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Isenção até US$ 50 ‘já não faz sentido”, diz Everardo Maciel, criador da norma

‘O mundo mudou’, alerta o ex-secretário da Receita Federal, que criou a regra em 1995, ainda durante o governo FHC

Sônia Racy, O Estado de S. Paulo, 26/04/2023

Para a posse que não houve, Tancredo Neves tinha, em março de 1985, um discurso cujo título era curto e definitivo: “É proibido gastar”. Mas a nova Constituição, três anos depois, propunha o oposto: “Temos de gastar”. Quem lembra disso é um veterano dos corredores do poder em Brasília, o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, que desde os anos 80 passou pelos ministérios da Educação, do Interior, da Integração, da Fazenda e pela Casa Civil. A frase de Tancredo, avisa, cai como uma luva no Brasil de hoje.

E um dos pontos centrais desse debate, no momento, é a polêmica isenção de imposto para compras no exterior abaixo de US$ 50 – medida introduzida por ele próprio, em 1995, num pacote sobre legislação tributária – na verdade era um imposto único “tratando de tudo”. “O mundo mudou. Hoje não faz o menor sentido”, diz o agora professor da Escola Federal de Magistratura.

Nesta conversa com Cenários, ele também adverte que “no quadro atual não há empenho em tornar o Estado eficiente”. Um país com 38 ministérios? “Isso é uma coisa completamente disfuncional”, diz o consultor. A seguir, os principais trechos da conversa.

O Brasil vive hoje um intenso debate sobre isenção de imposto para compras no exterior de até US$ 50. Como avalia essa questão?

Não sei o que vai acontecer, mas posso dizer o seguinte: essas coisas foram disciplinadas quando eu era secretário da Receita, em 1995. Estabeleceu-se uma alíquota única para os impostos federais, de 60% do valor da mercadoria e a isenção no caso de presentes de pessoa física a pessoa física até US$ 50, mais um outro limite, maior, no caso de medicamentos. Então, eu criei um imposto único tratando de tudo – o de importação, IPI e outros. PIS e Cofins ainda não existiam.

E funcionou.

Sim. Mas desde então o mundo mudou. Na época não havia o marketplace, nem um comércio eletrônico globalizado. A China estava longe de ser o que é hoje, não havia os gigantes asiáticos. Hoje temos uma situação desigual entre produtores nacionais e os de fora. Vemos gente que vem ao Brasil vender coisas da China, são agentes que vêm do Caribe. E como fazem isso? Mandam a pessoas que compram sem pagar nenhum imposto, a pretexto de que se trata apenas de uma camiseta, algo assim.

O que o fabricante nacional pode fazer?

No limite, entrar com uma ação em juízo, cobrando do Estado brasileiro alguma ação.

Hoje, o sr. defenderia a extinção dessa lei?

Sim. Ela não faria nenhum sentido, salvo em casos especiais, para quem não faz essa remessa de forma recorrente.

E quanto às isenções presentes no novo pacote do ajuste fiscal?

Tem sido dito que algumas delas serão revistas. Vamos a algumas ponderações. Rever a renúncia fiscal é uma obrigação permanente. Devia ser sempre assim. Mas há restrições. Você busca as renúncias declaradas na Lei Orçamentária e vê que quase metade delas se refere à Zona Franca de Manaus, entidades filantrópicas e Simples. Vou me explicar: quando uma isenção tem previsão constitucional, é chamada de imunidade. Não pode ser tratada em lei.

O que está achando, de modo geral, do novo pacote, o tal arcabouço?

Acho que é um conjunto de subtetos com um monte de exceções, não vai dar certo. E por quê? Porque o que se quer criar, na verdade, é uma situação de equilíbrio fiscal. E ele pode ser alcançado mediante uma destas três medidas: reduzind<CW-18>o despesa, aumentando receita ou fazendo as duas coisas ao mesmo tempo. Mas no caso da despesa não consigo reduzir sem ter um diagnóstico sobre ela. O que é que faz a despesa federal ser grande? Quase todo o aumento de despesa decorre da Previdência e da assistência social. Foi tomada alguma medida para controlar esse crescimento? Não. Então, vai estourar. Simples assim. Lembro aqui, a propósito, o discurso de posse do Tancredo Neves, eleito presidente. “É proibido gastar”, era o título. E a nova Constituição diz: “Temos de gastar”.

É um problema cultural, só do Brasil?

É, sim, um problema cultural, mas associado à submissão que nós temos ao Estado. Veja, estive em março em minha terra, Pernambuco, e fiquei assustado com a pobreza que vi. Qual a inferência que fiz? Que os programas de transferência de renda são um fracasso, pois não se criam empregos. Um estudo recente apontou que, no Norte e no Nordeste, o total de beneficiários do Bolsa Família é maior do que o de empregados. Aqui se comemora a expansão do Bolsa Família. Ora, devia se comemorar é a sua redução, não aumento. Prefere-se a assistência, porque ela estabelece um conluio disfarçado entre o Estado, o governante e o eleitor.

O senhor acredita que vamos precisar de uma segunda reforma da Previdência?

Sou pouco otimista para isso, especialmente no quadro atual, onde não há empenho em tornar o Estado eficiente. Há uma preocupação em gastar. Um país com 38 ministérios? Isso é completamente disfuncional. E para que 38? Para poder empregar. Arruma-se emprego, e se mantém essa desgovernança do Estado brasileiro.

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