direita europeia está aproveitando de maneira hábil o momento, prometendo uma reforma agrícola e uma chance de bater de frente com os “espertalhões” urbanos. Ao se inserirem na luta agrícola, líderes da extrema direita enxergam o potencial de ampliar seu apelo. Também podem continuar a protestar contra as elites e defender o nacionalismo, simbolizado pelos fazendeiros que trabalham com a terra.

POLÍTICA. A ícone da extrema direita francesa, Marine Le Pen, e seu partido parecem particularmente ansiosos para canalizar a indignação agrícola. “Eles cooptaram o movimento como se fosse deles”, disse Mujtaba Rahman, diretor administrativo para a Europa do Eurasia Group, uma empresa de consultoria de risco político. “Essa é uma ação cínica e oportunista da extrema direita, mas se mostra eficaz.”

Na Holanda, a fúria em relação a uma proposta para cumprir as metas de poluição por nitrogênio da UE por meio da redução dos rebanhos de gado ajudou a impulsionar um partido de fazendeiros para um surpreendente primeiro lugar nas eleições provinciais do ano passado, e está entre as razões pelas quais o partido apoiou o nacionalista de extrema direita Geert Wilders nas negociações para formar o governo.

Na Alemanha, quando os cortes planejados de subsídios no setor agrícola levaram os agricultores às ruas, o Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema direita, ignorou que sua plataforma partidária pedia a abolição dos subsídios. Os políticos da AfD se juntaram aos protestos dos agricultores na esperança de reforçar sua posição como o segundo partido mais forte nas pesquisas alemãs antes das principais eleições regionais no outono.

PARLAMENTO. As primeiras pesquisas sugerem que a extrema direita também terá uma forte participação nas eleições para o Parlamento Europeu em junho. Embora a angústia dos fazendeiros seja apenas um dos muitos fatores que impulsionam essa votação, os políticos de extrema direita parecem estar tentando tirar proveito disso.

O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, em Bruxelas para uma cúpula de líderes europeus, disse aos agricultores que protestavam no local: “É um erro europeu que a voz do povo não seja levada a sério. Temos de encontrar novos líderes que realmente representem o povo”. Para seu público na Europa Central, onde a preocupação é com a União Europeia que permite a entrada de grãos ucranianos baratos em seu mercado, seu partido Fidesz lançou um vídeo animado acusando Bruxelas de “destruir o sustento dos agricultores europeus”. O que está acontecendo na França ajuda a explicar como a Europa chegou até aqui – e o que pode vir a seguir.

Não há uma razão única para que anos de agitação latente tenham explodido em protestos em massa, que durante um período particularmente dramático em janeiro viram tratores bloquear as principais artérias de entrada e saída de Paris. Na França, há tantos revoltados quanto sindicatos, associações e grupos de interesse agrícolas – ou seja, muitos.

Os fazendeiros da Bretanha tinham muito pra desabafar quando Marie-Pierre Vedrenne, representante francesa do Parlamento Europeu e integrante do grupo político do presidente Emmanuel Macron, passou pela fazenda de ovelhas em numa manhã de março para compartilhar uma refeição simples em uma longa mesa de celeiro e ouvir as reclamações.

Os fazendeiros falaram sobre como, mesmo com subsídios, era difícil ganhar a vida, porque os preços de seus produtos não estavam acompanhando os custos. Eles pressionaram Vedrenne sobre um possível acordo de livre-comércio, argumentando que não deveriam ter de competir com produtos de mercados menos regulamentados no exterior.

“Temos a impressão de que estamos sendo sacrificados, que somos a variável de ajuste nesses acordos internacionais”, disse o agricultor Cédric Henry.

David Rondin, que dirige a fazenda de ovelhas, lamentou que as escolas francesas estivessem colocando as crianças contra o consumo de carne.

Vedrenne disse aos fazendeiros que está lutando para negociar melhores termos comerciais e assegurou que também quer ver carne e leite franceses nas escolas francesas.

Muitos agricultores se sentem sobrecarregados com as regras da UE que definem como devem fazer a rotação de culturas ou cultivar suas terras. “Burocratas sem noção de Bruxelas estão dizendo a eles quando e como podem aparar suas sebes”, disse Bruno Gauthier, diretor de uma associação regional de sindicatos agrícolas. Os líderes franceses e de outros países europeus têm procurado apaziguar os agricultores e neutralizar as vantagens da extrema direita.

