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O desencanto dos jovens com a democracia

Pandemia despertou o espírito cívico, mas, passado esse salutar transe, futuro é incerto.

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo – 31 de outubro de 2020 | 03h00

Em nossa época o “mal-estar” da democracia tornou-se um lugar-comum. Um estudo do Centro para o Futuro da Democracia de Cambridge mostra que a sensação difusa de que os jovens estão “desconectados” do processo democrático espelha um fato mensurável. Com base em amplas evidências – são mais de 4,8 milhões de entrevistados e 43 fontes de 160 países entre 1973 e 2020 –, a pesquisa mostra que a insatisfação com a democracia não só é maior entre os jovens do que entre seus contemporâneos mais velhos, mas maior do que nas gerações anteriores no mesmo estágio da vida.

A frustração é compreensível. Nos países desenvolvidos, há uma crescente disparidade intergeracional nas oportunidades de vida: décadas de crescimento da desigualdade relegaram aos jovens dificuldades em encontrar empregos estáveis, adquirir uma casa, formar uma família ou subir na vida. Nos países em desenvolvimento, passada a transição democrática dos anos 70 aos 90, muitos enfrentam os desafios endêmicos da corrupção, ineficiência do Estado e disparidades na aplicação da lei.

Uma interpretação otimista é de que o declínio da satisfação com a democracia reflete uma geração crítica ao seu funcionamento, mas não aos seus ideais. No outro extremo, uma interpretação alarmista acusa uma crescente simpatia dos jovens por valores autoritários. Por um paradoxo aparente, a emergência dos populismos sugere que, entre a apatia e a antipatia em relação à democracia, a verdade está no meio.

Nos últimos anos, tropas dos chamados millennials apoiaram partidos populistas à direita e à esquerda. O fenômeno intrigante é que as ondas populistas foram acompanhadas de uma acentuada reversão do desencanto com a democracia. Ao fim do primeiro mandato de um populista, os jovens chegam a estar mais satisfeitos com a democracia do que seus pares em outros países – uma exceção notável foram os EUA de Donald Trump, enquanto o Brasil de Jair Bolsonaro confirma a regra. Ainda mais espantoso é que esse salto ocorre mesmo em casos de contração econômica.

Ao mesmo tempo, as tentativas de revitalizar o centro político mostram um efeito pouco durável na satisfação dos jovens: após um ligeiro repique de um ou dois anos, segue-se tipicamente uma precipitação do descontentamento e a renovação das mobilizações populistas. Esse padrão provoca uma questão desconcertante: será o populismo uma força revigorante?

É evidente o fracasso dos estamentos democráticos tradicionais em solucionar agruras como as desigualdades de renda, disparidades regionais, exclusão de minorias éticas ou a corrupção das elites políticas. Mas se o centrismo pode ser comparado a um cosmético ou um analgésico de curta duração, que alivia os sintomas, mas não ataca suas causas, o extremismo populista, ao catalisar ressentimentos profundos da população, age como um entorpecente: um poderoso estimulante que intoxica os desiludidos com a democracia com a ilusão da transformação. Mas no médio prazo, quanto maior a ilusão, maior a frustração.

Se num primeiro momento o populismo no poder – o delírio do povo “puro” varrendo as elites “corruptas” – revitaliza a satisfação com a democracia, os dados mostram que, “quando os governos populistas duram além de dois mandatos, a satisfação com a democracia declina primeiro gradualmente, depois acentuadamente”.

Qual será então o remédio? Como concluem os autores do estudo, é preciso “menos foco no ‘populismo’ como uma ameaça e mais nas promessas fundadoras da democracia”.

Um efeito de crises globais como a de 2008 ou a atual é expor agudamente as disfuncionalidades crônicas dos sistemas sociopolíticos. Como dizia Aristóteles, toda tragédia desperta uma purificação (catharsis) pela experiência do pavor e da compaixão. A catástrofe da covid-19 despertou o espírito cívico, manifesto em expressões de solidariedade viralizadas por todo o planeta. Mas, passado esse transe salutar, o futuro é incerto. A crise pode ser o início de uma radical, mas conscienciosa, reforma do pacto social – ou de uma espiral de degradação democrática.

ARTIGO122

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