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Um governo nas sombras

Esconder a Declaração de Conflito de Interesses do ministro de Minas e Energia, impondo-lhe sigilo de até 100 anos, se não é pilhéria, é uma banalização ridícula do próprio o sigilo

Por Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, 21/07/2024

O governo Lula da Silva alegou que a Declaração de Conflito de Interesses (DCI) do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, deve permanecer em sigilo, pasme o leitor, por até 100 anos. A DCI é um documento que os ministros de Estado têm de assinar quando ingressam na administração pública. A razão para a exigência é clara: conhecer de antemão os eventuais interesses privados dos tomadores de decisão na mais alta esfera do Poder Executivo é uma proteção da sociedade contra a influência perniciosa que esses interesses possam ter sobre o interesse público.

Fosse de apenas um dia, portanto, o sigilo sobre a DCI do ministro já seria absurdo, pois é em tudo incompatível com a própria natureza do documento e com aquilo que se pretende preservar. Sendo o sigilo de até um século, é puro deboche, uma demonstração de desdém do governo pela transparência e pela ética na administração pública. Em 2124, a memória e o legado do sr. Silveira só interessarão, por óbvio, à sua descendência, não à sociedade em geral.

Já em julho de 2024 recai sobre o ministro de Minas e Energia a suspeita sobre o grau de participação que ele teve na edição da medida provisória (MP) que beneficiou diretamente uma empresa do setor de energia, a Âmbar, cujos donos são os irmãos Joesley e Wesley Batista, do Grupo J&F. O Estadão revelou que altos executivos da Âmbar foram recebidos na pasta ao menos 17 vezes fora da agenda oficial do ministro e de seus subordinados. Mas, para Silveira, o fato de a MP ter agradado aos irmãos Batista poucos dias após essa sequência de visitas clandestinas é “mera coincidência”.

Ora, é dado à sociedade conhecer se, de fato, o acaso imperou, sendo os irmãos Batista dois sujeitos de muita sorte, ou se algo de antirrepublicano, para dizer o mínimo, maculou o processo de elaboração dessa MP. Foi o que o portal UOL tentou saber ao pedir ao governo a íntegra da DCI do ministro Alexandre Silveira, sem sucesso.

Primeiro, o pedido foi feito ao próprio Ministério de Minas e Energia e à Casa Civil da Presidência da República. Diante da negativa, o veículo jornalístico apresentou recurso à Controladoria-Geral da União (CGU). Outra parede foi erguida entre a informação e o interesse público. Por fim, veio a negativa definitiva, sem possibilidade de recurso, dada pela Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CRMI). O órgão justificou a decisão alegando que o pedido se refere a “aspectos da vida privada e intimidade do titular e, portanto, não ‘publicizáveis’ (sic) pelo prazo máximo de 100 anos”.

Chega a ser constrangedor para este jornal ter de dizer que as informações pessoais de Alexandre Silveira, não fosse ele um ministro de Estado, são insignificantes para a posteridade. Dar-lhes a mesma proteção reservada aos segredos existenciais do Estado brasileiro, se não é pilhéria, é uma banalização ridícula do próprio sigilo. Essa parece ser a regra de um governo que prefere as sombras, a ponto de impor segredo até sobre as visitas recebidas pela primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja.

Toda DCI, necessariamente, contém informações pessoais dos declarantes, inclusive as de natureza patrimonial. Essas informações precisam estar registradas justamente para que, quando necessário, possa ser feita a contraposição entre os interesses privados das autoridades e os impactos das decisões que tomam na esfera pública. Como é próprio de países democráticos como o Brasil, esses dados só devem ser acessados – por cidadãos ou por veículos jornalísticos – sob fundada justificativa no interesse público, como é o caso envolvendo o ministro Silveira.

Por mais absurda que seja a imposição de sigilo de até 100 anos sobre informações pessoais de um ministro de Estado, não chega a surpreender. Afinal, o mesmo Lula que se elegeu prometendo acabar com a “farra do sigilo” promovida por seu antecessor não hesita em cobrir com o manto do mistério tudo o que possa representar uma ameaça à história que ele deseja contar aos brasileiros – não necessariamente a verdadeira.

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