CONTENÇÃO. Gabriel Attal foi enviado para lidar com os agricultores apenas alguns dias após sua nomeação em janeiro como o mais jovem primeiroministro da França. Desde então, ele prometeu dezenas de milhões de euros em ajuda e isenções fiscais, afastou os planos de reduzir os subsídios ao diesel usado em caminhões e máquinas agrícolas e diminuiu as restrições nacionais aos pesticidas, entre outras concessões. Ele disse que uma lei futura iria além, ajudando a alcançar a “soberania agrícola e alimentar” – uma frase notavelmente nacionalista.

A União Europeia, por sua vez, passou a flexibilizar as regulamentações sobre aspectos como rotação de culturas e lavoura. Abandonou um plano para reduzir o uso de pesticidas e colocou em espera uma parte importante da agenda climática da UE, a Lei de Restauração da Natureza – decisões que provocaram críticas ferozes de ativistas ambientais.

Os líderes da UE estão sob pressão para restringir as importações de grãos da Ucrânia. E, olhando outro item da lista de desejos dos agricultores, as autoridades francesas pediram que a UE desistisse das negociações comerciais com o bloco comercial sul-americano Mercosul. Em uma visita ao Brasil no mês passado, Emmanuel Macron chamou esse bloco de “um negócio terrível”.

E, no entanto, apesar de todas essas concessões, muitos agricultores europeus parecem ter pouco entusiasmo com o presidente francês ou com a UE. “Há uma rejeição à União Europeia, uma rejeição ao livre-comércio e cada vez mais uma rejeição a Macron”, disse Eddy Fougier, analista político que estuda os movimentos de protesto franceses.

Macron foi vaiado quando apareceu na mais importante feira agrícola da França no fim de fevereiro. Jordan Bardella, o presidente de 28 anos do partido de extrema direita Reunião Nacional, de Marine Le Pen, foi recebido como um astro do rock, tirando selfies com fãs.

O Reunião Nacional já foi considerado xenófobo e antiimigrante demais para governar. Mas os líderes do partido se agarraram à agricultura em um esforço aparente para ampliar seu foco para além da migração e se aproximar do mainstream político. Faltando menos de dois meses para as eleições para o Parlamento Europeu, o partido está liderando as pesquisas e confiante de que pode usar a raiva agrícola para vencer.

Os políticos do Reunião Nacional acusam Bruxelas e Paris de “ambientalismo punitivo” e classificam aqueles que apoiam as regras climáticas como ignorantes, elite urbana e “globalistas”. Em alguns casos, o apoio aos agricultores exigiu a distorção de suas posições. Embora Le Pen já tenha criticado o uso de pesticidas, por exemplo, seu partido agora o apoia, uma reviravolta que ajudou a ganhar apoio.

Os legisladores franceses de extrema direita consideram “pragmática” a reviravolta em relação aos pesticidas e o foco nas questões dos agricultores, dizendo que o “localismo”– incluindo a promoção de alimentos e agricultura locais – é uma parte essencial de sua causa conservadora. Eles estão confiantes de que sua mensagem está repercutindo.

Grégoire de Fournas, um aliado de Le Pen que foi brevemente suspenso da Assembleia Nacional em 2022 por gritar “voltem à África” enquanto um colega negro falava, previu um novo dia para a política conservadora na França e em toda a Europa. “Nunca estivemos tão perto do poder”, disse ele.

OPORTUNISMO. O apoio dos agricultores à extrema direita não é de todo unânime. Fabien Tigeot, um fazendeiro orgânico que cria gado em outra parte da Bretanha, disse que estava preocupado com a forma como os fazendeiros estão sendo pressionados economicamente, mas se opôs ao retrocesso das regras ambientais, especialmente sobre o uso de pesticidas. A questão, segundo ele, está sendo “instrumentalizada” pelos políticos.

A questão é se outros serão influenciados. Depois que Vedrenne, o legislador europeu, deixou a fazenda de ovelhas, os fazendeiros ficaram conversando. Ninguém disse em quem votaria nas eleições para o Parlamento Europeu. Todos previram uma vitória da extrema direita.

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