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Responsabilidade social das empresas

Se não diminuirmos as desigualdades no País, difícil imaginar como o mercado possa crescer

Roberto Teixeira da Costa*, O Estado de S.Paulo – 31 de outubro de 2019 | 03h00

A 11.ª reunião do International Advisory Council da Fundação Dom Cabral (FDC), em setembro de 2019, teve início em Ouro Preto e terminou em Nova Lima, onde está situado o câmpus da fundação. O tema central do encontro esteve inicialmente ligado a um documento recentemente divulgado pelo Business Roundtable (BRT), grupo representativo com 181 executivos das maiores companhias mundiais.

Essa associação lançou um manifesto propondo a ideia de que as empresas não devem seguir exclusivamente o interesse de seus acionistas, mas também o das comunidades em que operam, investindo mais em seus funcionários e protegendo o meio ambiente. As empresas devem dar o mesmo peso em suas atividades aos seus shareholders e aos stakeholders, ou seja, todos aqueles que por ela sejam, direta ou indiretamente, afetados. Deve haver uma preocupação com a melhor remuneração de seus funcionários (estatísticas indicam que o emprego aumentou substancialmente nos Estados Unidos, mas não foi acompanhado por melhorias salariais, e o gap entre os mais ricos e os assalariados aumentou); adotar práticas mais sustentáveis (o conceito de sustentabilidade está se ampliando); promover maior diversidade (nos seus conselhos e entre seus empregados); enfim, melhor governança no que toca à dignidade e ao respeito pela comunidade.

Essa primeira posição entra em choque com a posição tradicional de que a responsabilidade exclusiva das empresas é gerar lucros para seus acionistas.

Na sequência foi discutido o desastre ecológico provocado pelo rompimento da barragem da Samarco (joint venture da BHP e da Vale), que, além das perdas humanas, destruiu as cidades de Paracatu, vilas, fazendas, estradas e contaminou o Rio Doce, com prejuízos incalculáveis – apesar das múltiplas iniciativas tomadas pela Fundação Renova, criada pelos acionistas para administrar a compensação aos prejudicados, direta e indiretamente, afetados pelo desastre ecológico. Como era previsível, o desastre de Mariana (MG) teve consequências sociais de dimensões extraordinárias.

A exposição feita por três moradores da região foi dramática, chegando, em determinados momentos, a deixar toda a nossa emoção à flor da pele.

Tiveram sua vida destruída, não conseguem mais descansar em paz, têm pesadelos noturnos e sobrevivem graças a fortes medicações, calmantes incluídos. Eles gostariam de reconstruir a vida e, se pudessem, voltar a ter a qualidade que desfrutavam em sua casa e nas culturas e criações que lhes mantinham o sustento.

No segundo dia do encontro o presidente da Fundação Renova, Roberto Waack, fez palestra explanatória dos procedimentos que vêm sendo adotados e das dificuldades para poder atender a todos da forma que gostariam de ser recompensados, muito embora entendendo a dificuldade de tentar recuperar o que, na realidade, é humanamente irrecuperável. O que estão buscando fazer, dentro dos limites e recursos disponíveis e dos parâmetros fixados por seu conselho, não é tarefa fácil. Também para os funcionários da Renova tem sido um processo desgastante. Cabe ressaltar que todos os que estão envolvidos no atendimento aos prejudicados sofrem na própria pele as dores e os reclamos, quase sempre legítimos, daqueles que passaram por tal situação.

Também participei de um painel em que foi posto em discussão a seguinte questão: “Como os executivos das empresas devem ser motivados para ter foco na promoção do progresso social, através de seus produtos, serviços e produções tecnológicas?”.

Independentemente das conclusões dos outros grupos, registrei que uma das fórmulas que defendo é a de que na fixação do componente “bônus”, regra geral da compensação anual para os executivos das empresas, seja levado em consideração, independentemente do lucro realizado pela empresa, que pelo menos 50% do que lhes seria teoricamente atribuído deveria levar em conta o que sua área específica fez para minorar efeitos ambientais; como seu segmento atendeu aos pleitos da sociedade civil onde opera; qual equilíbrio tem sido buscado na seleção de seu pessoal nas questões de gênero e raça; além de alguns outros aspectos que poderiam ser ponderados, o que, evidentemente, dependerá de seu segmento de atuação.

Do meu livro Mercado de Capitais – Uma Trajetória de 50 Anos, de 2006, creio que o seguinte trecho, registrado na página 64, não perdeu sua atualidade: “No entanto, maior responsabilidade social dos empresários é fato novo. É um movimento que teve seu início há não mais de 20 anos. Quando comecei a trabalhar, essa preocupação não fazia parte do receituário das empresas. De qualquer forma, é bom que se frise que se trata de um conceito muito amplo, quando se trata de um empresário. Você vive em uma comunidade constituída por clientes, fornecedores, empregados, meio ambiente, Estado e seus acionistas. O que interessa é como você se relaciona – de maneira íntegra, honesta e decente – com essas pessoas e instituições, respeitando os seus direitos e tendo obrigações claramente definidas em relação a esse público. Faz pouco tempo que as empresas de maior projeção passaram a publicar simultaneamente com seus demonstrativos financeiro o seu balanço social”.

Creio que para a preservação de um sistema econômico de livre-iniciativa, que defendo desde que ingressei no mercado de capitais, não nos podemos furtar de discutir a questão das desigualdades sociais do nosso país e uma maior participação voluntária dos empresários na mobilização das causas sociais.

É óbvio que, se não diminuirmos as desigualdades sociais, ficará difícil imaginar o crescimento de mercado sem que os consumidores tenham renda.

*ECONOMISTA, É CONSELHEIRO EMÉRITO DO CENTRO BRASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAISE DO CONSELHO EMPRESARIALDA AMÉRICA LATINA

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