Em defesa do Comitê Gestor do IBS
Por Maílson da Nóbrega, O Estado de S. Paulo, 13/05/2024
O Comitê Gestor do Imposto de Bens e Serviços (IBS) é fundamental para implementar a reforma tributária. A ele caberá “arrecadar o imposto, efetuar as compensações e distribuir o produto da arrecadação entre Estados, Distrito Federal e municípios”. Ao contrário do que se diz, o comitê não é ameaça à Federação.
A exemplo do ocorrido em federações que adotaram o IVA, a reforma implicará a cessão de parte da autonomia tributária dos entes federados, em benefício de um imposto eficiente, gerido por seus representantes e que a todos beneficia. A Alemanha, uma das federações mais fortes do mundo, é um desses casos.
A reforma tributária incorporou o compromisso de manter, por alguns anos, a arrecadação anterior dos Estados e municípios. Nas tentativas anteriores, as perdas e ganhos inviabilizavam a mudança. Os governos subnacionais que perdiam se aglutinavam em uma coalizão de veto que impedia sua aprovação.
No sistema atual, dadas as incidências em cascata, é impossível desonerar as exportações. A devolução de créditos leva anos e depende da boa vontade do Fisco estadual. A reforma permitirá a desoneração integral e a devolução dos créditos acumulados. O seu respectivo valor não será distribuído aos governos subnacionais, o que garantirá sua rápida devolução ao exportador.
No novo sistema, prevalecerá o princípio do destino, mesmo se a arrecadação ocorrer na origem da cadeia produtiva. Sem o comitê, nenhuma dessas novidades positivas poderá ser implementada. Na verdade, sua tarefa será semelhante à de um banco que recebe os tributos e os transfere aos entes federados. No caso do IBS, a transferência será feita ao comitê.
Os críticos do comitê não perceberam suas inequívocas vantagens. Preferem apontar uma suposta intromissão nas esferas de poder. Acham que teria poderes discricionários na distribuição dos recursos, mas ele não terá como beneficiar certos Estados e municípios, em detrimento dos demais.
Busca-se demonizar a ideia de um logaritmo para distribuir os recursos. Ironicamente, perguntam se o logaritmo poderia resolver questões administrativas confiadas ao comitê. Segundo me disse importante membro do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), que formulou o projeto da reforma, não se prevê o uso desse logaritmo. A distribuição dos recursos se fará pela aplicação das regras da reforma, que serão transformadas em fórmulas matemáticas simples. E mesmo que o logaritmo venha a ser necessário, qual seria o problema de utilizar um instrumento de inteligência artificial para facilitar a correta distribuição dos recursos?
Rejeita-se que o comitê edite o regulamento, uniformize as normas do imposto e decida o contencioso, mas sem isso tais tarefas caberiam a cada um dos 27 Estados e cerca de 5.600 municípios. Isso reinstituiria a situação que provocou o caos da tributação do consumo, que a reforma deverá eliminar. Não haveria os ganhos enormes de eficiência que elevarão o potencial de crescimento da economia. Além disso, o órgão máximo do comitê terá participação paritária dos Estados e municípios.
Há outros exageros nas críticas. Por exemplo, diz-se que o comitê substituirá os chefes dos governos estaduais e municipais, quando suas atividades se resumirão ao campo da implementação da reforma, sem qualquer interferência nos poderes dos entes federados. Essa crítica poderia ter valido durante a apreciação da reforma, mas tal temor não esteve presente nas discussões entre os membros do Congresso, que a aprovaram.
Os autores dos estudos que resultaram na PEC 45, na reforma e no projeto de regulamentação, são tidos como despreparados para a tarefa, por nunca terem sentado nas cadeiras de órgãos fazendários dos Estados e municípios. Na verdade, os estudos contaram com a participação de especialistas que passaram pelo Fisco estadual e federal. Mais, se a experiência de campo fosse um pré-requisito para elaborar e aprovar propostas de leis e regulamentos, o Congresso deveria ter um número incalculável de parlamentares. Não é assim em lugar algum.
Muitos dos avanços institucionais dos últimos séculos se basearam em estudos e ideias de intelectuais que nunca exerceram cargos no governo. É o caso de Adam Smith, pai da economia moderna, filósofo e professor. No fim da vida, ganhou emprego na alfândega da Escócia, mas não foi isso que assegurou sua genialidade.
A reforma contou com a participação de muitos, inclusive dos que conseguiram inserir seus próprios privilégios na emenda constitucional. A regulamentação não poderá negar a influência dos que têm objeções legítimas ao seu texto. Será preciso ponderar todos os prós e contras do Comitê Gestor, mas isso não pode ser feito de forma desavisada, como tem acontecido. Vale repetir, sem esse órgão a reforma não se tornará realidade. Não podemos, pois, correr o risco de retornar ao caos do sistema atual, nem sonhar que um ICMS simplificado seria a saída. A saída é aprovar o comitê.
ARTIGO1118