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Onde está nossa elite?

A construção de uma sociedade justa e apta a gerar ascensão social pelo trabalho é uma das pedras angulares da democracia política

Por Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr., O Estado de S. Paulo, 22/05/2024

O Brasil é frágil, extremamente frágil. Assim o é, porque nossa elite é tímida, assimétrica e descomprometida com seu indelegável papel nas lógicas do poder. Diante da inação daqueles que deveriam endereçar o rumo do País, nossa democracia perde o leme do desenvolvimento entre rotas desencontradas, que ficam ainda mais sinuosas, perante uma classe política fisiológica e de baixo interesse público genuíno. O resultado é historicamente conhecido: pífias taxas de crescimento ao longo da curva, baixa produtividade, péssimos resultados escolares, déficit profundo de investimentos em infraestrutura e tecnologia, tópicas reformas emergenciais, ausência de qualquer projeto consistente de inclusão do País nos grandes jogos geopolíticos, burocracias mil e entregas estatais insuficientes.

Nosso insistente atraso secular faz gerações inteiras de brasileiros sonharem com um amanhã de sol para acordarem no breu da noite. Vivemos um eterno sentimento de frustração nacional. E não se trata de expectativas desmedidas ou irreais: as pessoas apenas querem uma escola que bem eduque seus filhos, um trabalho que lhes permita viver com dignidade, segurança para poderem se locomover sem furtos ou assaltos, um posto de saúde equipado com serviço médico para o atendimento comunitário. Ou seja, bens públicos básicos e elementares à civilização. Mas nem isso temos.

Qual seria, então, a causa do insistente fracasso brasileiro?

Ora, de início, gostamos de culpar especialmente a política e, sim, é indubitável que nossos políticos poderiam ser melhores e mais capacitados à concretização dos ideais democráticos. Aqui, começamos a andar em círculos, pois, sem bons partidos, é impossível formarmos bons políticos. Apesar das cifras públicas bilionárias, nossas agremiações partidárias, com exceções pontuais, são entidades moral e programaticamente falidas. Se verdadeiros e autênticos, os partidos seriam os primeiros a afastar candidatos com denúncias de corrupção ou malversação de dinheiro público. As últimas nominatas eleitorais estão aí e falam por si só. Então, é afirmativo o ônus da baixa política no acidentado processo institucional brasileiro.

Há, todavia, outro elemento central: a falta de uma elite organizada e disposta a honrar seu protagonismo de poder. Trata-se, na essência, de uma questão de responsabilidade com o País e com os concidadãos em situações adversas. Objetivamente, o conceito de honra, que legitima o poder da elite, antes de direitos, está ligado aos deveres a ela vinculados, sendo a construção de uma sociedade justa e apta a gerar ascensão social pelo trabalho dedicado uma das pedras angulares da democracia política. No clássico The Revolt of the Elites and the Betrayal of Democracy, Christopher Lasch pontua que, “apesar de todos os atrativos intrínsecos, a democracia não é um fim em si mesma. Tem de ser julgada pelo sucesso na produção de bens superiores, nas obras de arte e aprendizagem superior, em um tipo superior de caráter”. A seguir tal métrica, o fracasso brasileiro tem sido robusto.

A decadência cultural em curso é alarmante. Aliás, o precário desempenho de nossas crianças no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) sinaliza a tragédia. É urgente reverter este processo deletério. Não se trata de elitismo ou retorno aristocrático, mas de apenas rompermos a apatia para voltarmos a falar com coragem dos valores da democracia política, de conquistas humanas e empresariais admiráveis, do talento, da arte superior e do caráter que faz elevar. Precisamos sinalizar às pessoas que há um país que, apesar de tudo, dá certo. É para esse ponto de luz que os cidadãos de todas as classes sociais devem mirar seus esforços e dedicação.

Para tanto, se faz imperativo o surgir de uma elite nacional realmente comprometida com o bem do Brasil. Uma elite que seja capaz de superar diferenças, vencer vaidades, mostrando-se coesa e organicamente estruturada para ações sistemáticas e concretas à melhor direção do País. Em página clássica, a inteligência de C. Wright Mills sublinhou que, “quando as crises se tornam totais, e aparentemente permanentes, as consequências das decisões se tornam também totais, integram-se e passam a ser gerais, em cada uma das principais áreas da vida. Até certo ponto, é possível prever as consequências nas outras ordens institucionais; além desse ponto, é preciso correr riscos”, vindo a acentuar que a necessidade de decisões coordenadas “exige uma elite de poder de novo calibre”.

No fim, entre a pobreza e a prosperidade, há sempre algum tipo de escolha. Algumas nações se tornam vítimas das circunstâncias; outras assumem a responsabilidade do processo histórico evolutivo. O tabuleiro do mundo pulsa e clama por novas posições de liderança. Na instabilidade do presente, a volatilidade será a tônica. Quando do equilíbrio, saberemos onde estará a nova elite do poder global. Mas o que vale pensar o mundo se sequer resolvemos o nosso quintal?

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