Lobby do Comando Vermelho
Projeto reconhece relações governamentais como atividade legítima, desde que não se valham de métodos proibidos ou tenham finalidades ilícitas
Diogo Schelp, O Estado de S.Paulo, 19/11/2023
A revelação, pelo Estadão, de reuniões da dirigente de uma ONG ligada ao Comando Vermelho (CV) com assessores do Ministério da Justiça dividiu a opinião pública, grosso modo, em três grupos. O primeiro é composto por quem acredita que essa é a prova da existência de um conluio entre o governo Lula e narcotraficantes. No segundo, estão aqueles que até aceitam a explicação oficial de que o ministério não sabia dos antecedentes da visitante, mas nem por isso deixam de se indignar com a negligência e a falta de transparência na agenda de reuniões. O terceiro grupo é o dos passadores de pano, capazes de achar absolutamente normal que um instituto financiado por uma facção criminosa defenda interesses de detentos junto às autoridades.
Aliás, a própria maneira como o dinheiro flui do CV para pagar os gastos da ONG, conforme investigação da Polícia Civil, já demonstra o que é o crime “organizado”. Tão organizado que faz até lobby, como se fosse uma empresa, um sindicato, uma associação ou um movimento social. Ou seja, tentam influenciar decisões políticas e defender seus interesses junto a agentes públicos. Lobby, ou relações governamentais, é uma atividade legítima e necessária em uma democracia, desde que não se valha de métodos proibidos (como pagar propina) ou tenha finalidades ilícitas (como traficar drogas e armas).
Falta ao Brasil uma lei para regulamentar o lobby. Existe um projeto com esse objetivo que foi aprovado no ano passado na Câmara dos Deputados depois de 15 anos de discussão, mas que está parado no Senado. Com alguns aprimoramentos, o PL 2914/22 pode dar mais transparência à atuação dos grupos de interesse no Brasil e evitar situações indesejadas, como a que foi revelada na semana passada.
Pelo texto do PL, por exemplo, a dirigente da tal ONG amazonense, por causa do grande número de assessores visitados, seria classificada como lobista profissional. Isso significa que ela precisaria fazer um credenciamento prévio, o qual, segundo uma das emendas propostas, exigiria inclusive o fornecimento de informações detalhadas sobre suas fontes de financiamento. O PL também prevê a recusa do credenciamento de lobista condenado por corrupção ou improbidade administrativa. Por esse critério, porém, a ongueira do CV não seria impedida de atuar em Brasília. As acusações que ela enfrenta são de outra natureza.
ARTIGO1003