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“Supremo dá 18 meses ao Congresso para que regularmente a licença-paternidade”

Quando os homens têm a oportunidade de acompanhar os primeiros meses das crianças, as repercussões positivas envolvem a família inteira e reverberam ao longo da vida; entenda

Ana Lourenço, O Estado de S.Paulo, 15/12/2023

“No Brasil, a licença-paternidade é mais curta do que o Carnaval”, compara a psicóloga Nicole Amorim, militante em prol da saúde mental materna. Por aqui, o homem tem direito a ficar com a família por cinco dias corridos após o nascimento. Já as mães têm o afastamento remunerado garantido por 120 dias. De acordo com especialistas, há várias razões capazes de explicar tamanha diferença: desde a ideia de que os cuidados infantis são uma responsabilidade unicamente materna até preocupações com o impacto financeiro nas empresas ao oferecer uma licença mais longa aos homens.

Seja como for, a verdade é que a licença-paternidade nunca foi verdadeiramente regulamentada no Brasil. Embora esteja na Constituição, trata-se de uma regra provisória. Por isso, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) apresentou, em 2012, uma ação alegando omissão do Congresso sobre esse tema. Assim, na última quinta-feira (14), o Supremo Tribunal Federal se reuniu e decidiu que de fato o Congresso foi omisso. Como resultado, estipulou 18 meses para que ele finalmente edite uma lei sobre a licença-paternidade.

Caso ela seja estendida (a depender do posicionamento dos parlamentares), os benefícios podem refletir na saúde da família inteira, de diversas maneiras. Esse é um dos principais motivo que têm levado entidades da sociedade civil a se organizarem para pedir a extensão do benefício.

Um estudo americano publicado em junho deste ano no jornal científico Pediatrics, ouviu 250 voluntários e concluiu, por exemplo, que a chance de sucesso na amamentação é maior quando o pai considera essa tarefa importante, mostrando a relevância de seu suporte no processo.

Uma outra pesquisa americana, chamada Helping Dads Care (“Ajudando os Pais a Cuidarem”, em tradução livre), mostrou que pais que tiram licenças mais longas apresentam maior satisfação com sua vida pessoal e seu trabalho. A investigação foi feita pela Equimundo em parceria com a Dove Men+Care e ouviu mais de 1 700 homens e mulheres nos Estados Unidos. Quando todos os participantes foram questionados sobre suas crenças a respeito dos benefícios da licença-paternidade, as mais citadas foram: mães teriam uma melhor saúde mental (68%), pais teriam mais confiança em relação aos cuidados com os filhos (67%) e as crianças teriam uma melhor saúde mental (66%).

De acordo com Rodrigo Darouche Gimenez, psiquiatra do Hospital e Maternidade Santa Joana (SP), a presença efetiva do pai realmente tem impacto direto no desenvolvimento e saúde mental dos pequenos. “O maior envolvimento do pai está associado à diminuição dos problemas comportamentais, melhor desempenho cognitivo e melhores habilidades de regulação emocional. Por outro lado, um envolvimento menor foi associado com maior chance de comportamentos agressivos, de maneira independente da qualidade da relação entre a criança e a mãe”, conta.

Ter mais tempo para dedicar ao bebê após o nascimento tende a facilitar a criação desse vínculo. “Para me entender melhor como pai, eu preciso de mais tempo sendo pai”, defende o psicanalista e escritor Thiago Queiroz, de 41 anos, criador da página ‘Paizinho Vírgula’. Pai de quatro crianças, ele entende a importância de estar por perto para acompanhar o crescimento delas, especialmente nos primeiros meses de vida.

Após o nascimento dos dois primeiros, Gael, 8, e Dante, 11, Queiroz conseguiu somar a licença-paternidade com o período de férias. Já quando vieram as duas mais novas, Maya, 4, e Cora, 2, ele aderiu ao programa Empresa Cidadã, vigente desde 2016, que é disponibilizado para pessoas jurídicas ou funcionários de empresas cadastradas (que, segundo o último levantamento divulgado pela Receita Federal, representa apenas 1% das empresas brasileiras). Com isso, adicionou 15 dias aos cinco da licença atual.

“Mas, muito mais do que falar sobre o alongamento da licença, precisamos estimular um tipo de paternidade diferente no País”, afirma a psicóloga Nicole. Essa é uma das pautas da Campanha Maio Furtacor, co-criada por ela, que busca chamar a atenção da sociedade e das autoridades sobre os altos índices do adoecimento mental das mães. Ou seja, de nada adiantar aumentar o tempo da licença se não mudarmos a crença de que o cuidar não cabe também ao pai.

Vale destacar que, de acordo com uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas, mais de 11 milhões de mães criam os filhos sozinhas.

Cuidar não tem gênero

A sociedade acaba impondo para as mulheres o dever de cuidar dos filhos. E não só: na maioria das vezes, ela também fica responsável pelos afazeres domésticos. Muitas ainda precisam cumprir expediente fora de casa. O resultado dessa tripla jornada é um aumento da carga mental e física associado à ideia de “secundarização” do papel do pai.

“Essa história de que o bebê só precisa da mãe é uma falácia. Homens são tão capazes de cuidar quanto as mulheres. O desenvolvimento das atividades e habilidades parentais não vêm de fábrica com a mulher. Ela desenvolve essa habilidade ‘no laço’ com a criança, e o pai tem a mesma proporção de chances de fazer o mesmo. O tal instinto, que falam, é um componente moldado e influenciado pela cultura”, argumenta Nicole.

