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Comércio de ‘portinhas’ ganha impulso em São Paulo depois da pandemia

Pequenos restaurantes, sorveterias e padarias atendem clientes até na calçada; movimento foi impulsionado pelo isolamento social que provocou o fechamento de vários estabelecimentos

Por Lílian Cunha, O Estado de S. Paulo, 08/03/2024

Tão diminutos quanto uma garagem, os comércios de “portinha” estão se espalhando por São Paulo nesses anos do pós-pandemia. Muitos foram abertos por ex-proprietários de restaurantes que tiveram de fechar as portas na quarentena. Outros foram atraídos pelo formato de baixo custo, tanto do aluguel quanto de outras despesas fixas.

“Existe um certo charme em dizer que um negócio é só ‘uma portinha’. Além disso, é um formato mais leve, sem a burocracia de um restaurante grande, com reservas, várias mesas e funcionários”, diz Caio Alciati, sócio LosDos Taqueria, em Pinheiros. Inaugurada em dezembro de 2020, o restaurante de comida mexicana fica num imóvel que não tem nem salão para os clientes. “É igual uma pastelaria”, diz Alciati.

São tantas portinhas abrindo que elas já têm até um guia para quem quiser conhecer boa parte delas. É o “Guia das Portinhas São Paulo”, lançado em janeiro por Rafael Scarpa, criador do perfil “SPLovers”, no Instagram. O guia, que é um livro com preço de R$ 160, nasceu de um “post” que ele fez no meio do ano passado, indicando nove portinhas para conhecer.

A publicação teve mais de 300 mil curtidas nos primeiros dias – quase 100 vezes mais que sua média de alcance. “O livro vem com ‘vouchers’ para cada portinha, com alguma vantagem para quem for conhecê-las, a maioria do tipo ‘compre um e leve dois’”, conta Scarpa, que já vendeu 150 unidades do guia, que lista 63 lugares.

Ele acredita que a razão do sucesso das portinhas é a produção artesanal dos produtos que elas oferecem. “Geralmente, é o dono que faz tudo”, diz ele.

É o caso da sorveteria Cangote, em Santa Cecília. Especializada em sorvetes de frutas brasileiras, ela foi aberta há dois anos e atende de 7 a 8 mil pessoas por mês. Os clientes compram o sorvete no imóvel – que é uma garagem de um prédio antigo – e consomem por ali mesmo, na calçada, onde ficam espalhadas cadeiras de praia.

O dono, o baiano Anderson Boeira, teve um restaurante de comida nordestina que fechou na pandemia. Endividado, ele só tinha R$ 30 mil para investir no novo empreendimento. Boeira paga R$ 2,2 mil de aluguel no imóvel de 30 metros quadrados e está feliz com o negócio. “Se fosse num lugar maior, eu estaria pagando de R$ 5 mil a R$ 6 mil de aluguel e teria de contratar mais gente. Desse jeito, virou uma espécie de pracinha no bairro.”

Meca das portinhas

Santa Cecilia é a meca desse tipo de comércio em São Paulo. Só na quadra da Cangote, há pelo menos mais três portinhas vendendo pães artesanais, cookies, doces. “Depois de Santa Cecilia, só Pinheiros tem uma concentração tão grande”, diz Scarpa, que além do guia fez um mapa digital das portinhas, no qual é possível perceber a concentração nas duas regiões.

A Ooey Cookie, por exemplo, é ao lado da Cangote, em outra garagem do mesmo prédio antigo. Além de ser só uma portinha, ela foi além no conceito. Em vez de contratar funcionários, o fundador, Thiago Jun, conhecido como Vecks, comprou uma máquina de autoatendimento, no estilo das portinhas que viu no Japão. “Foi o que me atraiu nesse tipo de negócio. Com a máquina, o custo fixo cai muito”, diz ele, que fatura R$ 100 mil ao mês.

A padaria Seu Filão fica no mesmo quarteirão da Cangote e da Ooey Cookies. Foi aberta pouco antes da pandemia, com R$ 25 mil de investimento. “Não dava nem para comprar um Fiat Uno antigo”, diz Felipe Almeida, o dono. A casa de pães de fermentação natural fica onde foi a Sapataria Higienópolis, que funcionou no local por 55 anos. A existência de vários pequenos imóveis comerciais antigos no bairro, como a sapataria, é uma das explicações para tantas portinhas em Santa Cecilia, na Vila Buarque e Higienópolis.

Assim como Vecks, da Ooey, Almeida começou a vender seus pães por encomenda, antes de decidir montar um ponto. Vecks, por exemplo, vendeu seus “cookies” em feiras por sete anos. “No meu caso, foi uma aposta no escuro: abri quando o bairro estava na pandemia ainda. Trabalhava e ainda trabalho com bastante encomenda. Mas hoje, Santa Cecília está na moda e isso ajuda”, diz o dono da Seu Filão, que vende cerca de 300 pães por dia.

Mas uma coisa atrapalha bastante as portinhas: a chuva. Como a maioria não tem área interna para acomodar os clientes, quando chove, eles somem. Por isso, muitos trabalham com encomendas e “delivery”, para tentar driblar esse fator climático.

Na periferia

Sete em cada dez empreendimentos de alimentos e bebidas no Brasil são de Meis, os microempreendedores individuais, segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. “Nas periferias, é comum que a pessoa abra um mercadinho numa garagem, com um caixa só”, diz o analista de competitividade do Sebrae Nacional, Vicente Scalia. “Esse é o formato que exige o menor investimento inicial”, diz ele.

Amor ao formato

Em comum, todos os empresários donos de “portinhas” têm um mantra: crescer devagar. Nenhum deles tem pressa para fechar sua portinha e ir para um lugar maior. “Eu, por exemplo, quero curtir o momento de estar dando certo. Se for para crescer, talvez seja, no futuro, abrindo outra portinha”, diz Almeida.

É isso que quer também Gastón Del Moro, que inaugurou no final de 2023 a Sur Parrilla, em Pinheiros. Ele atende os clientes na garagem e no quintal da casa em que alugou, na rua Padre Carvalho. Com mesinhas também na calçada, consegue ter 26 lugares.

Moro conta que teve por 16 anos um restaurante com 60 lugares e 20 funcionários, em Perdizes. Fechou na pandemia. “Ainda estou começando o Sur. Mas já estou próximo de faturar metade do que faturava com o antigo, só que com quatro vezes menos gasto”, comemora ele, que agora tem apenas cinco funcionários.

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