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Uma estratégia para a indústria

É preciso olhar o panorama mundial e entender o atual estágio da globalização e suas implicações e o cerne da 4.ª revolução industrial.

Lidia Goldenstein, O Estado de S.Paulo, 15 de dezembro de 2021

Diante da inquestionável constatação de que a indústria brasileira vem reduzindo sua participação no PIB e perdeu capacidade de liderar o crescimento, surgem análises e propostas radicalmente diferentes.

Simplificando, podemos dizer que há quem considere inexorável uma redução do espaço da indústria, com consequente avanço da participação do setor de serviços no PIB, e há quem defenda um retorno do papel de liderança da indústria.

Entre os que acreditam que a indústria não tem importância e que o Brasil deveria focar no agronegócio, o argumento é de que nossa indústria sempre dependeu de subsídios, não é competitiva e custa caro para o País mantê-la. Alguns evocam a queda da participação da indústria no PIB dos países avançados e a liderança do setor de serviços como exemplo a ser seguido. Já os defensores da indústria pedem mais subsídios e barreiras, alegando a necessidade de protegê-la da concorrência internacional.

Ambas as análises se baseiam numa realidade ultrapassada. Quer na defesa intransigente da indústria, quer na defesa da sua irrelevância, ignoram que o atual estágio do capitalismo, em plena 4.ª Revolução Industrial (RI), produz novas articulações e processos, intensifica a globalização e, sobretudo, configura um novo paradigma produtivo, no qual a geração de valor passa a ter novos determinantes.

Ou seja: uns defendem uma estratégia de crescimento do País baseada numa indústria que não existe mais ou está fadada a desaparecer e outros propõem uma estratégia que ignora que o papel da indústria não desapareceu, mas mudaram radicalmente sua dinâmica, sua articulação com os outros setores e seus impactos econômicos e sociais.

É preciso olhar o panorama internacional, entender o atual estágio da globalização e suas implicações, entender o cerne da 4.ª RI, no que ela se diferencia das três revoluções tecnológicas/industriais anteriores e, a partir daí, pensar estratégias para o Brasil e o papel da indústria neste novo cenário.

Estratégias baseadas em diagnósticos equivocados não têm viabilizado o crescimento e, muito menos, o enfrentamento das nossas mazelas de desemprego, concentração de renda, déficit público e, agora, retorno da inflação.

As duas primeiras RIs foram pautadas por invenções específicas: a máquina a vapor e a eletricidade. A 3.ª, nos anos 70, pela eletrônica e a tecnologia da informação. Nos anos 90, os ciclos de inovação aceleram e são a essência do que passou a ser chamado de Economia do Conhecimento, acarretando dois processos entrelaçados: uma profunda mudança no paradigma produtivo e na geografia econômica internacional.

A geração de valor é crescentemente determinada pelo investimento em ativos baseados no conhecimento, intangíveis: pesquisa e desenvolvimento (P&D), design, software, capital humano e organizacional, marcas. Os investimentos das manufaturas em ativos físicos (plantas e máquinas) caem como proporção do PIB e as fronteiras convencionais entre serviços e manufatura esfumaçam, com a incorporação de serviços de alto valor agregado nos processos produtivos. Gastos em ativos de conhecimentos não científicos se tornam tão críticos quanto gastos em P&D.

Muitas manufaturas migram sua produção física para as economias asiáticas, tecendo uma nova geografia econômica, intensificando a globalização e gerando impactos profundos nas cidades e nos países.

Mas a história não para. Rapidamente tem início a 4.ª RI, caracterizada por uma combinação de várias tecnologias que estão amadurecendo, nas esferas biológicas, físicas e digitais: robótica avançada, inteligência artificial, sensores sofisticados, computação em nuvem, internet das coisas (IOT, na sigla em inglês), captação e análise de dados em grandes volumes, fabricação digital (3D), etc.

São avanços que transformam a forma de fazer negócios e reduzem dramaticamente a necessidade de mão de obra. Esta nova fase do capitalismo será definida por uma mudança na relação entre trabalhadores e máquinas. Até agora, as máquinas eram ferramentas para elevar a produtividade dos trabalhadores. Agora, as máquinas estão se tornando trabalhadores!

É uma revolução tecnológica que em sua escala, seu escopo e complexidade será diferente de tudo o que vivenciamos antes.

Este é o pano de fundo para pensar estratégias para o Brasil. A ideia de que poderemos continuar fazendo mais do mesmo é falsa. Fechar a economia não é opção, significa atraso e inflação.

Nossa infraestrutura é precária; o risco de apagão, permanente; o sistema tributário, pesado e caótico; e o sistema educacional, atrasado inclusive para as necessidades da 3.ª RI – em relação à 4.ª, nem se fale.

Mesmo equacionados estes gargalos, ainda estamos longe do mundo pautado pela 4.ª RI, no qual a inovação é o grande motor. O Brasil não tem criado os mecanismos e incentivos que possibilitem o surgimento de uma mentalidade inovadora em suas empresas, na academia e nos governos.

Por que não avançamos? Culpar os governos é fácil. Mas os governos não pairam acima da sociedade. Temos um Estado capturado por interesses privados que estão comprometendo o futuro do País. Chegamos a um impasse. Urge repensar as estratégias que recoloquem o País numa rota de crescimento.

*ECONOMISTA

ARTIGO830

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