O ator Pedro de Oliveira, de 38 anos, pai da Ana, de 8 anos, concorda. “Por uma questão biológica, eu não posso amamentar ou gerar na barriga, mas, fora isso, posso fazer todo o resto. Os papeis se entrelaçam”, avalia. Filho de mãe solo, ele foi pesquisar na internet o que significava de fato ser pai e descobriu que poucas pessoas abordavam isso em 2015. Decidiu, então, criar o canal S.E.R. Pai para estimular a conversa. “Hoje em dia, meu grande propósito de vida é incentivar os homens a serem pais proativos, conscientes e responsáveis”, afirma.

“Em outros países, onde existe uma legislação avançada, a licença é chamada de ‘parental’ e o gênero dos cuidadores não é relevante. Em alguns casos, como na Suécia, o direito pode ser repassado para alguém da linha de descendentes diretos, ou seja, não precisa ser a mãe ou o pai”, conta Saulo Amorim, advogado, presidente do grupo de apoio Cores da Adoção e membro da Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH). Nesse país europeu, a família pode dividir cerca de 15 meses de licença.

É importante ressaltar ainda que, no Brasil, uma família que adota uma criança também tem direito ao afastamento. No caso de casais homoafetivos, uma pessoa recebe o equivalente à licença-paternidade, enquanto a outra fica com a licença-maternidade.

Benefícios para a mãe

“O homem tem que ser o cuidador do bebê e também da mulher, que vai estar exausta”, lembra Oliveira. Inclusive, o alto nível de esgotamento físico e mental no puerpério – período marcado pelos 40 dias após o parto –, pode acabar culminando até em uma depressão pós-parto. “O problema afeta de 15 a 30% das mães brasileiras, mas mais de 80% dos casos acabam ficando sem diagnóstico. O principal fator de proteção para essas mulheres, na maior parte dos estudos, é o suporte social adequado. E como o pai é quem provavelmente vai estar mais próximo, sua participação conta muito”, explica Gimenez.

Queiroz entendeu isso logo nos primeiros momentos: “Eu precisei gerenciar o meu dia para garantir que a minha esposa teria um colo, uma escuta afetiva e empática quando precisar desabafar, além de água e lanchinho. Tudo isso garante uma paz de que tem alguém para cuidar da casa”, conta.

Além disso, tem os impactos na vida profissional. Isso porque uma divisão mais equilibrada das responsabilidades do cuidado diminui a descriminalização das mulheres no mercado de trabalho. A chamada “penalidade materna” envolve a diferença salarial entre os gêneros e a preocupação de, após a licença, estar emocionalmente em dois lugares ao mesmo tempo.

Para a Coalizão Licença Paternidade (CoPai), falar sobre licença-paternidade é crucial para remodelar a visão contemporânea do trabalho. “Essa mudança promove a ideia de que ambos os pais têm responsabilidades parentais, e que o equilíbrio entre vida profissional e familiar é uma preocupação compartilhada. Isso não só beneficia as mulheres, proporcionando-lhes mais espaço e apoio no ambiente de trabalho, mas também contribui para a criação de uma cultura organizacional mais inclusiva e igualitária”, coloca Camila Bruzzi, um dos membros do comitê executivo da Coalizão.

De acordo com a CoPai, na Alemanha, a forte insistência para uma licença parental estendida e com estímulo para os homens ficarem em casa, impulsionou a economia em aproximadamente 70 bilhões de euros e resultou em um crescimento de 2,4% do PIB. Para ter ideia, 71% das mulheres estão atualmente economicamente ativas e a perspectiva é de que esse número aumente para 78% até 2030.

Atitudes bem-vindas durante a licença-paternidade atual

Espera-se que, ao regulamentar a licença-paternidade, o Congresso amplie sua duração. Mas, até lá, existem maneiras de aproveitar ao máximo o tempo em casa. “Enquanto não temos mudanças significativas, a dica que dou é tentar sempre mudar as férias para próximo de quando seu filho vai nascer e, assim, garantir o máximo de tempo que puder”, ensina Queiroz.

Quando os dias concedidos pela empresa acabarem, passe a adequar sua rotina em prol do seu filho. Leve em conta o horário que ele está acordado e as atividades que gostaria que fizessem juntos. Ajude como for possível. Por exemplo: já que o pai não consegue assumir a amamentação, pode trocar a fralda, fazer dormir, buscar a criança no berço e levá-la até a mãe, além de acalmar durante a madrugada. Com a mãe, é importante ter uma escuta ativa e garantir que ela esteja se alimentando bem e tomando água (afinal, amamentar dá sede e fome). Além disso, assuma mais funções na organização da casa.

“Cuidar dos filhos é um trabalho que não tem remuneração direta, mas é um trabalho muito duro. Por isso, temos que lembrar que a pessoa que está fazendo isso pode se sentir sobrecarregada, solitária, com a autoestima abalada. Então, esse olhar empático e acolhedor que homens em geral têm grande dificuldade em exercer, é uma das atividades em que a gente precisa focar”, aconselha Queiroz.

Não custa reforçar que o vínculo é construído através da presença. Por isso, sempre que estiver com a criança, procure evitar distrações, como celular ou televisão. “O bebê precisa conhecer o pai. Por isso, interaja de várias formas: toque, pegue, abrace, brinque, fale, cante. O máximo possível”, indica Gimenez, psiquiatra do Santa Joana. Crie uma rotina que envolva atividades só entre vocês. Que tal assumir a hora da leitura?

“Os pais podem demonstrar essa dedicação através da participação ativa em atividades cotidianas, compartilhamento de experiências, celebração de conquistas e a criação de rituais que fortaleçam os laços familiares. Além disso, a flexibilidade na agenda e o entendimento das necessidades individuais dos filhos são fundamentais para adaptar a abordagem parental”, aconselha Camila.

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