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Câmara discute temas de Constituinte

Cientista político ressalta que nem os legisladores de 1946 e 1988 mexeram no sistema eleitoral ou na obrigatoriedade do voto

O Estado de S. Paulo, 21 Jun 2021, Jairo Nicolau, Adriana Ferraz

Desde 1998, quando participou pela primeira vez de uma comissão criada pela Câmara dos Deputados para debater reforma política, o pesquisador Jairo Nicolau se vê diante da proposta de o Brasil trocar seu atual sistema eleitoral, que hoje funciona de forma proporcional, pelo chamado distritão. “Mas é inacreditável que o Brasil, numa hora dessas, com tantos desafios, esteja tentando aprovar o pior sistema eleitoral do mundo”, disse, nesta entrevista ao Estadão.

Para Nicolau, fora a simplicidade do modelo (no distritão são eleitos os deputados mais votados por Estado, descartando-se os votos na legenda), não há qualquer virtude na troca. “Não fortalece partidos, não aumenta a legitimidade eleitoral, não torna as eleições mais baratas. Só beneficia os políticos que o defendem.”

Ele avalia ainda que temas como sistema eleitoral, voto facultativo e candidatura avulsa – todos atualmente em debate – deveriam ser tratados por uma Assembleia Constituinte e com participação popular, o que não é o caso das discussões de agora na Câmara. A seguir, os principais trechos da entrevista:

  • O Brasil precisa de uma nova reforma político-eleitoral?

Todo país pode discutir suas instituições, seu pacto social. O Chile está passando por isso, é natural. Mas não pode ser feito dessa forma, com deputados que não são especialistas no tema, sem audiências públicas e com essa agenda. Os temas tratados são dignos de uma Constituinte. E olha que as Constituintes de 1946 e 1988 não mexeram em nada disso, mantiveram a representação proporcional, a desigualdade da representação dos Estados na Câmara, o voto obrigatório. São escolhas que têm a ver com a nossa cara como democracia, como República.

  • O distritão também voltou a ser cogitado. Qual sua opinião?

É o tipo de solução para um problema que ninguém apresentou. Preferência por sistema eleitoral não é como preferência por um tipo de filme. Eu gosto de western, outros gostam de filme romântico. Não é assim que funciona. Vamos agora entrar no sistema de comédia pastelão? A gente tem uma escolha institucional que pode não estar funcionando, mas, dentro do cardápio de sistemas eleitorais testados no mundo, esse ou aquele são soluções para resolver tal problema. E o distritão resolve qual problema?

  • Uma das alegações é a de que é um sistema mais simples.

Sim, ok, é um sistema mais simples, mas o sistema proporcional funciona desde 1945. Todas as legislaturas da Câmara antes, durante a ditadura e depois foram eleitas nesse modelo. Quantas vezes algum deputado reclamou da complexidade? Cada um faz as suas contas e nunca o tema da simplicidade apareceu. E por quê? Porque fora a simplicidade não há nenhum tipo de virtude no distritão. Não fortalece partidos, não aumenta a legitimidade eleitoral, não torna as eleições mais baratas. Só beneficia os políticos que o defendem.

  • Os partidos seriam prejudicados com essa troca?

O cenário é tenebroso do ponto de vista partidário. O distritão estimula o hiperindividualismo político, o que é péssimo. O deputado passa a ter grande autonomia, pode negociar apoio direto com o presidente, com suas bases, sua igreja. Tudo isso sem depender de partidos, de colegas. Esse, sim, pode ser o primeiro passo da candidatura avulsa. Vão querer copiar o modelo do Chile, mas o modelo de lá é para uma Constituinte.

  • Que foi instalada por pressão popular…

Sim. Aqui não temos nada disso. Essa reforma não tem base em nenhum movimento popular ou partidário. Nenhum partido tem posição clara sobre sistema político-eleitoral. Aí, chega lá uma meia dúzia de deputados interessados nessa engenhoca, nesse retrocesso que é o distritão, e conseguem empurrar essa troca no meio de uma tarde chuvosa em uma votação relâmpago. Aprova-se essa aventura e depois joga a decisão para o Senado.

  • O senhor vê possibilidade de a proposta ser aprovada?

Desde que me entendo por cientista político, isso em meados de 1998, participo de todas as comissões organizadas na Câmara para estudar reforma político-eleitoral. Em geral, elas não vão muito longe, mas a última, quando não esperava nada, aprovou o fim das coligações proporcionais. Nunca acreditei que as coligações um dia iriam acabar. Até hoje não sei como aprovaram. A Câmara tem uma obsessão por reforma política. Estou preocupado porque pode ser um passo atrás, um atraso completo.

  • Depois de aprovar o fim das coligações e a cláusula de barreira, mexer nas regras de novo seria um erro?

Com o fim das coligações demos um passo muito importante para termos um sistema mais eficiente, com um quadro mais enxuto de partidos. E olhe, estamos vendo já um movimento esperado por essa reforma: veja que o deputado Marcelo Freixo e o governador Flávio Dino anunciaram que estão indo para o PSB, que virou a bola da vez. O PSD se incorporou também, assim como o PSDB também vai. Os partidos menores vão penar porque vão ficar sem recursos. A última reforma é boa. Nunca esperei isso, mas é. Cláusula de desempenho e fim das coligações. Estamos no melhor dos mundos. É preciso deixar decantar essas reformas para que elas produzam os efeitos desejados.

  • O senhor já disse que o distritão é o pior sistema do mundo. Por quê?

Foi feita uma consulta a cientistas políticos do mundo inteiro – fiz um artigo sobre isso – para classificar os sistemas eleitorais. O distritão foi o mais rejeitado. É um sistema do século 19, temos de ser enfáticos no retrocesso que significaria. O único país relevante que usa é o Iraque. Não precisa falar mais nada, é um país onde não há partidos. E aqui existe essa obsessão pelo pior sistema eleitoral do mundo numa hora em que esse debate não está sendo feito com a sociedade, com a academia e nem sequer com os partidos, que estão preocupados é com 2022.

ARTIGO745

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