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A Pátria livre

Jornal comemorou Lei Áurea com texto que exaltava o fim da ‘vergonhosa instituição’ no País

13 de maio de 2020

Um dos fatos históricos mais importantes noticiados no Estadão ao longo de sua existência é a abolição da escravidão no Brasil, em 13 de maio de 1888. Publicado dois dias depois da Lei Áurea, pois o dia seguinte à abolição foi decretado feriado nacional, o texto “A Pátria Livre” exaltava o fim da “vergonhosa instituição” do direito de propriedade sobre o homem. Na época, o jornal se chamava A Província de São Paulo, mudado para O Estado de S. Paulo após a proclamação da República, no ano seguinte. Leia a íntegra com a grafia original da época e veja a edição original:

A PATRIA LIVRE

Já não há mais escravos no Brazil. A lei n. 3353 de 13 da Maio de 1888 assim o declara no meio de festas que se estendem por todo o paiz, para honra e gloria desta nação da Ame­rica.

Desde hontem está em vigor o ex­cepcional Decreto da soberania nacio­nal que a princesa regente, em nome do imperador, sanccionou e seus ministros o fizeram publicar.

Ahi está uma victoria esplendida da opinião, a affirmação do quanto póde um povo quando sabe fazer valer a sua vontade.

Timidamente ella pronunciava-se no período anterior a 1869, e é dahi em diante que apparecem as primeiras afirmações contra o direito de pro­priedade sobre o homem e os ataques a mais directos á escravidão.

As opiniões dispersas, pelo correr natural das cousas, se concretisam sem combinações porque concorrem para um mesmo fim: de individuaes tornam-se collectivas e afinal toma uma fórma, unica, expressiva, inilludivel – é nacional.

Confirma-se mais uma vez esta lei sociologica — a solidariedade social das gerações nasce da somma de seus esforços relativos ao momento historico; o pobre legado de uma que passa constitue a riqueza de outra que vem.

Na massa popular somem-se mui­tos trabalhadores valentes e nas clas­ses dirigentes perdem-se outros tan­tos, menos enthusiastas mas não me­nos influentes nos resultados das refórmas.

É o que se dá com a abolição da escravidão entre nós.

Na suprema direcção da sociedade, nas funções do governo, quatro ho­mens representam as diversas phases do movimento libertador da raça ne­gra, depois de extincto o trafico: Zacharias de Góes e Vasconcellos, chefe do gabinete que primeiro lem­brou ao parlamento a reforma; o vis­conde do Bio Branco, do gabinete que conseguiu a liberdade dos nascituros, a lei de 28 da Setembro de 1871; o se­nador Dantas, do gabinete que propoz a libertação dos sexagenários sem indemnisação; o senador João Alfredo, do gabinete que completou a obra ex­tinguindo a escravidão.

Nessa successão de factos era difficil descriminar a responsabilidade dos partidos, e a abolição fez-se na sua marcha ascendente com apoio dos conservadores, liberaes e republicanos.

Comprehende-se que os partidos do governo mais de uma vez tivessem de recuar de medidas definitivas, mas a verdade é esta: sempre que foi preci­so votar uma lei, ella passou com o apoio dos partidos, porque exprimin­do as anteriores um systema de transacção, os que pediam muito acceitavam a lei deficiente, certos de que logo depois alcançariam mais.

Chegou a vez de se obter tudo e os poderes públicos, competentes para legislar, camaras e corôa, eliminaram as leis de excepção e extinguiram a escravidão.

Está completo o trabalho de destruir e arruir de todo a vergonhosa instituição, mas é preciso agora não nos esquecermos do trabalho de reconstruir.

A Patria sem escravos não é ainda a Patria livre.

Agora começa o trabalho do liber­tar os brancos assentando a consti­tuição política sobre bases mais largas e seguras para felicidade do povo e gloria nacional.

Devemos ser hoje mais felizes que hontem, mas convém que o sejamos amanhã ainda mais que hoje.

ARTIGO398

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