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‘Sua vida não pode ser vista como uma empresa’

Para psicanalista, empreendedores têm de ter uma atenção especial para a saúde mental

Ludimila Honorato – O Estado de S. Paulo – 31/01/2021

Entrevista com Christina Dunker

Para psicanalista, empreendedores tem de ter uma atenção especial para a saúde mental

A saúde mental e emocional das pessoas deve ser tema prioritário de discussão em todos os ambientes. No mundo dos negócios, o assunto torna-se relevante pela quantidade de empreendedores que são afetados por sintomas ou doenças da mente. E isso cresceu ainda mais em 2020, por conta da pressão que a pandemia exerceu sobre os donos de negócios. Mas, mesmo antes da crise sanitária, a responsabilidade de estar no comando de uma empresa, lidar com fornecedores e funcionários, cumprir prazos e atingir metas já contribuíam para o desenvolvimento de transtornos mentais nesse público.

Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, publicada em 2018 na revista mostrou que 72% dos 242 empreendedores entrevistados eram direta ou indiretamente afetados por questões de saúde mental. Em comparação, 48% dos não empreendedores (93) relataram o mesmo. O levantamento mostrou, também, que os donos de negócio relataram ter mais depressão (30%), TDAH (29%), fazer uso de substâncias (12%) e transtorno bipolar (11%) do que os participantes do grupo comparativo. Para o psicanalista Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da USP, transformações no modo de trabalho, a digitalização e as relações pessoais e coletivas contribuem para isso.

  • Antes mesmo da pandemia, pesquisas já indicavam a maior prevalência de sintomas ou doenças mentais entre empreendedores em relação a não empreendedores. Que fatores levam a esse cenário?

O primeiro fator genérico é a transformação no nosso modo de trabalho, intermitente, a vida nas corporações muito regrada pelo “avalicionismo”, produtivismo, contratos de trabalho mais instáveis. Para os trabalhadores liberais, no ramo de serviços, acarretou jornadas extensas. O segundo fator é a linguagem digital, de impessoalizar relações e agilizar processos, que diminui a fronteira entre vida pública e privada. Sendo mais sujeita a opiniões alheias, a pessoa pensa em como está sendo reconhecida. O terceiro fator são as transformações no modo de relação entre comunidade e instituições. A gente vai colocar uma transformação muito importante que é o uso de substâncias, legais e ilegais, que criam estados que não estavam presentes, como potência de atenção, vigília, ligação com o trabalho. A pessoa começa a perder a fronteira entre doping e dedicação.

  • De que maneira a saúde mental da pessoa que empreende afeta o negócio dela e os colaboradores?

Aqui, a gente tem um novo agrupamento de determinantes. Vamos considerar um percurso bastante recorrente de pessoa que tem experiência em grande corporação e sai dela porque não consegue aplicar o que aprendeu, não tem muita autonomia para decisão e acredita que, fazendo seu próprio negócio, pode rapidamente se colocar no azule não terá esses problemas. Ela está pressionada por um certot empopara que as coisas aconteçam e pela ilusão de que, uma vez proprietário, aquilo que encontrou na corporação não vai acontecer. Esses problemas voltam criando um sentimento de decepção dupla. A isso se acrescenta a relação entre saúde mental e individualização. Quem está mais sujeito a sofrer mais é aquele que acha que o sintoma só pertence a ele, é culpa dele e tem vergonha de compartilhar. Quem vai para startups, geralmente, faz uma suposição de hiper individualização, pensando que temone gó cionas mãos. Na prática, percebe que depende do sócio, do contador, do investidor, vê que depende mais dos outros e isso o expõe a sofrer.

  • Como a pandemia agravou esse cenário?

Aí tem outro percurso, que é o de milhares de falências. A falência não é só um fracasso financeiro, que implica perdas muitas vezes dramáticas, mas é a pessoa, a família e a comunidade em que está inserida. A falência é tomada como um fracasso moral, como algo que teve erro e não soube conduzir, e isso tem consequências devastadoras: a pessoa tende a se culpar, se afastar das outras, se recriminar excessivamente. Isso cria um passivo que evolui para alcoolismo, uso de substâncias, desorganização da família.

  • Como identificar que esses comportamentos considerados positivos no trabalho são, na verdade, transtornos mentais?

Primeiro, não olhe para sua vida como se fosse uma empresa, como se estivesse o tempo todo em sistema de trocas. Quem faz isso está em zona de maior risco. Tem de prestar atenção nos sintomas, não se enganar com falsas explicações de que isso é fase, cansaço. Outro elemento é perceber se transformou a família em parte do trabalho, ver o tempo que dedica à família. Também, faça terapia, algum tipo de tratamento. Diante de uma insônia, não tome sonífero por anos, não tome antidepressivo, porque isso é um doping. Em geral, bons empreendedores sabem traduzir, perceber detalhes, ambientes da situação econômica. Então, é escutar a si mesmo.

ARTIGO693

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