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União em apuros, o que fazer?

Mário César Flores

Ministérios, Estados e municípios, produtores rurais, empresas pendentes de projetos ou ações do governo tudo o que depende de aportes, créditos e incentivos públicos reclama da União.

Recursos para saúde, educação, Previdência, transporte, comunicação, energia, ciência e tecnologia, preparo militar, serviços públicos, apoio à agricultura e exportação, habitação e saneamento estão aquém do desejável. Mas o país é rico em recursos naturais e terras agriculturáveis, conta  com razoável parque industrial e infraestrutura logística – hoje um tanto deteriorada -, já passou da infância tecnológica e teve até recentemente aparato de Estado e serviço público satisfatórios. O que está dificultando a vida nacional?

As pressões conjunturais internas, e internacionais contribuem, mas o que mais pesa é a pressão estrutural do desequilíbrio entre o pragmaticamente possível e o ideal exigido pela Constituição e pela cultura de Estado que supostamente tudo pode como banqueiro, cliente e protetor. Deixemos de lado a cultura e falemos sobre os gargalos do desequilíbrio constitucional.

Um deles é a mistura ambígua de autonomia estadual e municipal, descentralização financeira e competências concorrente. Ela permite que Estados e municípios usem a autonomia, a descentralização (que reduziu a parte da União na receita tributária e aumentou a dos Estados e municípios, e as competências concorrentes de modo a usufruírem as primeiras, tendo a União como responsável pelo mau atendimento das competências. Faz-se necessário acabar com a ambiguidade, revendo a divisão do bolo e compatibilizando autodeterminação com auto-sustentação, tendo como contrapartida da autonomia a capacidade de honrá-la.

Também importante é a ordem econômica, que discrimina o aporte externo em país carente de capital, cultiva engessamentos econômicos e retém como propriedade pública atividades que o Estado não tem como conduzir e expandir de acordo com as necessidades, aparentemente sem outras razões que não interesse corporativo e o anacronismo ideológico. Essa situação tenderia a fazer do Brasil uma grande autarquia pobre, não fora o fato de que não mais é viável impermeabilizar fronteiras; é, portanto, preferível mudar controladamente a ordem econômica do que algum dia ter de muda-la sob a pressão dos fatos… como está acontecendo na ex-URSS.

Outra questão é a seguridade social (Previdência, saúde e assistência). É bonito formular direitos de seguridade, mas o tema não se esgota com essa formulação, muito menos quando exagerada, como é o caso da aposentadoria antes da idade racional para o direito ao lazer. É preciso formular também como atender a seu custo, compatibilizando o ideal com o possível.

Finalmente, as vinculações orçamentárias. Estabelecidas com boa intenção, elas dificultam a administração democrática instrumentada pelos podere eleitos e prejudicam outras necessidades. Não parece estranho obrigar um município onde o ensino está equacionado a dedicar 25% de seu orçamento à educação, se ele precisa é de hospital? O dogma bem-intencionado acaba produzindo o mau gasto ou o desrespeito à ordem constitucional.

Se não resolvemos esses gargalos – e uns poucos outros menos conspícuos, como as mazelas do serviço público – , vamos continuar “enrolados” no cobertor curto da insuficiência de recursos do Orçamento federal: descontados pessoal, Previdência, transferências para Estados e municípios, juros e aplicações vinculadas, sobra um percentual diminuto para saúde, transporte, comunicações, energia, segurança, habitação, saneamento, incentivos econômicos ciência e tecnologia, reforma agrária, etc. Não há mágica administrativa que de jeito nisso.

Pouco adianta tentar “driblar” o problema via prioridade: com orçamentos muito comprimidos, os recursos transferidos de projetos dotados de recursos irrisórios para os grandes sorvedouros, destroem aqueles (também necessários) e pouco contribuem para esses; medidas dessa natureza tem mais valor retórico que real. A prioridade é geralmente vinculada ao social; vinculação correta, mas transporte, comunicações, segurança, desenvolvimento tecnológico e outros assuntos não classificáveis como seguridade, educação e habitação não tem importância social? Ou a classificação é apenas subterfúgio para o cobertor curto?

Também pouco adianta querer reduzir as dificuldades abjurando dívidas. Juros são parte da sistemática capitalista: ou a praticamos ou a negamos in totum. Há que reduzir o nível dos juros – e isso está em curso -, mas não atentar para eles induz consequências negativas na economia internacional e, exige ação autoritária, na nacional.

O simples aumento da carga tributária tampouco é solução, embora possa ser útil para situações emergenciais. Já praticamos carga tributária elevada para um país carente de investimentos; os efeitos de seu aumento pesarão menos na disponibilidade de recursos para uso público e mais na queda do investimento e no crescimento da sonegação.

Restam dois caminhos, o primeiro, condição para o segundo e ambos condição para a continuidade e consolidação do sucesso do competente plano de estabilização econômica posto em prática desde março:

– Correção dos gargalos constitucionais, para que os três níveis da Federação atuem de forma adequada e conveniente à sociedade, sem dogmas, mutiladores da administração democrática, ilusões utópicas e cerceamentos ideologizados e anacrônicos.

– Aumento da receita via desenvolvimento equilibrado, mais investimento, maior massa salarial e mercado internos, e mais comércio internacional.

Complementarmente, há que mudar a cultura de Estado onipotente, cartorial, patrimonialista e protecionista o que acontecerá como tempo, uma vez reduzidos os suportes constitucionais e legais que sustentam.

Sem isso só um milagre restabelecerá a saúde do poder público.

Mário César Flores, almirante-de-esquadra da reserva, é secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República

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