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‘Jovem não conquista o que os pais alcançaram’

Para especialista em mercado de trabalho, efeito da crise e novas tecnologias tornam mais novos ainda mais frágeis

Entrevista com José Pastore, economista da USP e da FecomercioSP

Douglas Gavras, O Estado de S.Paulo – 05 de janeiro de 2020

Para o economista José Pastore, que é presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP e professor da Universidade de São Paulo (USP), as dificuldades que os mais jovens enfrentam hoje no mercado de trabalho são maiores do que as que seus pais enfrentaram, tanto pela necessidade de treinamento e atualização, quanto pelos reflexos da recessão de 2015 e 2016, que tirou o emprego de chefes de família e antecipou a entrada no mercado de jovens com qualificação incompleta. A seguir, trechos da entrevista.

Quem entra no mercado hoje se depara com uma situação pior do que há cinco ou dez anos. O que mudou em tão pouco tempo?

Há dois fatores: a recessão do Brasil, que ainda não foi embora, e a diversificação das profissões, que está exigindo mais das pessoas. Os jovens acabam sendo os mais vulneráveis. Há dez anos, as tecnologias entravam para substituir atividades repetitivas e que pagavam menos, como as de uma linha de montagem, por exemplo. A tecnologia transforma, cria e destrói profissões. O que acontece é que as mudanças nunca foram tão rápidas.

Hoje não é mais assim? 

Hoje, os robôs, a inteligência artificial e as impressoras 3-D estão substituindo atividades que exigem mais conhecimento e habilidade intelectual. Uma pessoa que era chefe de estoque de um supermercado pode ser substituída pelo sistema da caixa registradora, que já dá baixa no estoque quando uma venda é feita. Quem está sendo substituído não é mais só o trabalhador mais humilde, mas também o de classe média, com educação secundária e renda de R$ 4 mil.

A geração mais jovem acaba se sentindo frustrada ao tentar buscar o primeiro emprego?

Para os mais jovens, está mais difícil chegar na posição que os pais alcançaram com a mesma idade. Eles não conquistam mais o que os pais alcançaram e não há mais tantas perspectivas de subir a escala social no curto prazo. Muitos deles ficam frustrados, desanimados, se sentem inferiores em relação aos pais. Essa percepção cria um ambiente negativo, e faz crescer, em praticamente todos os países do mundo, movimentos populistas que se aproveitam dessa camada social que perdeu a oportunidade de ascender. Se eles não conseguem nem mesmo um primeiro emprego protegido pelos benefícios da ocupação formal, isso tem sérios reflexos para a sociedade.

É um abismo geracional?

É uma situação completamente diferente daquela de 50 anos atrás. Se olharmos o mercado algumas décadas antes do fim dos anos 1970, é possível ver que o Brasil tinha uma quantidade grande de pessoas que ascenderam socialmente. Elas se mudaram do campo para a cidade, foram atuar na indústria, entraram como aprendizes e chegaram a gerentes. Hoje, esse fenômeno de bons empregos estáveis só existe na área de alta tecnologia.

É exagero falar em uma ‘geração perdida’ de trabalhadores?

Os que têm mais qualificação, mas caem na informalidade por falta de uma opção melhor, têm mais chances de melhorar de trabalho, quando a economia se recuperar. É o engenheiro que ‘está’ motorista de Uber. Mas quem entra na informalidade por falta de qualificação, mesmo quando a economia melhorar, não vai muito além daquela função. Esse trabalhador vai ter um processo lento e doloroso de melhoria social. Na literatura, aparece com frequência que o desemprego prolongado entre os jovens desemboca em uma geração perdida. Além de a pessoa desanimar, fica obsoleta e perde condições de acompanhar as mudanças tecnológicas. Uma parte dos trabalhadores brasileiros pode, sim, entrar nessa conta triste.

A crise coincide com a entrada de serviços via aplicativos, que costumam atrair muitos jovens. É uma precarização do trabalho?

Eu acredito que seja, sim, uma forma de precarização. Esse tipo de trabalho, por aplicativos, está fora de qualquer vínculo empregatício. E é sempre bom lembrar que a proteção trabalhista e o acesso ao sistema de Previdência se baseia no vínculo de emprego. A maioria dessas pessoas, que têm ganhado a vida penduradas em garupas de moto ou dirigindo carros alugados por horas, não tem proteção alguma. O mundo inteiro está procurando sistemas para proteger quem é autônomo ou trabalha sob demanda. Todos esses são seres humanos que adoecem, envelhecem, precisam tirar licença. É importante garantir, pelo menos isso para essas pessoas.

O que fazer para facilitar a entrada dos mais jovens em postos de trabalho melhores?

A coisa mais fundamental é melhorar a educação básica, para que as pessoas consigam acompanhar e absorver as mudanças tecnológicas em curso. Os países ricos fazem educação continuada, em que o cidadão fica constantemente estudando e procurando absorver as novidades do processo produtivo, das formas de gerenciamento e de administração. No Japão, os jovens são recrutados no último ano da faculdade, e as empresas só param de treiná-lo quando ele se aposenta. Na Alemanha, a experiência é unir escola e empresas.

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