STF dá votos por reeleição de cúpula do Congresso
Supremo inicia julgamento virtual que pode dar permissão para que presidentes da Câmara e do Senado disputem novo mandato; tese tinha ao menos 4 votos favoráveis
O Estado de S. Paulo – 5 Dec 2020 – Joaquim Falcão
Há um mal-estar no ar. O STF pautou a decisão no silêncio pós-eleitoral. O Congresso se faz de omisso. É como se não quisesse, querendo, dar aval a uma inconstitucionalidade.
O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou na madrugada de ontem o julgamento que pode dar permissão para que os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado (DEM-AP), disputem a reeleição, o que é proibido desde 1969. A discussão que afeta o tabuleiro político do País está sendo feita no plenário virtual da Corte, uma ferramenta que permite aos ministros a análise de casos sem se reunirem pessoalmente ou por videoconferência. A sessão não tem transmissão ao vivo da TV Justiça. Até a conclusão desta edição, sete dos 11 magistrados tinham se manifestado – a discussão poderá se estender até o dia 14.
A eleição para a cúpula do Congresso é a disputa política mais importante de 2021. Os presidentes da Câmara e do Senado comandam a agenda legislativa do País, articulam a estratégia para a aprovação de reformas prioritárias do governo e são responsáveis por controlar não apenas a abertura de CPIS, mas também o andamento de pedidos de impeachment – do presidente da República, no caso da Câmara; dos ministros do STF, no caso do Senado.
O placar do julgamento no Supremo mostrava, até a noite de ontem, que os ministros divergem sobre o aval à reeleição de Maia e Alcolumbre. O relator do caso, Gilmar Mendes, e os ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski já votaram para permitir que os atuais presidentes da Câmara e do Senado disputem a permanência por mais dois anos na chefia das Casas.
“O tema foi posto, e cabe ao Tribunal decidir. Não decidiremos acerca de quem vai compor a próxima mesa: para tanto é preciso de votos no Parlamento, e não no plenário deste Supremo”, disse Gilmar em um longo voto, de 64 páginas.
Indicado ao tribunal pelo presidente Jair Bolsonaro, o ministro Kassio Marques optou por uma solução intermediária – a favor de Alcolumbre, mas contra Maia –, alinhado ao Planalto, que aposta na candidatura do líder do Centrão, o deputado Arthur Lira (PP-AL), para suceder a Maia. “Se o presidente da República pode ser reeleito uma única vez, por simetria e dever de integridade, este mesmo limite deve ser aplicado aos presidentes da Câmara e do Senado”, escreveu Marques.
Já Marco Aurélio Mello e Cármen Lúcia se opuseram à reeleição tanto de Maia quanto de Alcolumbre. “A tese não é, para certos segmentos, agradável, mas não ocupo, ou melhor, ninguém ocupa, neste tribunal, cadeira voltada a relações públicas. A reeleição está em moda, mas não se pode colocar em plano secundário o artigo 57 da Constituição”, escreveu Marco Aurélio, ao destacar o veto à recondução. O placar a favor da recondução de Maia estava em 4 a 3; no caso de Alcolumbre, era de 5 votos favoráveis e 2 contrários, até a conclusão desta edição. Ainda faltavam os votos de quatro ministros.
Histórico. Há mais de meio século, a reeleição é proibida na cúpula do Congresso. Em 1969, o Ato Institucional n.º 16, editado pela ditadura militar, proibiu a recondução ao cargo dos presidentes da Câmara e do Senado. O veto foi imposto em uma manobra contra o então presidente da Câmara, José Bonifácio Lafayette de Andrada. Mesmo filiado à Arena, Andrada provocou irritação em setores radicais do governo ao permitir que colegas parlamentares denunciassem da tribuna a repressão das Forças Armadas.
Antes disso, não era incomum a reeleição por mandatos consecutivos, como foi o caso de Ranieri Mazzilli, que comandou a Câmara por um período de sete anos (de 1958 a 1965). Arnolfo Azevedo (1921-1926), Astolfo Dutra (1915-1919) e Sabino Barroso (1909-1914) também foram reeleitos.
A Constituição de 1988 reforçou o veto à reeleição colocado pelos militares. De lá para cá, o Supremo flexibilizou a regra: passou a permitir a reeleição no caso de mandato-tampão e em legislaturas diferentes.
Repercussão. O julgamento repercutiu nos meios político e acadêmico. O professor de Direito Constitucional da FGV Direito Rio Thomaz Pereira viu com preocupação o apoio à reeleição. “Parece que estão deixando de lado a Constituição e decidindo de acordo com a conjuntura política, isso é muito ruim.” O professor Carlos Ari Sundfeld, da FGV Direito SP, concordou. “É uma acrobacia política, não é uma interpretação jurídica.”
Por outro lado, o advogado Ademar Borges, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), apoia a reeleição. “O que gera incômodo é o fato de a Constituição acabar consagrando uma assimetria. De um lado, assegura possibilidade de maior permanência temporal no Executivo, e obriga uma rotatividade, uma instabilidade na chefia do Legislativo. Essa assimetria gera um desequilíbrio entre os poderes, o que não é justificável.”
ARTIGO178